
Todos os sete representantes da Prefeitura e da Câmara de Juiz de Fora que integram o Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Cultural (Comppac) votaram favoravelmente ao projeto que prevê a construção de duas torres — uma com 12 e outra com 23 andares —, além de um edifício-garagem de três pavimentos, na área tombada do antigo Centro de Educação Física e Esporte do Colégio Metodista Granbery.
A votação ocorreu em 4 de agosto e vem sendo questionada por moradores e especialistas da área de preservação do patrimônio cultural. Na próxima quinta-feira, 28 de agosto, acontece uma Tribuna Livre, na Câmara Municipal, às 17h30, para tratar da questão. A proposta de discussão é da vereadora Cida Oliveira (PT). A expectativa dos moradores é convencer a prefeita Margarida Salomão (PT) a manter o tombamento, uma vez que o Comppac tem caráter consultivo, ficando a decisão final a cargo da chefe do Executivo.
Embora a prefeita possa manter os termos do tombamento, as sinalizações vindas da reunião realizada em 4 de agosto são desanimadoras. Na ocasião, todos os representantes do Executivo e do Legislativo votaram de forma unânime a favor do empreendimento, o que evidencia uma política de governo. Estiveram entre os votos favoráveis: Rogério José Lopes de Freitas (Funalfa), Eduardo José Crochet (Turismo), Ignacio José Godinho Delgado (Desenvolvimento Sustentável e Inclusivo, Inovação e Competitividade), Eduardo de Souza Floriano (Secretaria de Governo), Raphael Barbosa Rodrigues de Souza (EMCASA), Raphael Lopes Ribeiro (Desenvolvimento Urbano com Participação Popular) e Paulo César Barbosa de Toledo Lourenço (Câmara Municipal).
A votação em bloco de representantes ligados à Prefeitura se tornou recorrente desde as alterações promovidas pela Portaria nº 11.967, de 25 de novembro de 2021, que modificou a composição do Comppac. Na ocasião, o Conselho Municipal de Cultura e o Instituto Histórico e Geográfico de Juiz de Fora foram substituídos pela União de Bairros e Distritos e pela Associação Comercial e Empresarial. Além disso, o Clube de Engenharia deixou de ter assento, sendo substituído pela Empav, o que garantiu maioria ao poder público nas decisões do colegiado.
Questionada quanto à participação e votação em bloco dos membros do primeiro escalão do governo no Comppac, a Prefeitura preferiu não se pronunciar. O espaço segue democraticamente aberto para quaisquer manifestações.
“Destombamento disfarçado”
Para a arquiteta e urbanista Ananda Visentin, especialista em patrimônio histórico e cultural, as mudanças na composição do conselho impactaram negativamente a política de preservação na cidade. “O colegiado deixou de contar com profissionais qualificados e passou a incluir, em sua maioria, pessoas ligadas à construção civil. Isso faz com que as decisões sejam tomadas de forma contrária tanto aos anseios da comunidade quanto à preservação”, afirma.
Ananda destaca ainda que já há forte mobilização popular contra o projeto. “O caso do Granbery é um exemplo claro. Um abaixo-assinado reúne mais de 19 mil assinaturas contrárias ao empreendimento, que considero, assim como outros especialistas, um destombamento descarado, em total desrespeito à comunidade.”
Ela alerta que a aprovação pode abrir precedentes para outros casos semelhantes. “O risco é de perdas irreversíveis para a história da cidade e de enfraquecimento do próprio tombamento. Se o Comppac age de forma arbitrária, ignorando a visão dos profissionais e da população, o desinteresse pelo patrimônio tende a crescer.”
O que diz o decreto de tombamento
Segundo Ananda, o Decreto nº 16.754/2024 estabelece, em seus dois primeiros artigos, o tombamento do conjunto esportivo do Granbery, delimitado pelas ruas Sampaio, Barão de Santa Helena, Doutor Tarboux e Batista de Oliveira. “O texto é claro: a integridade do bem deve ser garantida. Alterações que descaracterizem a área tombada contrariam o decreto”, explica.
Ela ressalta que o decreto permite apenas mudanças relacionadas ao uso esportivo do espaço, como redimensionamento de quadras, melhorias de infraestrutura ou troca de equipamentos. No entanto, no projeto aprovado, a piscina seria substituída por uma praça e o campo de futebol daria lugar a um edifício-garagem com quadras na parte superior. “Essas intervenções configuram ofensa direta ao decreto de tombamento e representam risco irreparável ao patrimônio histórico e cultural do bairro e da cidade”, conclui.