Conjuntura

O Pharol entrevista o professor Flávio Takakura, que concorre à reitoria da UFJF

Flávio Iassuo Takakura (candidato a reitor) e Eliana Lúcia Ferreira (candidata a vice-reitor) participam da consulta pública da UFJF (Foto: Divulgação)

Em fevereiro de 2016, quando o atual reitor, Marcus David, assumiu o comando da UFJF (Universidade Federal de Juiz de Fora), Dilma Rousseff (PT) ainda era presidente do Brasil. De lá para cá, o país teve outros três presidentes (Michel Temer, Jair Bolsonaro e Lula), polarizou-se politicamente e enfrentou uma pandemia.  É nesse contexto que a consulta pública para escolha de reitor volta a ter disputa (em 2020 Marcus David foi reconduzido com candidatura única).

O Pharol convidou os representantes das três chapas – Girlene Alves da Silva (Chapa 1), Lyderson Facio Viccini (Chapa 2) e Flávio Iassuo Takakura (Chapa 3) – para responderam cinco questões sobre os desafios e o futuro da UFJF. Eles falaram dos modelos de financiamento da instituição, teletrabalho, ensino mediado por tecnologia, evasão escolar e assédio. As três entrevistas foram publicadas conjuntamente em todas as plataformas, tendo o número das chapas como critério de ordem de publicação.

Acompanhe abaixo a entrevista com Flávio Takakura.

O PharolEm virtude de seguidos cortes orçamentários, as universidades federais estiveram à beira de interromperem suas atividades em 2022. Embora os orçamentos tenham sido recompostos para 2023, a questão da manutenção das instituições federais de ensino permanece em pauta. Na sua avaliação, a geração de receitas por meio de parcerias com empresas privadas pode ser um caminho?

Flávio Takakura (Chapa 3) – As parcerias com o setor privado representam mais do que um caminho para recuperar os orçamentos de custeio das Instituições Federais de Ensino Superior (IFES). Trata-se de uma alternativa de fortalecimento das atividades-fim da universidade: ensino, pesquisa e extensão. Em geral, na instituição pública, sempre se considera polêmica essa alternativa, mas, com as devidas salvaguardas e sob uma análise mais profunda de complementação e não de substituição de recursos públicos, não somos totalmente contra. Consideramos que o principal a se pensar, aqui, é como este tipo de recurso pode ser incorporado à receita universitária sem afetar sua autonomia acadêmica nem servir de instrumento para livrar o Estado de seu dever de financiar a Educação Superior Pública. A Universidade Pública precisa de uma autonomia que não seja socavada pelos interesses da iniciativa privada e também não pode estimular qualquer ideia de adesão a uma privatização branca, alegando a constante falta de recursos públicos. Nesse sentido, nosso compromisso é com a defesa da Universidade Pública, Gratuita e de Qualidade. Agora, partindo dessa perspectiva, o caminho se torna viável a depender da forma que se institucionalize a entrada e uso de recursos privados na instituição. As PPP, por exemplo, se baseiam em demandas institucionais dentro de um formato contratual de serviços de interesse público; os fundos patrimoniais – embora não caracterizem exclusivamente uma relação com “empresas” privadas – podem captar recursos para, por exemplo, oferecer bolsas para estudantes do gênero feminino, como acontece no caso da UNICAMP. Ou seja, existem instrumentos que permitem que este tipo de relação exista, mas, para tal, depende-se de a instituição implementar formas consensuais, éticas e transparentes para o possível uso desse tipo de instrumentos. No nosso caso, estaremos abertos à discussão, desde que respeitadas as salvaguardas antes mencionadas.

A UFJF iniciou um processo para adoção de teletrabalho e trabalho híbrido. Como fazer essa transição sem perder produtividade?

Este também é outro tema polêmico. Estamos falando do futuro do trabalho, pois a sua adoção em larga escala será inevitável e não apenas nas universidades. Se preparar para o cenário das novas formas de trabalho é fundamental, e nossa proposta é ir adotando estas novas formas sem precarizar a vida do trabalhador. Por um lado, o teletrabalho, ou trabalho híbrido, representa um modelo que pode precarizar as condições de trabalho ao diluir as barreiras entre a vida pessoal e a profissional, reduzindo direitos ou proteção social, além de gerar desigualdades entre os trabalhadores. Estas são as bases da polêmica. Por outro lado, as formas de trabalho têm mudado e isto tem ficado evidente depois da pandemia. Em primeiro lugar, devemos considerar que as formas de trabalho mudaram e seguirão mudando perante o avanço da automação e da inteligência artificial – para citar alguns fatores – e, nesse sentido, devemos pensar se vale a pena resistir às mudanças sem fazer nada ou se não devemos resistir, avançando no que seja possível e seguro avançar. Queremos que a vida do trabalhador seja aliviada com a eficiência na gestão e mediante o uso de recursos tecnológicos, de modo que o trabalhador possa expandir sua vida pessoal com a oferta de atividades e serviços que a própria universidade passe a disponibilizar. De fato, as nossas propostas tem efeitos transversais porque são sistêmicas, e, neste quesito, nossa proposta é fazer com que o trabalhador desenvolva melhor suas atividades e tenha mais vida para viver e crescer pessoal e profissionalmente.

O futuro das universidades federais está em adotar um modelo de ensino mediado pela tecnologia?

Este modelo já está sendo implantado. Porém é necessário dizer que a adoção das tecnologias digitais no ensino não constitui uma panaceia para os problemas da formação acadêmica e profissional das IFES. Falar que o futuro da Universidade está no uso das tecnologias não é a forma correta de colocar as questões que afetam os processos formativos hoje, mas, sem dúvida, a tecnologia será uma ferramenta importante para estar à altura dos novos tempos: basta ver os efeitos da pandemia para constatar que devemos prestar atenção urgente aos efeitos da tecnologia na vida em sociedade e, particularmente, na educação. O mais importante nesse processo é o ser humano, digamos o estudante. Se trata principalmente de encontrar uma forma de potencializar toda a experiência docente nas novas formas de ensino e, ao mesmo tempo, potencializar toda a atenção do discente para com aquilo que a Universidade oferece. Portanto, novamente, isto depende da forma por meio da qual os modelos forem implementados; por um lado, os recursos tecnológicos promovem novas formas na relação ensinoaprendizado, mas, por outro, essas formas são vazias se não potencializamos o poder transformador da experiência docente. Nesse sentido, podemos dizer que o futuro depende exclusivamente das pessoas e devemos, também, reconhecer que as pessoas são afetadas por fatores materiais concretos, como são, neste caso, as tecnologias e metodologias educacionais, as redes sociais, as novas socialidades, o ChatGPT, os big data e outros recentes fenômenos técnicos, sociais e culturais. Se pensarmos que os avanços tecnológicos se orientam à captura da atenção e do desejo, certamente não temos como ver o futuro das formas de ensino e aprendizagem sem considerar o contexto tecnológico e seus efeitos (nocivos ou benéficos) sobre o ser humano.

A que se pode atribuir a crescente evasão nas universidades federais e como lidar com a questão?

Esta questão requer um diagnóstico urgente, pois é um fenômeno que não está muito claro, nem na sua expressão, nem nas suas causas. Apesar disso, algumas indicações podem ser feitas. Inicialmente, poderíamos nos referir às condições de manutenção e assistência que um estudante requer para iniciar, continuar e concluir estudos. Muitas vezes, um estudante precisa trabalhar para poder estudar; no caso das universidades particulares ainda intervém a questão das mensalidades. Outras vezes, o ingresso ao ensino superior funciona como uma espécie de laboratório vocacional, uma experiência que serve para definir o futuro de uma pessoa que tem que responder, ainda muito nova, a questões que afetarão a sua vida inteira. A inércia de repouso da pandemia que desmobilizou amplos setores da juventude em relação à educação em todos os níveis é uma variável poderosa. Além disso, as transformações no mundo do trabalho que tendem a precarizar todas as ocupações e profissões também devem ser levadas em conta quanto à sua influência no ânimo dos jovens em se qualificar profissionalmente a nível superior. Temos também as questões metodológicas: as dificuldades de aprendizagem em alguns cursos – tanto no contexto local como internacional –, a rigidez dos currículos ou a incompatibilidade dos horários com as demandas dos empregos e estágios. Porém, a tudo isso devemos somar que vivemos em um mundo em transformação, no qual certos valores associados à formação universitária têm sido socavados, gerando apatia e desencanto. Nesse sentido, podemos nos referir ao baixo engajamento em projetos de longo prazo. As utopias humanas, que sempre deram esperança e guiaram nossas vidas, foram socavadas pelo imediatismo da temporalidade moderna, pela agilidade dos processos, e, porque não dizer, dos curtoscircuitos do pensamento: tudo deve gerar satisfação em curtíssimo prazo. Perante esse cenário, não temos outra opção senão recuperar a capacidade reflexiva da Universidade, dotando-a de sentido e significado, de modo que ela não se limite a operacionalizar um modelo que mostra francos sinais de esgotamento; a tarefa, nesse sentido, deve ser revolucionar a Universidade Pública, para que, assim, esta possa estar à altura dos tempos, destes tempos; tempos castigados por uma crise psicossocial e ambiental que impede os alunos de se engajarem, com otimismo, em um futuro que acalme seu pisar na Terra.

Levantamento realizado pela rede CNN revelou que estudantes registraram mais de 200 denúncias de assédio sexual contra professores de instituições federais e apenas 6% dos acusados foram demitidos. Alguns desses casos foram registrados na UFJF. O que falta para isso não acontecer mais?

Não temos informações sobre os desdobramentos dos casos na UFJF. A escalada dos casos de assédio merece toda a atenção. As ações e políticas que regem o tratamento que a Universidade dá aos diferentes modos de assédio têm evoluído com os próprios avanços da luta por direitos e pela isonomia. O assédio mostrou a sua cara, e a Universidade se viu frente a um complexo cenário de denúncias e procedimentos. Sabemos do papel que esta luta tem e não mediremos esforços em determinar as medidas mais adequadas para tratar o assédio dentro da universidade. A nossa proposta tem duas dimensões: a operacional e a política. Essas duas dimensões levam, necessariamente, ao que apresentamos no nosso programa Vida de Trabalho Digna: vamos a) normatizar e centralizar os procedimentos, através do Portal do Assédio, de modo que a denúncia e o acolhimento possam ser realizados de forma integrada e sem obstáculos burocráticos, protegendo e acolhendo a vítima e garantindo ao acusado o acesso a um processo justo; b) garantir que as ações educativas sejam eficazes, com Cursos de Capacitação e Sensibilização voltados aos Servidores – Docentes, TAEs e Estudantes –, ouvida a Comunidade Acadêmica, de modo que os procedimentos sejam adequados e se possa impedir o assédio ou, caso tal ocorra, um julgamento célere, com punição proporcional ao dano seja realizado; c) garantir que as informações sobre o que é e o que não é uma conduta de assédio possam ser acessíveis a todos, com campanhas institucionais, em parceria com o SINTUFEJUF, a APES e o DCE; e d) garantir que a educação e sensibilização para o tema serão contínuos, iniciados desde a recepção de calouros ou da Posse de Servidores (Docentes e TAEs), bem como impor requisitos de capacitação e sensibilização nos contratos de prestação de serviços da Universidade para proteção de todos.

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