Meu nome é Paola Braz de Abreu, tenho 31 anos, sou enfermeira e atualmente trabalho no Hospital Unimed Chapecó, na UTI Covid. Quando escolhi ser enfermeira, jamais pensei que pudéssemos vivenciar o que hoje estamos vivendo, mas a cada dia que passa eu acredito mais e mais que escolhi a profissão correta. Escolhi ser enfermeira ainda criança, sem um motivo especifico, sem também saber o que fazia este profissional, eu só sabia que queria cuidar das pessoas. Simplesmente sabia que deveria ser assim.
Estudei, me formei, comecei a trabalhar em um hospital público no Rio Grande do Sul, próximo da minha família, onde atuei durante 9 anos. E, em busca de mais oportunidades, em dezembro de 2019 eu, meu esposo e meus filhos de 7 anos nos mudamos para Chapecó. No início do ano ouvíamos muito falar do coronavírus em outros países, e já começava a avançar pelo mundo, mas como imaginar que ele chegaria até nós? Foi então que na metade de março do dia para noite, as escolas fecharam, as pessoas enlouqueceram a comprar comida para estocar e de repente em uma manhã saio para trabalhar e não encontro ninguém nas ruas..
Então a ficha caiu! É verdade! E agora? Estou longe dos meus pais! Minha cunhada está grávida e eu não verei eles? Mas e meus filhos e meu marido, como vou voltar para casa? E se eu contaminar eles? E todas essas dúvidas e inseguranças foram tomando conta. Na metade de março surgiu o primeiro paciente confirmado. Veio para UTI, mudou nossa rotina por completo. Usamos máscara o dia todo, cansa, machuca, ficar com os óculos de proteção o tempo inteiro é desconfortável, mas é necessário.
Sempre após o plantão tomava banho no hospital, chegava em casa tomava outro banho. Me afastei dos meus filhos e meu esposo, pedi que ele fosse para o quarto de hóspedes e reservei a suíte com meu canto de isolamento, e lá sozinha os pensamentos voavam… “ será que eles não deveriam voltar para o Sul, para o interior que é mais seguro que ficarem aqui comigo?” , “ será que se eles forem eu aguento ficar sozinha aqui, e se eu fico doente, quem vai me ajudar? Afinal nem deu tempo de estabelecer vínculos aqui” , “ seria muito egoísta da minha parte querer que eles ficassem na mesma casa que eu?” . Saía do quarto somente quando necessário, deixava separado para mim o copo, o prato e os talheres, para que eles não tivessem contato comigo.
Nosso primeiro paciente deu alta! Após realizamos testes e não estávamos contaminados. Pedi uma folga e fui para casa dos meus pais. Estava mais tranquila, menos paranoica, pude abraçar meus filhos novamente, afinal eu não havia contraído nada.
No final de abril a demanda aumentou. Então foi montado uma UTI em outro espaço físico só para atender os pacientes Covid, logo pedi para fazer parte desta unidade, pois eu me preparei durante este tempo em que me isolei em casa, li muito, estudei. Juntos, pensávamos como vamos fazer para entubar os pacientes? Qual a melhor maneira de fazer sem nos expor? Como agir nos casos mais graves? Sempre estive em torno de todo o preparo pois eu queria estar lá, queria fazer parte dessa equipe e penso sempre que tudo na vida tem um propósito! Por algum motivo eu vim parar em uma cidade desconhecida quando tudo isso começou!
Recebemos treinamentos de tudo, como nos paramentar, como nos proteger, como atuar com o paciente, quais os materiais a serem utilizados em determinadas situações… Treinei a minha equipe, e estávamos prontos. Os pacientes começaram a chegar devagar. Estávamos cada dia mais preparados para estar lá. A demanda começou aumentar, as complicações também, vemos pacientes jovens e até idosos, ambos graves e longe dos seus familiares. Fico muito triste mas faço o que está ao meu alcance para que eles se sintam confortáveis, protegidos e amparados.
Quanto a rotina familiar, estamos recebendo do hospital acompanhamento psicológico, o que nos deixa mais tranquilos. Coletamos exames de tempo em tempo para termos certeza que não estamos doentes. Hoje minha rotina diária é apenas ir trabalhar, e na folga fico em casa, não saio, não vou ao mercado nem a farmácia, pois tenho medo de adquirir a doença e não poder estar na linha de frente, assim como de estar assintomática e transmitir a outras pessoas.
Não me isolo mais da minha família, pois já entendi que eles são o meu porto seguro, mesmo que um de nós fique doente, seria impossível os demais não ficarem. E também me sinto protegida no ambiente de trabalho. Sei que é cansativo passar 12hs direto com toda aquela paramentação necessária, mas diferente dos outros locais, eu sei que meu paciente tem covid e eu sei que material usar para me proteger.
Termino o plantão tomo banho no hospital, entre uma oração e outra chego em casa retiro os calçados na porta, entro dentro de casa com todo cuidado para que ninguém me toque e vou direto para o banho novamente, cuidados essências, e depois sento no sofá e penso, “será que fiz tudo certo?”. Essa insegurança sempre nos persegue.
E só o que queremos é que as pessoas se conscientizem, fiquem em casa, se saírem, usem máscara, lavem as mãos, mas saiam somente se necessário. Neste momento não é hora de aglomeração, de festas, junção de amigos, protejam suas famílias para que eu também possa proteger a minha.
Fonte: Unimed Chapecó