Conjuntura

Bolsonaro veta lei contra arquitetura hostil. Em Juiz de Fora, projeto emperra na Câmara

Emprego de elementos de arquitetura hostil é comum em Juiz de Fora (Foto: O Pharol)

O presidente Jair Bolsonaro (PL) vetou na íntegra a proposta conhecida como Lei Padre Júlio Lancellotti, que proíbe o uso de técnicas construtivas hostis em espaços livres de uso público nas cidades. A chamada arquitetura hostil emprega materiais, estruturas e equipamentos com o objetivo de afastar pessoas de praças, jardins, calçadas e viadutos. Os principais prejudicados por esse tipo de hostilidade são os cidadãos que vivem nas ruas.

Apresentado pelo senador Fabiano Contarato (PT), o projeto havia sido aprovado em novembro pela Câmara dos Deputados e pelo Senado Federal. O governo federal justificou o veto do presidente como forma de “preservar a liberdade de governança (local) da política urbana”. O Congresso pode derrubar o veto ainda neste ano.

A proposta homenageia padre Júlio Lancelotti, coordenador da Pastoral do Povo de Rua da Arquidiocese de São Paulo. Desde 1986, o religioso executa na capital paulista um ativo trabalho social. Ele ficou famoso na luta contra a arquitetura hostil ao usar uma marreta para remover pedras pontiagudas instaladas pela prefeitura sob um viaduto. Padre Júlio Lancelotti agora espera que o Congresso derrube o veto.

A arquitetura hostil, segundo o religioso, é uma manifestação de aporofobia (nome dado ao medo ou aversão às pessoas pobres) que torna o ambiente urbano excludente. Em São Paulo, onde ele atua, é comum o uso desse tipo de técnica. Na segunda-feira (12), ele participou de um protesto contra a arquitetura hostil quebrando blocos de concreto e pedras instalados ao redor de uma biblioteca na zona leste da capital.

No Brasil, segundo o Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), o número de pessoas em situação de rua teve um crescimento de 38% na pandemia de covid-19. Os dados de 2019 a 2022 mostram um aumento significativo dessa população em razão do aumento do desemprego e outros problemas econômicos, e se contrasta com a carência de políticas públicas voltadas para esse público.

Projeto contra arquitetura hostil está parado na Câmara de Juiz de Fora

Construções que afastam propositalmente pessoas em situação de rua estão presentes também em Juiz de Fora, como revelou O Pharol em 2021. Não é difícil encontrar estes elementos hostis em edificações públicas e privadas, e sua implantação, na maioria das vezes, coincide com a ocupação de pessoas em situação de rua.

São estratégias utilizadas com o objetivo de afastar os corpos que não são bem-vindos nestes espaços, sob a alegação de ampliar a segurança do local. Dispositivos que atuam na segregação e encolhimento do espaço público. Até mesmo igrejas e outros templos religiosos, construídos sob os princípios do acolhimento e proteção, hoje são cercados por altas grades, muros, cercas eletrificadas e objetos cortantes.

Para tentar conter a prática no município, a vereadora Cida Oliveira (PT) apresentou um projeto de lei complementar proibindo “o emprego de materiais, estruturas, equipamentos e técnicas de arquitetura hostil”. A proposta ainda prevê que a Prefeitura de Juiz de Fora remova instrumentos dessa natureza existente nos espaços públicos.

Na justificativa, a vereadora considerou que, além de cruel, a arquitetura hostil vai de encontro com os princípios da Constituição Federal, dos acordos de direitos humanos ratificados pelo Brasil, contra Constituição estadual, o Estatuto da Cidade e a Lei Orgânica do Município.

“É importante ressaltar que esse instrumento cruel de afastar as pessoas pobres e moradores de ruas vai de encontro com a ideia de cidade, da convivência e interação entre as pessoas de diversas características, condições sociais e segmentos”, explicou Cida Oliveira.

O projeto de lei complementar começou a tramitar na Câmara de Juiz de Fora maio deste ano. No dia 18 de agosto, ele concluiu o trâmite em todas as comissões. Mas apenas no dia 17 de novembro apareceu no sistema como liberado para ir para o Plenário. A matéria, no entanto, vai encerrar o ano sem ser pautada.

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