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Rui Barbosa e(m) Juiz de Fora

Rui Barbosa, em 3 de abril de 1919, selou sua ligação com a cidade de Juiz de Fora, ao abrir e deixar escrito no livro de presenças da Associação Comercial as seguintes palavras:

“Sinto a impressão de uma honra indizível com a fortuna, que me cabe, de abrir este livro. Em Juiz de Fora, a Barcelona mineira, a cidade mineira da indústria, do operário e das reações liberais, a Associação Comercial é o coração das forças produtoras em cujo futuro se contém o provir deste Estado. E, quando se diz, aqui “forças produtoras”, a produção de que se trata, não é só dos resultados, que nascem do comércio e do trabalho na gestação do capital e da riqueza, é também, dos que emanam dos elementos morais, gerando a independência, a honra e o civismo”.

Por que Rui Barbosa fez uma declaração tão elogiosa a Juiz de Fora? Qual era o sentimento do grande tribuno brasileiro sobre a cidade?

Para responder a essas questões, é preciso que se trace um curto perfil dele, além de estabelecer quais eram suas reais pretensões e seu pensamento político, para em seguida demonstrar por quais razões Juiz de Fora acolheu tão bem umas e outro nas primeiras décadas do século XX.

Rui Barbosa nasceu em Salvador em 1849 e, desde criança, notabilizou-se pela dedicação aos estudos e por uma inteligência primorosa. Em 1864, ainda com 14 anos, recebeu o vaticínio do famoso repentista baiano, Franciso Moniz Barreto: “Um gigante da Bahia / Na tribuna há de ser”.

Iniciou o curso de Direito na Faculdade de Recife, em 1866, tendo se formado na Faculdade do Largo de São Francisco, em São Paulo, em 1869, passando a advogar e a atuar como jornalista.

Datam desta época suas contribuições iniciais ao movimento abolicionista, participando da formação do periódico Radical Paulistano, com Luís Gama, Bernardino Pamplona, Benedito Otôni e Américo de Campos.

É de José do Patrocínio, em 1885, a expressiva frase sobre sua atuação na campanha abolicionista: “Deus acendeu um vulcão na cabeça de Rui Barbosa”.

Politicamente, Rui Barbosa foi deputado à Assembleia Provincial da Bahia (1871) e deputado à Assembleia Geral da Corte (1878) e, embora gozasse da admiração intelectual de Dom Pedro II, não participou do Conselho de Ministros do Império, tendo recusado participar do gabinete do Visconde de Ouro Preto, em 1889.

Não era um republicano histórico, como Silva Jardim, mas participou da reunião preparatória para a Proclamação da República em 15 de novembro de 1889, tendo integrado o Governo Provisório, nele permanecendo por quatorze meses nos cargos de Ministro da Fazenda e Primeiro Vice-Chefe.

Neste breve período, Rui Barbosa conseguiu fomentar a economia brasileira, com medidas tais como o fim da necessidade para a abertura de novas sociedades anônimas de autorização pelo Poder Central e a criação de uma restrição proporcional ao capital empregado para a responsabilização jurídica de acionistas, via Decreto n. 11, de 1891, chamado pelo historiador Jorge Caldeira de a “Lei Áurea dos Empresários”.

Ademais, em 1890, em sua casa na Praia Vermelha, elaborou-se o projeto de Constituição, afinal promulgada também em 1891.

Rui Barbosa foi influenciado por constitucionalistas norte-americanos, notadamente por Thomas Cooley, daí advindo sua crença na Constituição como instrumento de limitação do poder, ou seja, do arbítrio estatal, e influenciando sua proposta de caber ao Supremo Tribunal Federal a função de preservar o Estado de Direito.

Neste ponto, ele conflitava com Campos Salles, por exemplo, que considerava ser a função do Poder Judiciário manter o equilíbrio federativo, na prática se preservando a autonomia das oligarquias estaduais contra investidas unionistas.

Em 1892, Rui Barbosa estava rompido com o Governo, inclusive se colocando como defensor jurídico dos chamados “desterrados do Cucuí”, condenados políticos do presidente Marechal Floriano, impetrando habeas corpus para eles no Supremo Tribunal Federal.

Foram anos de chumbo os da presidência de Floriano Peixoto, culminando em 1895 com o exílio de Rui Barbosa que, mesmo não tenha durado muito, retratam bem as diferenças dele em relação aos próceres da Primeira República, uma época de governos fortes, quando não arbitrários e ditatoriais.

Assim, entre 1892 e 1909, Rui Barbosa teve uma participação política em jornais, apontando abusos do sistema político vigente, em especial a falta de participação popular nas eleições, além de ter defendido judicialmente perseguidos políticos.

Em 1910, ele foi apontado como o candidato contrário ao Marechal Hermes da Fonseca e, enquanto esse foi apoiado pelos estados de Minas Gerais, Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro e Pernambuco, teve ele o apoio de São Paulo e da Bahia. Ao final, perdeu a eleição, com 35% de votos contra os 57% do vencedor.

A relação com Juiz de Fora começa durante essa campanha, chamada de “Campanha Civilista”, quando proferiu memorável Conferência no antigo Teatro Juiz de Fora, enunciando que “o movimento político de maio” – aquele que lançara sua candidatura – originava de uma tentativa de combater a “desordem geral no mundo político”.

Ruy Barbosa profere discurso na tribuna do teatro Polytheama em Juiz de Fora

O jornal Pharol, à época, deu ampla repercussão à campanha de 1910, como na edição de 04 de dezembro de 1909, em que se discutiu a filiação à Maçonaria de ambos os candidatos, criticando-se Hermes da Fonseca por não ligar muito importância a seu diploma de maçom até que viu “a possibilidade de sua eleição” e “começou a afagá-lo”, e na edição de 22 de fevereiro de 1910, quando se deu ampla repercussão às passagens de Rui Barbosa por Juiz de Fora, Barbacena, Ouro Preto, Belo Horizonte e outras cidades mineiras.

Acusando fraude na eleição, inclusive no distrito da cidade e no de Paulo Lima, como aponta Paulo Medina em seu artigo “Rui Barbosa e Juiz de Fora”, na 19ª edição da Revista do Instituto de Estudos Históricos e Geográficos de Juiz de Fora, Rui Barbosa, durante a Campanha Civilista, ao menos teve a oportunidade de defender o voto secreto.

Em 1919, Rui Barbosa foi de novo candidato e, desta vez, como se verá, ganhou a a eleição em Juiz de Fora, mesmo tendo conquistado apenas 28% de votos contra os 71% do candidato oficial Epitácio Pessoa, outro com quem tinha profundas divergências jurídicas e políticas, que fora apoiado por todas as oligarquias estaduais.

Em 02 de abril de 1919, no Cine-Teatro Politeama, Rui Barbosa proferiu a Conferência Minas Vitoriosa, quando gravou palavras importantes sobre a cidade:

Direis, enfim, que aqui, neste centro de trabalho, nas indústrias de Juiz de Fora, essa torrente de energia em vibração intensa encontrou o seu órgão, o boqueirão, por onde ventaneia, por onde atroa, por onde se sente que Minas respira, que Minas vive, que Minas desperta, que Minas se levanta. Minas, a que, onde esteja, leva consigo o peã irresistível, o hino da vitória”.

O “Pharol” deu ampla cobertura uma vez mais, como se pode ver em sua edição de 09 de abril de 1919, referindo-se à sua estada na cidade.

Juiz de Fora foi um dos municípios que deu a vitória a Rui Barbosa e se pode cogitar que ele representava, pessoalmente, as aspirações da cidade.

Deve-se lembrar de que Rui Barbosa, segundo João Mangabeira, era um belo exemplar do espírito vitoriano, alguém que vivera “sob o influxo do individualismo econômico, como ideologia do capitalismo na plenitude da força expansiva e criadora”.

Por outro lado, conforme San Tiago Dantas, “Rui Barbosa foi entre nós, refletida ou espontaneamente, o ideólogo de uma reforma da sociedade”, difusamente espargida no Brasil entre os últimos decênios da monarquia e o advento do regime republicano, uma reforma que pode ser chamada de “a ascensão da classe média”.

Ora, na “História de Juiz de Fora”, de Paulino de Oliveira, colhe-se que nas duas primeiras décadas do século XX, sobretudo na primeira (1901-1910), Juiz de Fora viveu seu apogeu, sua belle époque, consagrando-se como a Atenas Mineira.

Havia vários jornais e colégios em funcionamento e florescia um movimento associativo intenso, com a fundação da Academia Mineira de Letras, por exemplo, em 1909.

Estavam em funcionamento na cidade a Sociedade de Medicina e Cirurgia, uma série de sociedades e irmandades católicas, a Sociedade Beneficente Juiz de Fora, a Sociedade Italiana de Beneficência Humberto I, a Sociedade Beneficente Brasileira Alemã, a Sociedade Auxiliadora Portuguesa, a já mencionada Associação Comercial e a Maçonaria possuía oito unidades locais.

Nas décadas anteriores, o Banco do Crédito Real e a Sociedade Mineira de Eletricidade tinham sido constituídos.

Tudo isso colocava Juiz de Fora como uma cidade economicamente diversificada para os padrões da época e que apresentava a maior arrecadação de tributos do Estados.

Os rudimentos de liberalismo, a ascensão de uma classe média, o comércio pujante estavam conforme, assim, com a pauta política de Rui Barbosa, sendo natural que a elite local, que era afinal quem votava naquela época, visse nele um bom representante de seus ideais e aspirações.

E, por outro lado, Rui Barbosa também via em Juiz de Fora um exemplo a ser seguido, como deixou consignando em sua obra, comparando a exitosa gestão pública da cidade com o que via no seu Estado natal, a Bahia.

Dizia Rui:

“Estive, senhoras, há alguns dias, em Juiz de Fora. Preside ali os negócios municipais um médico independente, o Dr. José Procópio. É uma cidade de apenas quarenta mil habitantes. Mas, em seis anos de gerência, esse desinteressado administrador elevou de três a dez milhões de litros o abastecimento da cidade, assentou dezoito quilômetros de esgotos, calçou quarenta mil metros quadrados de ruas, e deu todo desenvolvimento cabível à construção de casas operárias, alugadas ali a trinta mil reis cada uma.

A Bahia, em vez de quarenta, conta como mais de trezentas mil almas. E, de esgotos, nem sombra. E, de água, nem às vezes, o necessário para lavar o rosto. E, de ruas, só as avenidas pomposas, umas abandonadas, outras órfãs de luz, condenadas às trevas, nas noites em que não há visitantes ilustres, de cujo depoimento haja receito. E, de vivendas operárias, nada, nada, e nada”.

Além do enaltecimento de um dos Prefeitos marcantes de Juiz de Fora, o que Rui Barbosa escreveu sobre e para a cidade demonstra que a recíproca respeitosa, de admiração e afetuosa entre ele e ela sempre fora verdadeira.