Juiz-foranos. Quem são? O que comem? Onde vivem? São mesmo de Juiz de Fora? Obviedades complexas. Uma cidade de 171 anos com identidade indefinida. Talvez um divã dê conta, uma regressão terapêutica.
Nesta visita ao passado, encontro “o primeiro sorriso de Minas”, descrito por Manuel Bandeira. Já Murilo me mostra a terra “cercada de pianos por todos os lados”. Não sei se ainda em transe, vejo uma guerra nas redes. E cada vez mais farmácias. Talvez haja relação. Mas assim como o poeta, “tenho muita pena do Paraibuna”. E das capivaras locais.
Agora estou numa fábrica de quando éramos ingleses, uma Manchester por puro capricho deslocada da Europa. Aqui exaltamos donos de indústrias, perpetuados em medalhas e nomes de ruas. A massa trabalhadora, essa permanece esquecida. Por um lado, não é ruim; sabemos para que servem as estátuas. De longe, em meio à poeira do tempo, vejo os barões de café e a dor dos escravizados. Nesta viagem sem sincronia, dá pra entender tanta coisa…
Vou para o Brasil-Colônia, quando a Coroa indicava magistrados temporários para essas bandas daqui. A casa de um juiz de fora, corre à boca pequena, ficava exatamente no trecho onde tempos depois se fez zona e até boate teve, com shows de entretenimento adulto (lugares logicamente desconhecidos dos homens de família honrados).
Naquela fase de exploração – estou falando do ouro – éramos apenas um posto, regido por Barbacena, entre Rio e Vila Rica. Veio a emancipação, mas a independência da avenida, essa não temos mais. Sob a imagem do Cristo, no Morro do Imperador (que quando criança eu achava ser um só, o Cristo e o Imperador), vamos perdendo outros nomes, práticas e referências, e pequenos prazeres que para nós eram símbolos. Casas são demolidas, tradições e biografias. No meio dos escombros, recortes do nosso RG.
Vejo multiplicarem faculdades em meio a militares quarteis, e essa paisagem arraigada nas entranhas da cidade é tão familiar que chega a ser estranha. Eu era a criança que jogava bola na praça do canhão. Nem imaginava que daqui saíram aquelas tropas.
Essa proximidade do Rio é outro assunto que cansa. Adotamos Cabo Frio pela simples necessidade de acesso ao mar. O samba veio dos negros e grandes carnavais fizemos. E não sei por que nossa ida ao Maracanã ainda é tão questionada. Isto incomoda demais o povo da capital, que teima em desdenhar do litoral do estado. Mas já vi um “Galo x Flamengo” em que quase todo o Mário Helênio vibrava, fosse o gol pra lá ou pra cá. É bom pontuar para o leitor distraído que era carijó esse Galo.
Alguns têm chiado na fala e, se chove no Rio, aqui já recolhem a roupa do varal. Pura precaução de mineiro. Entre a caipirinha e o pão de queijo, claro que não fazemos desfeita, mas nossa especiaria de fato é o tal do cigarrete. Já a cultura alemã é lembrada a cada ano. Do velho continente ainda, orgulho da Casa D’Itália (se já não nos foi levada). Somos cosmopolitas sem distinção de origens. O mundo aqui se reúne, a UFJF que o diga.
Meu amigo Danniel Goulart, esse matou a charada: “Somos feitos de gente dos arredores.” Exigem uma mineiridade padrão, mas se Minas são muitas, a nossa tem um quê diferente, algo que não se explica. Ô cidade do contra! Sempre o avesso do avesso. Basta ver na política, com momentos de glória e vergonha.
Ah, Juiz de Fora, quando te querem rural, você se apresenta urbana. Se lhe exigem sotaque, parte para a neutralidade ou põe um chiado no uai. Às vezes você se endireita para logo voltar a ser gauche. Não, não falem mal da terrinha, isto a gente já faz, mas onde quer que estejamos queremos é voltar para casa. Juntamos Rio e BH, e os arredores do mundo. Desta integração somos feitos. Só não queremos mesmo é ver na TV todo dia notícias dos bois de Uberaba.