Polytheama

O francês que se tornou o “homem da imprensa” em Minas no século XIX

Chales Dupin é quem estabelece as principais linhas editoriais do Pharol por 12 anos (Arte: Camila Matheus sobre fac símile da Biblioteca Nacional)

George Charles Dupin esteve à frente da redação de O Pharol por 12 anos, sendo também por dez anos seu proprietário. É ele quem estabelece as principais linhas editoriais da publicação, que vão capturar os corações e mentes das elites juiz-foranas no final do século XIX. Francês, introdutor da máquina a vapor na impressão de jornais, é um entusiasmado pelos avanços do progresso e da ciência do seu tempo.

Tudo que possa tornar Juiz de Fora uma cidade mais moderna é noticiado por Charles Dupin, explica o professor James William Goodwin Jr, autor do livro “Cidades de papel: imprensa, progresso e tradição: Diamantina e Juiz de Fora, MG (1884-1914)”. O jornal publicou, por exemplo, uma série de artigos a respeito de um novo sistema de iluminação, Globe Gaz. Houve uma exibição do sistema na cidade e, pouco tempo depois, a Câmara Municipal anunciou a adoção daquele sistema.

Outra empreitada levada a cabo por Charles Dupin e o seu O Pharol foi o processo de instalação de linhas telefônicas na cidade. Em 1883, o jornal noticia “a experiência feita na linha telephonica estabelecida entre a estação do Engenho Novo (côrte) e a desta cidade”. À informação segue o comentário do redator: “Juiz de Fóra, sempre ao lado de suas irmãs, compartilhará em pouco tempo de mais esse progresso. Parabéns, pois”.

A euforia, porém, não durou muito. Conforme relata James William, a instalação da rede telefônica demandou a colocação de postes que, em muitos casos, implicava a utilização de casas e terrenos particulares, fato que desagradou parte dos proprietários. Charles Dupin, então, publica uma veemente censura a essa resistência.

“Esta resistencia destôa do espírito de progresso de que têm dado sobejas provas os habitantes de Juiz de Fóra e vem, senão paralisar, pelo menos difficultar o melhoramento que se pretende plantar nesta cidade. [. .. ] O procedimento desses proprietarios, senão é um aferro ás idéas de rotina e de atrazo, não tem classificação possível. O que, porém, causa ainda maior admiração, é que essa resistencia têm partido de industriaes aqui estabelecidos, dos quaes não era de esperar tal procedimento”.

Considerado mesmo pelos seus contemporâneos, e mais tarde pelos historiadores, como um dos mais importantes “homens da imprensa” mineira no final do século XIX, Charles Dupin e sua trajetória são pouco conhecidos. “É um personagem bastante interessante, merecedor de uma pesquisa histórica mais profunda”, considera James William.

Os dados sobre Charles Dupin envolvendo sua origem e a inovação do emprego da máquina a vapor na impressão de jornais são mencionados por Almir de Oliveira. Albino Esteves, que ingressou em O Pharol em 5 de julho de 1907, também confirma ambos os fatos.

Uma menção à sua naturalidade aparece em artigo publicado em O Pharol de 10 de março de 1888, traduzido de um jornal francês, onde se menciona “um nosso compatriota, M. G. C. Dupin [ … ] desde alguns annos em que vive no Brazil, onde constituiu familia”. Também pelo jornal é possível atestar o uso de máquinas a vapor quando, na edição de 12 de junho de 1883, aparece a explicação de atraso na impressão por defeito na “machina a vapor”.

Além dessas informações, apenas o período em que esteve como proprietário de O Pharol é passível de confirmação, com praticamente consenso entre as fontes. A data exata de sua chegada a Juiz de Fora, bem como e quando se deu seu ingresso na redação do jornal, carecem de mais pesquisa.

O jornalista e pesquisador Dormevilly Nóbrega, ao tratar da trajetória de Charles Dupin, relata a um jornal local em 1990 que “quando a companhia teatral dirigida por Francisco Escudero chegou a Juiz de Fora por volta de 1873, trazia como secretário o senhor George Charles Dupin”.

A menção de Dormevilly reporta à edição de O Pharol de 28 de setembro de 1910, na coluna “O theatro em Juiz de Fora”, assinada por Lúcio D’Alva, um dos pseudônimos de Albino Esteves. A trupe encenaria o drama “O anjo da meia-noite”. Antes da apresentação, a ausência de um ator levou o diretor a escalar o jornalista francês de improviso.

“Ele foi chamado a desempenhar o papel de certo boêmio e o fez com tamanha facilidade que conquistou aplausos e simpatias. Cameron, grande admirador do teatro, convidou Dupin a colaborar em O Pharol onde passou a assinar a coluna Curvas e Zigue Zagues”, narra Dormevilly.

A nota publicada por Lúcio D’Alva traz ainda a única menção que se conhece sobre o passado de Charles Dupin na França. Segundo o autor, “Charles se dizia parente do grande criminalista francês Dupin, autor do Manuel des étudiants en droit”. Trata-se de André Marie Jean Jacques Dupin (1783-1865): Jurista e político francês, próximo de Luís Filipe de Orléans, eleito Deputado em 1827; Presidente da Assembleia Legislativa (1849-1851); mais tarde adere ao bonapartismo.

Albino Esteves e James William também reportam o ano de 1873 como o do início das atividades de Charles Dupin em O Pharol, mas não mencionam como isso teria acontecido. Quanto ao ano de seu nascimento ou à data de seu desembarque no Brasil, praticamente não há menções.

Na Lista de Qualificação de Votantes, de 1878, do Governo Imperial, publicada por O Pharol em fevereiro daquele ano, Charles Dupin aparece caracterizado como casado e com 36 anos. O que coloca os anos de 1840 e 1841 como prováveis de seu nascimento.

O jornalista José Diniz Júnior, editor do jornal Matéria Prima, de Taubaté, e autor do livro “Diário da Tranca”, revelou em entrevista ao Almanaque Urupês que sua mãe Jupira Santos Diniz, cujo nome de solteira era Jupira Dupin Santos, era filha de Guilhermina Dupin Santos e neta de Charles Dupin.

Ele escreve que seu bisavô “nasceu na cidade francesa de Montargis em 6 de agosto de 1841 e chegou ao Brasil em 1857, indo trabalhar na Livraria Garnier, no Rio de Janeiro”. Seu relato confirma o ano de 1873 como o de sua chegada a Juiz de Fora, onde foi maçom e professor de francês, casando-se com Guilhermina de Miranda Peixoto.

Por meio de e-mails e pelas redes sociais, a equipe atual de O Pharol tentou estabelecer contato com José Diniz Júnior durante um mês, mas não obteve retorno. No depoimento disponível no Almanaque Urupês, ele revela que possui fotos e documentos e que pretende publicar em livro sobre o bisavô.

De acordo com Dormevilly Nóbrega, com problemas cardíacos, Charles Dupin mudou-se para Lambari (que se chamava Águas Virtuosas) tão logo deixou a redação de O Pharol. No sul de Minas, funda o semanário A Peleja, francamente devotado à defesa do partido que apoiava o Governo de Prudente de Morais.

Em 27 de janeiro de 1904, o jornal A Peleja registra em sua primeira página: “Colhido por síncope cardíaca em meio aos labores a que a sorte ingrata ainda o impelia, baixou para sempre às sombras eternas, o velho amigo e companheiro, Charles Dupin, neto do conde de Pressé, de quem ainda conservava as armas”.

Publicidade