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Em Brasília, 8×1

Manifestantes invadem Congresso, STF e Palácio do Planalto.

Desde o domingo, dia 8 de janeiro, o Brasil, e não apenas, está estarrecido com o que ocorreu na capital federal. Diversos adjetivos poderiam caber na frase e nenhum seria suficiente. São imagens que fazem dos orcs de Sauron na saída de Mordor pra conquistar a Terra Média bonecos de pelúcia de uma criança suja.

Três paralelos existem: os orcs não conquistaram a Terra Média, o líder do mal viu tudo de longe e, sim, eram brinquedos de crianças sujas.

Na Terra Média não tinha cartão corporativo, por isso os orcs levavam suas próprias quentinhas.

Toda geração, ou talvez menos que isso, tem seu 7×1. Por anos se pergunta “onde você estava no 7×1?” Ou na destruição das Torres Gêmeas, ou na morte do Ayrton Senna, ou na queda do muro de Berlim… O tempo da comunicação global permite essa vinculação comum entre tempo e espaços.

O impacto dos avanços sobre o patrimônio e a invasão aos espaços públicos, a afronta às instituições e a omissão das forças policiais têm caráter por demais impactante pra ficarem de fora dessa lista, pra não dizer do destaque que merecem nela. Pros que não sentiram o baque no domingo, com as imagens ao vivo, ou nos dias seguintes, com a repercussão, está em tempo de refletir.

Com fez o presidente Lula e governadores, ministros e trabalhadores dos vários governos: pensaram no que houve e em providências a serem tomadas. E as mais imediatas foram tomadas: os Palácios ganharam uma faxina e tanto e os funcionários receberam o reconhecimento presidencial. Faltou instalar o pedágio contra febre aftosa, pra que os atos não se repitam.

O gado poderia dizer, sem entender o que diz: Mas que nada, sai da minha frente que eu quero passar.

O terceiro episódio do Projeto Querino, podcast da Rádio Novelo, trata dos negros na música brasileira. O suspense que Tiago Rogero, roteirista do podcast, cria pra revelar o nome de Jorge Benjor como dos mais relevantes leva o ouvinte a passar por diversos nomes da história da música brasileira e, depois de ouvir o episódio, é impossível escutar Jorge Ben do mesmo jeito.

Depois da Brasília 18%, quer dizer, de 8 de janeiro, é difícil pensar no Brasil do mesmo jeito. Mesmo os pouco mais de 58 milhões de eleitores do Bolsonaro, ou boa parte deles, devem ter sentido algum tipo de engulho, mesmo que uma gripezinha, diante do que se passou naquele domingo. Se não, vale a regra da cumplicidade.

Antes deste texto escrito, outros ameaçaram ganhar este espaço, entre a indignação do presente, olhares pro passado e propostas de futuro. Como a música Mas que nada, do Jorge Ben, que demorou quase duas décadas até ser gravada. A mistura de samba, jazz e maracatu fez a composição correr o mundo cantando em iorubá.

A mistura de falta de respeito às leis, da falta de ética e da falta de educação fez Brasília aparecer pela segunda vez pro mundo em pouco tempo. A primeira, no domingo anterior, com o povo brasileiro endossando a eleição democrática do presidente Lula.

Depois do 7×1, a CBF teve tempo e chance pra repensar seu futebol. Desde a base. Muito menino de então tá jogando pelo mundo hoje e nada parece ter mudado na estrutura futebolística do Brasil. Que isso não sirva de exemplo.

Sobre o 8 de janeiro, nomes precisam ser mencionados, instituições precisam ser investigadas e dos velhos pseudo-tadinhos às lideranças políticas ou econômicas, todo mundo precisa entrar na mira da lei. As crianças sujas devem ser tão punidas quanto os brinquedos.

De alto a baixo, nos três poderes, no exército, nas polícias, nos serviços públicos, onde houver gente envolvida com a infração da lei, ela precisa ser aplicada. Vai ser um jogo de empurra  da culpa, um tal de tirar o corpo fora (tem depoimentos circulando pelas redes, inclusive em Juiz de Fora), essas coisas de quem não tem coragem de assumir a responsabilidade. Seguir a lei precisa deixar de ser opcional no Brasil ou o país não poderá ser levado a sério (frase atribuída falsamente a Charles de Gaulle, mas proferida pelo embaixador brasileiro na França em 1962; fake news de seis décadas).

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