Contexto

Brigando com os números por um ‘intervalo recomendado’

Rio Paraibuna próximo à sede da Prefeitura de Juiz de Fora - Julho de 2025

Primeiro foi o trágico resultado do Indicador Criança Alfabetizada divulgado pelo Ministério da Educação (MEC), que revelou falhas graves na alfabetização da rede pública municipal de Juiz de Fora. Aqui, apenas 49,5% das crianças são alfabetizadas na idade certa, ou seja, que saibam ler e escrever até o final do 2º ano do ensino fundamental.

Em seguida, veio a esperada e já conhecida performance irrisória do município no ranking nacional de saneamento do Instituto Trata Brasil, que se baseia em indicadores do Sistema Nacional de Informações em Saneamento Básico (Sinisa), do Ministério das Cidades. Juiz de Fora trata apenas 12,75% do esgoto em relação à água consumida, e isso já faz algum tempo.

Nos dois casos, a Prefeitura de Juiz de Fora optou pelo caminho que margeia o negacionismo. Em uma nota com 48 linhas e 555 palavras, a Secretaria Municipal de Educação informou, no primeiro dos cinco parágrafos, que reconhece a relevância dos dados do Ministério da Educação e ressaltou que, embora abaixo das médias estadual e nacional, o município ficou 0,04% acima da meta.

Nos quatro parágrafos seguintes, os representantes da educação pública municipal recorreram ao Programa de Avaliação da Alfabetização (Proalfa), que integra o Sistema Mineiro de Avaliação da Educação Pública (Simave), da Secretaria Estadual de Educação. Nessa avaliação, conforme consta na nota, “79% dos estudantes do 2º ano do Ensino Fundamental da Rede Municipal participaram da avaliação, atingindo uma média de 524 pontos de proficiência”, o que coloca “o município no intervalo recomendado”.

Embora Juiz de Fora esteja no “intervalo recomendado”, a Secretaria Municipal de Educação informou promover “oficinas de formação com direções, coordenações escolares e a equipe do Programa Pró-Aprender, voltadas à análise e interpretação” dos dados do MEC e da Secretaria de Estado da Educação, “com o intuito de fortalecer a leitura crítica dos indicadores e seu uso como ferramenta de planejamento pedagógico.”

Talvez por descuido ou para não se alongar ainda mais, a Secretaria Municipal de Educação não incluiu na nota a informação de que “a média de 524 pontos de proficiência” no Proalfa coloca Juiz de Fora na 829ª posição entre os 846 municípios mineiros que participaram da avaliação. Assim como no Indicador Criança Alfabetizada, as crianças juiz-foranas seguem abaixo da média estadual e muito atrás de todas aquelas que residem nas outras grandes cidades mineiras.

No caso do tratamento de esgoto em Juiz de Fora, não houve nota. O contorcionismo dos números veio por meio de uma coletiva (seletiva) de imprensa. Coube ao diretor-presidente da Cesama, Lincoln Santos, explicar o método que também coloca o município numa espécie de “intervalo recomendado” em matéria de tratamento de esgoto.

Para chegar aos 50% de esgoto tratado em relação à água consumida, conforme noticiou o jornal Tribuna de Minas, os engenheiros da Cesama alegam que nem toda água tratada é efetivamente consumida pela população. Em Juiz de Fora, o consumo de água tratara seria de 80%. O Trata Brasil não faz a diferenciação. De onde saiu esse percentual? “Esse número foi concebido a partir da experiência de sistemas funcionando de longa data, que entendem que é o real no Brasil”, explicou Lincoln.

Mais à frente, o diretor-presidente explica que há perdas de água tratada ao longo do processo de distribuição, que, no caso de Juiz de Fora, é da ordem de 35%. O problema é que as perdas de recursos hídricos pelas operadoras têm diversas causas, como vazamentos, erros de medição e consumos não autorizados. Saber o quanto vai para o esgoto ou não é complexo.

Em tempo, a Cesama não explicou que o percentual aceitável de perdas de água tratada de acordo com o Ministério do Desenvolvimento Regional deve ser de, no máximo, 25%. Ou seja, a companhia opera com 10% de perdas acima do recomendado.

Mas voltando à apresentação da Cesama, ficou de fora o fato de o Sinisa, do Ministério das Cidades, trabalhar com dois índices. No primeiro, que considera esgoto tratado em relação à água consumida, Juiz de Fora aparece com os 12,75% que causaram incômodo nos engenheiros da companhia. Já no outro, que calcula o esgoto tratado em relação ao esgoto coletado, a situação do município melhora um pouco, chega 15,94%. Mas esse sequer entrou na conversa com os jornalistas.

Por fim, como bem ressaltou Lincoln Santos, os percentuais de tratamento de esgoto divulgados pelo Trata Brasil têm como indicadores dados de 2023 (ano mais recente com informações oficiais disponíveis) pelo Sinisa. Dessa forma, como esclareceu o diretor-presidente da Cesama, o tal tratamento de 50% de esgoto deste ano vai aparecer nos registros apenas em 2027.

Em 2022, durante a Roda de Conversa sobre Sustentabilidade, ao debater o tema “Despoluição do Rio Paraibuna”, o então diretor-presidente da Cesama, Júlio César Teixeira, ao dar uma “verdadeira aula sobre saneamento”, disse que o município passaria a tratar 30,8% do esgoto naquele ano. Dois anos depois, o Trata Brasil divulgou o Ranking do Saneamento com dados do Sinisa de 2022. Juiz de Fora tratou apenas 10,33% do esgoto.