
A situação financeira da Prefeitura de Juiz de Fora exige uma leitura dura, honesta e sem narrativas: o município entrou em uma rota acelerada de deterioração fiscal, marcada por um crescimento explosivo das obrigações, pela incapacidade de custear serviços básicos com recursos próprios e por uma dependência cada vez maior de empréstimos para manter a máquina pública funcionando.
Os números não deixam margem para outras interpretações. Entre 2021 e 2024, a dívida consolidada praticamente dobrou, saltando de R$ 172,2 milhões para R$ 343,3 milhões, enquanto o saldo do passivo atuarial do regime próprio de previdência explodiu de R$ 600 milhões para R$ 1,4 bilhão. Os dados são do Tribunal de Contas de Minas. A evolução conjunta dessas obrigações — quase R$ 1 bilhão de crescimento em três anos — expõe um município cujo futuro financeiro está dramaticamente comprometido.
A narrativa oficial costuma se apoiar na confortável margem de endividamento permitida pela Lei de Responsabilidade Fiscal. Com uma receita da ordem de R$ 3,5 bilhões, Juiz de Fora poderia, em tese, contrair até R$ 4,2 bilhões em dívidas. Mas essa é uma ilusão contábil que mascara a real fragilidade fiscal da cidade.
Metade dessa receita é composta por recursos carimbados para o Fundo Municipal de Saúde, que inflacionam artificialmente a capacidade legal de endividamento sem ampliar, na mesma proporção, a margem para investimentos ou custeio. O resultado dessa equação chega a ser perverso: um limite de crédito elevado, mas uma escassez absoluta de recursos próprios livres.
Essa escassez já chegou ao limite. As receitas municipais não conseguem mais cobrir o básico. Tudo é absorvido por despesas obrigatórias: folha de pagamento, déficit previdenciário, serviço da dívida e subsídios ao transporte coletivo. Não há sobra nem mesmo para compromissos que deveriam ser prioritários, como o plano de saúde dos servidores.
Com o caixa corrente esgotado, a administração municipal recorre a novos empréstimos e financiamentos para arcar com despesas que deveriam ser pagas com recursos ordinários, como ações de zeladoria urbana. Quando uma cidade precisa tomar empréstimos para varrer ruas, podar árvores ou manter praças, o sinal de alerta já não é apenas fiscal, mas civilizatório.
Ao mesmo tempo, Juiz de Fora convive, neste ano, com um déficit orçamentário de R$ 500 milhões até agosto, valor que aprofunda ainda mais a crise de custeio e retroalimenta a necessidade de contrair novas dívidas. A projeção de R$ 1,2 bilhão em operações de crédito entre 2021 e 2025 revela o tamanho da dependência crescente por recursos financeiros que, inevitavelmente, se transformarão em mais despesas futuras, pressionando ainda mais uma estrutura orçamentária já estrangulada.
Estamos diante de um paradoxo fiscal corrosivo: o município ostenta uma ampla capacidade legal de se endividar, mas praticamente nenhuma capacidade real de honrar suas despesas essenciais sem comprometer serviços públicos ou empurrar a conta para as próximas administrações. O crescimento acelerado do passivo previdenciário, o colapso dos recursos livres, o déficit corrente e a transformação de dívidas em fonte de custeio cotidiano colocam Juiz de Fora perigosamente próximo de uma crise de solvência.
A sustentabilidade das finanças municipais está em risco. E ignorar essa realidade não é apenas uma irresponsabilidade administrativa; é uma ameaça direta ao futuro da cidade, ao servidor que espera sua aposentadoria, ao usuário do transporte público, ao paciente que depende do SUS e ao cidadão que paga seus impostos acreditando que eles serão utilizados com responsabilidade. Juiz de Fora precisa encarar seus números de frente, até porque eles já não permitem mais que a crise se resolva com um Natal instagramável.