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Onde fica a voz de Deus?

Lula é campeão de segundo turno, venceu dois dos três que disputou. Como as pesquisas do primeiro turno mostraram, porém, os números podem mentir. Um ditado diz que eles não mentem, mas os mentirosos fabricam os números. Quem seriam esses mentirosos? Os omissos? Os covardes? Os paus-mandados? Os carneirinhos? De todo modo, o gado, pois foi ali que a diferença entre as pesquisas e o pleito se mostrou.

Essa diferença de números gera apreensão, por isso devemos voltar ao lema de campanha que o próprio atual presidente já confundiu algumas vezes: Brasil acima de tudo, Deus acima de todos. Esse Deus é com maiúsculas, é nome próprio, o Highlander das divindades, porque no mundo preconceituoso do bolsonarismo só pode haver um.

É esse Deus que é clamado pelo sujeito da barraquinha que fica no Calçadão da Rua Halfeld, centro da efervescência política de Juiz de Fora. Quando ele grita a primeira parte do lema, um coro de três ou quatro, somado a algum passante pavloviano, repete a segunda. São várias as palavras de desordem gritadas pelo indivíduo e seu grupo desde a manhã de segunda-feira.

Conforme a legislação eleitoral, esclarecida no site do TSE, a propaganda eleitoral do segundo turno poderia ocorrer a partir das 17h de segunda-feira, dia 3, 24 horas depois de encerrada a votação do primeiro turno. Entretanto, a banquinha do Bolsonaro e o gritador com o seu efetivo já estavam lá de manhã. Uma das cobranças, feitas até quarta, foi pela banquinha do PT. Só foi estabelecida na quinta, um pouco adiante no Calçadão, do outro lado.

No entanto, o bate-boca era constante desde a manhã de segunda-feira. Aos gritos, sobretudo  dos chamados de “Bolsonaro!” respondidos com “Mito!” pelo coro ensaiado, vinham os “Lula!” de passantes aleatórios ou cantos de “Olê, olê, olê, olá! Lulá! Lulá!” por grupos, geralmente de jovens, alguns com uniformes colegiais. (Que sejam portadores de título!)

Mais acirrado do que o conflito entre a banquinha 22 e os passantes estava o enfrentamento com os vendedores de artesanato que se estabelecem diariamente no meio do Calçadão. Com suas peças dispostas nos tecidos, trabalham ao lado do que expõem e transitam por ali como todo trabalhador em horário de jornada. Diante de alguém que critica trabalhadores, eles responderam.

A primeira resposta foi um carrinho de supermercado com uma bandeira e uma faixa do Lula. Na quinta-feira já eram mais bandeiras e faixas, a cada dia o totem ganhava peso, até a chegada do próprio Lula, em tamanho natural e preso ao poste. Tudo diretamente em frente à barraca bolsonarista.

Chegou a ser surpreendente o grito “Eu vim de graça! Eu vim de graça!” repetido por um dos lados. Pasmem! Pelo lado do Bolsonaro. Do outro lado havia trabalhadores que ali estavam todos os dias desde que Henrique Halfeld pavimentou aquela rua e batizou com o próprio nome. Mentira, Henrique Halfeld não fez isso, mas a galera do artesanato já estava ali quando ele chegou.

O grito da gratuidade tem, inclusive, dois lados interessantes. No presente, pode-se fazer relação com histórias de candidatos que não pagaram seus cabos eleitorais. Tem muito político eleito dando cano, as redes sociais não perdoam. Adivinha quem eles apoiam no segundo turno?

Por outro lado, mais local, podemos remeter à campanha pra prefeitura de Juiz de Fora em 2008, quando aos cabos eleitorais contratados pela chapa de Custódio Mattos se contrapunham às militâncias que acreditavam na capacidade de gestão da recém-egressa reitora da UFJF, Margarida Salomão. Tinha até um adesivo escrito “Sou Margarida de graça.” Ela perdeu, e perdeu mais duas. Foi eleita na quarta candidatura, como o Lula.

Enquanto fazíamos o recordatório, o embate verbal continuava. De um lado “Lula, ladrão, seu lugar é na prisão!” vinha acompanhado de outras inverdades, mais gritadas que cantadas. Pareciam frases feitas pra serem compartilhadas pelo WhatsApp, sem qualquer embasamento. Do outro lado, ainda sem banquinha oficial do Lula ou do PT, sem uma militância organizada, sem mais que passantes ampliando o coro, a voz do povo ecoava mais longe: “Lula, ladrão, roubou meu coração!”.

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