Colunas

“É preciso mudar a forma como a sociedade enxerga as mulheres”

Ana Pimentel: "As mulheres estão ocupando espaço que sempre nos disseram que não era nosso” (Foto: Divulgação)

Como parte das discussões envolvendo o Dia Internacional da Mulher (8 de março), O Pharol entrevistou a deputada federal Ana Pimentel (PT) sobre a questão da violência política de gênero no país. Ela considera que houve avanços nos últimos anos para dar segurança à mulher nos espaços de poder, mas o desafio de superar o machismo da sociedade persiste.  A violência acontece, segundo a deputada, porque as mulheres estão ocupando espaço “que sempre nos disseram que não era nosso”.

O crime de violência política de gênero foi criado em agosto de 2021 na Lei 14.192 em uma vitória da bancada feminina no Congresso. Como foi participar da primeira eleição com a violência política de gênero tipificada como crime? Houve mudança ou ainda é cedo para falar?

A lei é fundamental para nos dar segurança ao entrar na disputa pelos espaços de poder. Dizer que violência política de gênero é crime certamente nos ajuda a combater a prática e é importante também darmos visibilidade a ela, como um modo de inibir a ocorrência do crime. Contudo, essa violência nem sempre acontece de forma explícita, ela também ocorre em pequenos atos, pequenas decisões dentro da vida política e isso afasta as mulheres desses caminhos. Só vamos acabar mesmo com a violência política de gênero quando superarmos o machismo da sociedade. E, nesse processo, é fundamental a construção de leis que nos resguardem, como as cotas para o legislativo e a criminalização da violência política de gênero.

Em que medida as chamadas candidaturas fictícias de mulheres, que podem ser involuntárias (quando a mulher sequer sabe que faz parte de uma lista do partido) ou voluntárias (estimulada de várias maneiras, inclusive para recebimento de verba pública ou para fins de recebimento de licença remunerada), são uma manifestação de violência política de gênero?

As candidaturas fictícias encurtam e dificultam o caminho das mulheres na política. Primeiro porque descredibilizam as candidaturas reais, aquelas que desejam concorrer, e segundo porque usam mulheres para ajudar candidaturas de homens. Essa atitude é violenta com as mulheres, além de ser péssima para o exercício da democracia.

No ano passado, O Pharol fez um levantamento que mostra a baixa participação de mulheres nos órgãos diretivos partidários. Isso implica em candidaturas femininas esvaziadas financeiramente e ausência de candidatas nas discussões internas dos partidos. Como enfrentar essa questão?

A falta de mulheres dirigindo partidos é um atraso, não só para aquelas que desejam ter vida ativa dentro desse partido, mas para a sociedade. A gente precisa enfrentar essa questão dentro dos nossos partidos. Lutar para que mulheres estejam nos espaços de direção e apoiarmos umas às outras ali dentro. No PT nós temos cotas nesses espaços. Os diretórios precisam ter um número mínimo de mulheres e com diretrizes de combate ao machismo. Nós, inclusive, temos a Gleisi (Hoffmann) como dirigente nacional e isso tem sido fundamental para fortalecer candidaturas de mulheres no Partido das Trabalhadoras.

No Brasil, pesquisa do Instituto Alziras realizada com 45% das 649 prefeitas eleitas em 2016 mostrou que 53% já sofreram assédio ou violência política pelo simples fato de ser mulher. No México, monitoramento do coletivo feminista Luchadoras durante campanhas recentes apontou que 62 candidatas sofreram agressões e ameaças por meio do uso de tecnologias e redes sociais. Como a bancada feminina no Congresso hoje trata a violência política de gênero nas redes sociais?

As redes sociais são espaços de entretenimento, informação e diálogo. Infelizmente são usadas por pessoas que se escondem atrás de perfis falsos para atacar outras pessoas. Normalmente os mais atacados são os LGBTs, as pessoas pretas, mulheres, indígenas, pessoas com deficiência e qualquer um que saia da norma vigente. Os homens também são atacados nas redes sociais, não há dúvidas, porém, os ataques são diferentes. Sobre as mulheres as ofensas, grande parte das vezes, são sobre sua vida privada ou focam na aparência física, além de nossa capacidade de exercer funções administrativas estar em constante questionamento pelo simples fato de sermos mulheres. Nós temos que tratar isso com a seriedade que merece. Nós temos denunciado esses tratamentos nas redes e a bancada feminina estará unida para barrar esse tipo de situação.

O aumento da participação e representação política de mulheres nos últimos anos é acompanhado por um aumento sistemático de violência contra elas. Por que isso acontece e como lidar com esse problema?

Isso acontece porque estamos ocupando um lugar que sempre nos disseram que não era nosso, como o espaço da política. Se mais mulheres estão na Câmara Federal, o número de homens diminui. Estarmos ali implica muitas mudanças, como fazer denúncias de machismo, racismo, LGBTfobia e tantas outras discriminações. A atuação das mulheres muda o debate na política e mostra para a população que os espaços de poder precisam ter pessoas diferentes para que realmente algo seja transformado. As mulheres têm procurado referências femininas para definir seus votos, pois começam a compreender que só assim estarão representadas. Isso causa um incômodo que vem acompanhado de violência, no intuito de tentar nos tirar desses espaços e nos inibir. Esse tipo de violência afasta as mulheres dos espaços de poder e é fundamental definirmos políticas para superarmos esse tipo de situação.

As leis que preveem cotas para a participação feminina nas eleições contribuíram para dar visibilidade à baixa representatividade das mulheres na política, porém, mostraram-se insuficientes como mecanismo para corrigir essa distorção democrática. O que ainda há de ser feito para que as mulheres ocupem efetivamente espaços de poder?

Além da cota e da criminalização da violência política de gênero, que apesar de insuficientes são importantes instrumentos, precisamos pensar políticas públicas para mulheres que deem conta de superar a sobrecarga de trabalho na vida dessas mulheres. As jornadas duplas ou triplas que abarcam o peso do cuidado e o trabalho pela sobrevivência muitas vezes nos impossibilitam de estar nos espaços de construção política. Além disso, precisamos de formação, para elegermos mulheres com uma agenda de combate ao machismo, de transformação do mundo, da política e da vida das mulheres. O mais importante é mudar a forma como a sociedade enxerga as mulheres. Um mundo sem machismo é fundamental para formação de mulheres para a vida pública e para a política.

Sair da versão mobile