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A conspiração do Mentos

Em todos os sinais de trânsito, em todas as esquinas, no ponto principal de todas as metrópoles existe – e quem é que não viu? – aquela caixinha… De modo que, se esta civilização desaparecer e seus dispersos e bárbaros sobreviventes tiverem de recomeçar tudo desde o princípio – até que um dia também tenham seus próprios arqueólogos – estes hão de encontrar, nos mais diversos pontos do Brasil inteiro, aquela mesma caixinha. E pensarão eles que Mentos era o nome do nosso deus.

Essa atualização de Mário Quintana explica tudo: há uma conspiração por trás das vendas de Mentos nos sinais de trânsito. De repente, eles começaram a surgir, como pop up, nos para-brisas dos carros, sempre com o mesmo bilhetinho colado e custando dois reais. Ou sem o bilhetinho no papel, mas repetido pela boca, geralmente sem máscara, do jovem vendedor com chinelos e camisa de time de futebol (do Flamengo pra causar empatia, do Vasco pra gerar pena).

A quem interessa a venda do Mentos? À empresa produtora, claro! – responderia o inocente. Atenção ao desenvolvimento histórico: antes do Mentos, havia a jujuba, que tem vários fabricantes. Houve o momento da onda dela, como o da paçoca, mas nunca, jamais, o da pasta de dente! Por quê?

Por trás da venda do Mentos está a indústria farmacêutica, interessada direta em cáries, diabetes e, pra quem toma junto Coca-cola, queimações e furos no estômago. Mentos é mais eficiente do que jujuba ou paçoca: em tempos de crise mundial, ocasionada pela guerra na Ucrânia, é fundamental tomar medidas drásticas. Seus dois reais vão, sim, pro vendedor contratado, vítima de um sistema econômico em bancarrota; mais do que isso passa pelas farmácias e pelos médicos em direção aos grandes laboratórios.

Viu como é fácil inventar uma conspiração? Outra possibilidade é a de explicar o aumento do números de vendedores no sinal pelo caos econômico incrementado pelo Paulo Guedes, mas não tem tanta graça.

É igual colocar nas costas do bolsonarismo a culpa pelo atentado que sofreu Cristina Kirchner esta semana. O rapaz da arma que falhou tinha tatuagens nazistas e postagens também. Vários sites e fios de tuítes explicam isso, aqui tem um bom.

Poucos ligaram o nome pelo qual Fernando André Sabag Montiel era conhecido nas redes sociais (Fernando Salim) à seita nazi-islâmica de que faz parte. E ninguém procurou saber quem era o coach quântico de seu neonazismo esotérico, incapaz de ensiná-lo a co-criar uma raça ariana, e por isso o rapaz precisou pegar em armas. Quanta diversão perdida só pra poder dizer que o moço era bolsonarista.

A verdadeira conspiração ficou deixada de lado.

Atos de violência, branda ou bruta, psicológica ou física, nascem da ignorância. Ignora-se que existe um outro, quem é esse outro, o que o outro pensa, sente, vive e carrega desde seu nascimento ou antes, herdando simbologias familiares, sociais, raciais. Querer eliminar o outro, em campos de concentração, contágios omissos de Covid, tiros ou facadas na multidão, é sinal de estupidez.

Podem ser encontradas conspirações menores por trás de alguns desses atos, mas o guarda-chuva que cobre tudo é a ignorância. A água que ele não deixa cair é a da educação. Quando o guarda-chuva fura, a goteira vem com alento, mas o remendo e a toalha impedem que a água encharque a sociedade.

As alterações geradas por atentados ou tentativas, ou pela mudança de governo numa eleição, são muito pequenas perto do que pode evitar a ignorância. A educação precisa estar arraigada na sociedade, ou vencem as mentiras, as defesas insensatas de terroristas e genocidas, os argumentos superficiais.

Quando vence a ignorância, pauta-se o mundo por tiro, facada e bomba de desrespeito. Mentos nos olhos do outro é refresco. No estado educado de direito, vence a democracia. Sem ela, quem ganha é a indústria farmacêutica.

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