Conjuntura

147 ônibus da frota do transporte público têm mais de 10 anos. Por que seguem rodando?

Desequilíbrio econômico-financeiro do setor agravado pela pandemia elevou a idade média da frota pata 7 anos e meio (Foto: Leonardo Costa)

O envelhecimento da frota de ônibus do transporte público coletivo de Juiz de Fora deixou de ser novidade para os passageiros há um bom tempo. Mas os números revelam o agravamento da situação. Atualmente, 147 veículos já ultrapassaram a idade máxima para circular, que é de dez anos, conforme estabelecido pelo edital de licitação e pelos contratos com os consórcios Manchester e Via JF.

Nesse cenário, a idade média da frota que, também conforme os contratos e o edital de licitação, deveria ser de no máximo de cinco anos, alcança hoje sete anos e meio. Para o cálculo da idade dos veículos, é considerado o ano do modelo da carroceria e não o ano de fabricação.

Até o mês setembro, outros 50 ônibus devem ser aposentados por terem atingido o tempo limite de vida. Se nada for feito para reverter esse quadro, o município caminha para encerrar o ano com um terço da frota em circulação contendo mais de uma década de uso. Seguindo nesse ritmo, metade dos ônibus estará com tempo de uso avançado em 2024. Os contratos se encerram em 2026.

Os dados sobre a idade da frota dos ônibus do transporte público coletivo foram obtidos por O Pharol, no último dia 9 de maio, por meio de Lei de Acesso à Informação, legislação que completa dez anos nessa segunda-feira (16). O Cinturb (Consórcios Integrados de Transporte Urbano), que representa os consórcios Via JF e Manchester, foi procurado para comentar os dados, mas preferiu não se pronunciar.

Dos 147 ônibus com mais de dez anos de uso, 88 pertencem ao consórcio Via JF e 59 ao Manchester. No conjunto de dados encaminhados para O Pharol, a Prefeitura de Juiz de Fora informou que os veículos do Via JF com idade além da permitida encontram-se na frota reserva. O Executivo também revelou a existência de nove ônibus modelo de 2009 pertencentes ao consórcio Manchester em circulação sem autorização da pasta.

Quanto aos ônibus mantidos na chamada “reserva técnica”, o contrato limita em 10% da frota “o número máximo de veículos que poderão ficar paralisados para manutenção ou qualquer outro motivo”. No caso do consórcio Via JF, a operação é feita com 369 ônibus, ou seja, apenas 37 (equivalente a 10%) poderiam permanecer na “reserva técnica” e não os 88 como alega a Prefeitura de Juiz de Fora.

Já em relação à falta de autorização para circular dos veículos modelo de 2009 do consórcio Manchester, a Prefeitura de Juiz de Fora informou que os mesmos estão sendo autuados diariamente. De uma forma geral, ao longo de 2021 até o dia 4 de maio de 2022, o Departamento de Fiscalização da SMU realizou 411 autuações devido à existência de veículos em tráfego sem autorização do órgão competente.

Desequilíbrio econômico-financeiro comprometeu renovação da frota

A NTU (Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos) explica que o desequilíbrio econômico-financeiro dos contratos, agravado desde o início da pandemia da Covid-19, comprometeu a capacidade de renovação da frota pelas empresas operadoras. Isso inclui o atendimento das determinações de vida útil e idade média definidas nos editais de licitação e contratos.

De acordo com a entidade, os sistemas organizados de transporte público por ônibus urbano, presentes em 2.901 municípios brasileiros, tiveram uma perda acumulada de R$ 25,7 bilhões, entre março de 2020 e fevereiro de 2022. O período pandêmico acelerou a queda do número de passageiros e obrigou a manutenção da oferta do serviço superior à demanda para garantir o distanciamento social.

O prejuízo calculado, segundo a NTU, corresponde a 33,8% do faturamento mensal do setor, registrado antes da pandemia. Os dados são do relatório “Transporte Público por Ônibus – 2 anos de Impactos da Pandemia de Covid-19”, elaborado pela entidade. O levantamento revela que, no período de pandemia, foram registrados 49 casos de interrupção dos serviços por parte de 44 empresas e 5 consórcios que suspenderam suas atividades ou deixaram de operar.

Houve ainda 379 paralisações temporárias, por greves ou protestos, motivadas, na maioria dos casos, por atrasos no pagamento de salários e benefícios, decorrentes das dificuldades de caixa das empresas, que afetaram 107 sistemas de transporte público de todo o país. O estrangulamento financeiro do setor gerou também uma redução de 92.581 postos de trabalho, queda de 22,7% no nível de emprego direto existente no setor em 2019.

Francisco Christovam, presidente da NTU, lamentou a ausência de medidas por parte da União, que poderiam ter amenizar a atual situação do transporte público coletivo em todo o país.

“O transporte público viveu, nos últimos dois anos, uma crise aguda dentro de uma crise estrutural, anterior à própria Covid-19. A ausência de medidas emergenciais amplas e consistentes, em nível nacional, por parte do Governo Federal, para garantir a continuidade da prestação dos serviços de transporte público, foi decisiva para os impactos financeiros sofridos durante a pandemia e para o quadro alarmante em que o setor se encontra neste momento”.

Municípios cobram ajuda da União

A situação fez os municípios com transporte público coletivo elevarem o tom em relação à necessidade de subsídio para o setor. Chefes dos executivos pedem a aprovação de projeto de lei dos senadores Nelsinho Trad (PSD) e Alexandre Luiz Giordano (MDB), que institui o Programa Nacional de Assistência à Mobilidade dos Idosos em Áreas Urbanas (PNAMI).

Conforme a proposta, cada ente federativo deverá criar fundos de transporte público coletivo até 180 dias após a publicação da lei. Nos municípios onde o transporte intermunicipal urbano é gerido pelo estado, 20% do valor do fundo será repassado ao ente federativo responsável. O projeto ainda permite que a União abra crédito extraordinário visando o cumprimento da lei.

Pelo projeto, o repasse federal seria da ordem de R$ 5 bilhões por ano para bancar a passagem gratuita oferecida a idosos com mais de 65 anos. “Se antes o projeto nos serviria como um respiro para pensarmos em alternativas de médio prazo para o setor, agora é aquilo com que contamos para o Brasil não parar”, declarou Edvaldo Nogueira, prefeito de Aracaju, em Sergipe, e presidente da FNP.

Nesse novo cenário, com o preço dos combustíveis suscetíveis à geopolítica mundial, gestores de todo o país admitem o “colapso” do sistema de transporte público coletivo. Mesmo com a possibilidade de reajuste para compensar a recente alta do diesel, a FNP considera que o preço atual das passagens já era defasado em relação ao sistema de preços imposto pela Petrobras. E pior. A entidade trabalha com a hipótese de novos aumentos no curto prazo.

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