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Vai ter álbum!

João Gabriel, de 8 anos, desenhou seu próprio álbum da Copa (Foto: Reprodução/Arquivo Pessoal)

Terminava a década de 1980 quando João Carlos Marinho lançou O gênio do crime, primeiro livro da série da Turma do Gordo. O Gordo em questão, ou Bolachão, é o verdadeiro gênio da turma, que naquela primeira obra chega acompanhado dos amigos Edmundo e Pituca e conhece a perspicaz Berenice, que depois ganhou três livros com seu nome no título.

A Turma do Gordo é daqueles livros com personagens jovens, bem jovens, que se tornam investigadores, como os Karas, de Pedro Bandeira, apresentados no A Droga da Obediência, de 1984, e os Irmãos Encrenca, de Stella Carr, que por quase uma década, a partir de 1977, frequentaram as prateleiras e ainda hoje as estantes de bibliotecas jovens.

As crianças de João Carlos Marinho vieram dar continuidade a esse tipo de história que fez muitas crianças se aventurarem por quintais, quartos escuros e terrenos baldios da vizinhança à procura de um corpo ou ao menos um objeto insólito que pudesse desencadear uma boa narrativa.

O objeto insólito de O gênio do crime nem é tão insólito assim: um álbum de figurinhas de futebol. Edmundo quer completar o álbum, falta apenas a figurinha do seu ídolo no time de coração, o Corinthians. O amigo Pituca vai até o cambista no Largo de São Bento pra comprar o Rivelino pedido pelo amigo. Com o álbum completo, Edmundo corre até a gráfica pra ganhar o prêmio prometido: uma bola e um conjunto completo de camisas do time escolhido.

Na porta tem uma confusão. Muitas crianças com seus álbuns completos foram buscar os prêmios, mas a fábrica não tinha mais prêmios pra distribuir. Revoltados, os jovens criaram um alvoroço e só se dispersaram depois de jogarem pedras na gráfica, quebrando vidros das janelas. Edmundo prefere observar e depois conversa com o dono e tem uma aula de logística.

O custo do álbum permitiria uma quantidade limitada de prêmios, por isso a possiblidade de álbuns completos precisa de um teto. Frustrante pros colecionadores, claro, mas há uma lógica de mercado ali pra distribuição dos prêmios sem falir a editora. Nessa conversa, Edmundo fica sabendo que existe um impressor fantasma vendendo figurinhas falsificadas do álbum e resolve, junto com os amigos, seguir o cambista do Largo de São Bento e começa a investigar.

O livro segue na tensão divertida da investigação, com boas sacadas entremeadas pelo senso de humor e a ingenuidade das crianças. E este texto poderia ser sobre pirataria, falsificação e até fake news, usando o livro como gancho, mas é sobre o álbum da Copa do Mundo.

Qual é o prêmio pra quem completar o álbum da Copa? Porque, com sorte nos envelopes, lábia na permuta e um bom cuspe no bafinho, o cidadão tem que gastar bons 500 reais pra ter todos os jogadores colados no papel. Jogadores que nem devem ir pra Copa, porque convocação ainda não há, mas as caras, bonitas ou feias, estarão lá superfaturadamente coladas.

Ninguém contou pra Panini que o Brasil está numa crise econômica? Lançar um álbum com esse custo é uma dupla exploração. Pros abastados que não sabem o preço da gasolina, do pão e do leite, nada muda, mas pra quem faz conta no final do mês o resultado pode ser de sacrifícios ou, pro cidadão que passou os últimos anos comemorando o primeiro álbum de figurinhas, fica a frustração por voltar a ficar de fora das negociatas na frente das bancas.

A solução talvez seja desenhar o próprio álbum, como fez o menino João Gabriel, de Goiânia. A notícia repercutiu e ele ganhou álbum original e figurinhas. Se todo mundo desenhar o próprio álbum, a fada madrinha das redes sociais vai presentear todo mundo com um original e pacotes de figurinhas suficientes? O caso isolado, o fait divers, como conta o jornalismo, é lindo, mas não pode ser a regra.

No país do futebol, ficar sem álbum é crime e desde o golpe de 2016 não temos gênios no governo. Lápis, caneta, papel e tesoura talvez sejam uma solução pontual pra resolver o problema. A urna é outra.

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