Conjuntura

O que pode ter levado os tucanos de Juiz de Fora à sua quase extinção

Marcus Pestana, Custódio Mattos e Antônio Almas (Arte: Camila Matheus, com fotos de Leonardo Costa)

Depois de governar Juiz de Fora por 10 dos últimos 30 anos e emplacar membros de seus quadros no Governo de Minas, o PSDB de Juiz de Fora, que já foi um dos principais partidos da cidade, atualmente não tem deputados eleitos e sequer vereador na Câmara Municipal, como foi praxe na sigla desde os anos 90.

Embora os tucanos, assim como petistas e emedebistas, tenham sofrido as consequências da queda de popularidade em todo o país por causa da Operação Lava-Jato e da demonização da política em geral, em Juiz de Fora, no caso do PSDB, as fissuras internas agravaram a situação. E elas não são recentes.

Essa é a avaliação do ex-deputado federal, Marcus Pestana. “Era um partido forte. Mas a partir de 2016, 2014, o grupo originário implodiu. Houve uma divergência entre quem seguia minha liderança e quem seguia a liderança do ex-prefeito Custódio, e seu filho, e é isso que explica a crise do partido”.

A discordância foi mais forte que os consensos em torno da social-democracia. “A partir de certo momento a prioridade do Custódio passou a ser, o que é legítimo, a vida política do filho”, afirma o tucano.

“Houve uma divergência entre quem seguia minha liderança e quem seguia a liderança do ex-prefeito Custódio, e seu filho, e é isso que explica a crise do partido”

Marcus Pestana, ex-deputado

Nas eleições de 2018, o filho do ex-prefeito, Rodrigo Mattos, então presidente da Câmara Municipal e filiado ao PSDB, tinha o desejo de ser candidato a deputado federal. A candidatura esbarrava nas pretensões do próprio Pestana, que tentaria se reeleger para a Câmara dos Deputados, em Brasília.

Sem espaço no PSDB, Rodrigo se filiou ao PHS, disputou a eleição para deputado federal, mas ficou como suplente. O mesmo ocorreu com Marcus Pestana, embora em 2019 ele tenha tido a oportunidade de assumir a vaga em Brasília, mas preferiu continuar na iniciativa privada.

Atualmente, os Mattos estão filiados ao Cidadania, partido que também é social-democrata, a exemplo dos tucanos, e pelo qual Rodrigo Mattos encerrou seu último mandato como vereador.

Em contraste com Pestana, Custódio dá mais peso para dois aspectos da política nacional e do sistema eleitoral brasileiro para explicar a queda do PSDB em Juiz de Fora. O primeiro é a fragmentação partidária que se acentuou no país nas últimas décadas. “Os partidos viraram uma mera sigla, um mero trampolim para as pessoas se elegerem com maior facilidade”, diz.

O segundo aspecto são os escândalos de corrupção que atingiram as legendas que mesmo em um sistema fragmentado comandavam a política brasileira: PSDB, MDB e PT.

“Eu discordo e acho a avaliação do Pestana equivocada. Lamento que o tempo não tenha amadurecido a reflexão sobre o passado e que continuem fazendo raciocínios políticos pragmáticos”, disse o ex-prefeito de Juiz de Fora.

“Lamento que o tempo não tenha amadurecido a reflexão sobre o passado e que continuem fazendo raciocínios políticos pragmáticos”

Custódio Mattos, ex-prefeito

Mas o que aconteceu então? “Projetos pessoais, fricção normal da vida, que eventualmente foram mal administradas. Eu não estou mais militando politicamente, mesmo se estivesse, sou um homem de construção, de convergência, não de conflitos”, responde Custódio.

Em vez das diferenças, ele prefere destacar o que tem em comum com o Pestana e o PSDB: a social-democracia. “Nós temos uma trajetória comum de décadas de afinidades e de atração política, que era também de amizade pessoal. Minha afinidade com as ideias do PSDB continua”, diz.

Em pelo menos um aspecto os dois estão de acordo: é preciso renovar os quadros partidários e políticos brasileiros. “Partido vive em função de se organizar para a conquista do poder para aplicar seu programa e suas ideias. Nós precisamos de uma nova geração, de novos atores, que tenham um projeto de poder”, diz Pestana.

Ao mesmo tempo em que se envolve em tarefas nacionais — quando conversou com a reportagem ele tinha acabado de chegar a Brasília para uma reunião com lideranças nacionais após ter se encontrado com o governador de São Paulo, João Doria, e o vice, Rodrigo Garcia — Pestana afirma que está organizando uma renovação no diretório municipal em Juiz de Fora.

“Não serei candidato [em 2022]. Como estou morando em Brasília, não faz sentido. Eu quero passar o bastão com uma renovação grande do PSDB de Juiz de Fora”, afirmou.

O movimento de reformulação do diretório, que pode salvar os tucanos de Juiz de Fora da extinção, segue com o desafio da unidade interna. Hoje, além dos filiados alinhados a Pestana e dos remanescentes do grupo de Custódio, o deputado Lafayette Andrada, hoje no Republicanos, também tem simpatizantes nas fileiras do PSDB. Em 2015, quando tentou assumir o comando do partido na cidade, ele fez um intenso trabalho de filiação.

Outro problema envolve a manutenção das atividades partidárias. Como acontece com outras legendas, a ausência de filiados com mandatos tem significativo impacto nas contas.

Almas assumiu Prefeitura com grupo político derrotado

Para o ex-prefeito de Juiz Fora, Antônio Almas, a queda tanto de seu partido, o PSDB, como do MDB, foi construída à medida que os grupos políticos de cada legenda foram se desentendendo ao longo dos anos.

Na visão dele, além do racha entre Pestana e Custódio, o rompimento entre os grupos de Tarcísio Delgado e Bruno Siqueira enfraqueceram o MDB a partir de 2012. “A história da perda de hegemonia vai se construindo ao longo desses 30 anos na medida em que as lideranças vão rompendo os laços que elas tinham e esses grupos vão se enfraquecendo no cenário político local e não percebem a chegada de outras lideranças”, afirma o ex-prefeito. “Fica parecendo que eu coloquei a tampa do caixão, mas quando eu assumi a Prefeitura todo o processo de derrocada do PSDB já estava colocado”, acrescenta.

“Fica parecendo que eu coloquei a tampa do caixão, mas quando eu assumi a Prefeitura todo o processo de derrocada do PSDB já estava colocado”

Antônio Almas, ex-prefeito

Tucanos e emedebistas fizeram uma aliança vitoriosa em 2016 com Antônio Almas como vice de Bruno Siqueira para a prefeitura. Em retrospecto, aquela foi a última vitória dos dois partidos e também dos grupos de Siqueira, Pestana e dos Mattos, ao qual o ex-prefeito se alinha.

“Na eleição de 2018 os grupos já perdem. Não elegem o Pestana, nem o Bruno, nem o Rodrigo”, lembra Almas. “Eu assumi como prefeito em abril de 2018. Tenho seis meses que são praticamente a campanha eleitoral e o rescaldo da eleição, onde o grupo político que estava na Prefeitura [MDB e PSDB] é derrotado. E depois eu tenho um ano de administração em 2019, porque 2020 já é pandemia”, explica.

Dessa forma, o ex-prefeito de Juiz de Fora afirma que não houve tempo para fazer grandes mudanças e que optou por fazer um governo de continuidade, mas não de continuísmo, com base no que foi acordado na formação da chapa em 2016.

Almas optou por não se candidatar à reeleição em 2020 por causa do ambiente de ódio e agressões nas redes sociais que se instalou no Brasil e que ainda está presente. Apesar disso, ele não se coloca fora do processo político na cidade, mas considera que é necessário rediscutir o ambiente partidário não só no PSDB mas em outras siglas para que possa haver renovação.

“Quando eu fui levado a ser candidato a vice, eu representava muito o chão de fábrica, que era esse grupo de lideranças comunitárias que estão presentes em todas as reuniões partidárias. Mas as decisões partidárias não passam por essa militância diária, o que é um problema”, diz Antônio Almas.