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Aconteceu, virou Manchete

Foi passando os olhos em manchetes de jornais, hoje chamados de tuítes, que veio a lembrança da revista e de todo o conglomerado de comunicação de Adolpho Bloch. Mais do que das publicações que tiveram Clarice Lispector como colunista ou do M amarelo em contraste com o vermelho do fundo, e mais ainda do que do M com bolinhas ou da música de Contatos Imediatos do Terceiro Grau na vinheta pros intervalos dos filmes, a memória vai até a Rede Manchete que formou parte de uma geração de crianças que passavam a tarde na frente da televisão: os seriados japoneses.

Jaspion, (Esquadrão Relâmpago!) Changeman, Jiraya, Giban e até o caolho LionMan, todos herdeiros do célebre National Kid, desfilaram por anos nas telas coloridas dos lares brasileiros. O formato era simples e repetido à exaustão até hoje em diversos tipos de seriado.

Pausa para constatação: repetido à exaustão mas os espectadores não queriam outra coisa.

De volta: o formato simples consistia no início pacato do herói no canto dele, aparecia o perigo, o herói enfrentava o perigo e vencia ou perdia, mas tinha uma ressurreição do perigo ou uma segunda chance de vitória, geralmente com ajuda de algum robô gigante ou aparato que aumentasse os poderes.

Tudo tinha como principal objetivo chegar ao grande líder, ao inimigo maior, ao chefão. Sim, o chefão. Naquele tempo, todo mundo queria ver o herói enfrentar e vencer o chefão. O Jaspion, com o Daileon, deveria enfrentar o Satan Gôss (pardon my french) um dia e esse dia estaria mais parto a cada aventura.

Nos desenhos animados da mesma época e de um pouco depois (pelo menos no Brasil), o objetivo não era diferente. Na Caverna do Dragão (Globo), todo mundo queria um combate entre o Tiamat e o Vingador, ou entre o Mestre dos Magos e, de novo, o Vingador (antes das teorias conspiratórias sobre o episódio final e o verdadeiro inimigo das crianças). Foram mais de cem episódios de Cavaleiros do Zodíaco buscando salvar Atena ou superar os desafios das casas (que Saga!), sempre enfrentando o chefão de casa signo.

O mesmo começava a acontecer nos videogames. As narrativas faziam com que Mário e Luigi entrassem pelo cano e Sonic corresse e rolasse catando dinheiro para ganhar poderes e chegar até um grande inimigo final, o chefão. Que também marcava presença no Prince of Persia e no Wolfenstein 3D, no Doom e no Quake.

O filme O último guerreiro das estrelas conta a história de um jovem que consegue chegar até o chefão do fliperama e sempre perde. Até que se desentende com a namorada, vai sozinho até o posto de gasolina onde tem o jogo e fica lá, jogando no automático e se lamentando, até chegar novamente ao chefão. Sem testemunhas, ele vence. Sem ter tempo de correr para contar aos amigos, vê o céu se iluminar e uma nave espacial o convoca para participar de um exército espacial. O chefão do jogo era de verdade e ele poderia enfrentá-lo com uma nave espacial.

Hoje, a Rede Manchete acabou e, com ela, os seriados japoneses e seus chefões na TV aberta. Há em outros canais, mas aquela geração, que tanto se divertiu, cresceu e enfrenta outros chefões. Os jovens de hoje participam de outros jogos e sem chefão. Agora eles enfrentam o boss. A geração do chefão só foi encontrar o boss na vida adulta, mas agora isso começa na juventude.

Para enfrentar o boss, a molecada precisa vencer o level e upar no final. Depois de fazer isso tantas vezes e tantas outras coisas em inglês, elas encontram o boss. Tá, os gráficos são melhores, as histórias cheias de spin offs e easter eggs, mas… boss é bem paia. Que o futuro permita a essa geração a inversão do que aconteceu com a anterior e que no trabalho eles possam chegar com espada e poderes para enfrentar o chefão de capa e chifres.

Haduken!

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