Meio Ambiente

Sistema climático global caminha para ponto de não retorno. O que é isso?

No Brasil, cerca de 70% das emissões de gases de efeito estufa têm relação com queimadas e mudanças no uso do solo (Foto: Takumã Kuikuro)

Incêndios na gelada Sibéria, temperaturas acima dos 49°C no Canadá, menor volume de chuvas no Brasil nos últimos 91 anos, maior concentração de tempestades na China em mil anos. A previsão dos ambientalistas de que a crise climática amplificaria o clima extremo, tornando-o mais mortal e mais frequente, parece ter se comprovado.

Para a situação não se agravar ainda mais, cientistas climáticos do IPCC, o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas da ONU, fizeram na madrugada de hoje (9) o alerta mais duro de sua história. O relatório Mudança Climática 2021: a Base das Ciências Físicas, segundo o secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres, deve soar como “um código vermelho para a humanidade”.

Cada uma das últimas quatro décadas foi mais quente do que todas as anteriores desde 1850. O nível do mar subiu 20 cm entre 1901 e 2018. Alterações causadas pelas emissões de gases de efeito estufa no passado e no futuro serão irreversíveis daqui a séculos ou milênios. As mudanças mais destacadas serão em oceanos, geleiras e no nível global no mar. 

O estudo realça a influência humana no aquecimento do planeta num ritmo sem precedentes pelo menos nos últimos dois mil anos. Com isso, as consequentes mudanças na temperatura e nos extremos climáticos afetam todas as regiões do mundo.

O Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas, que tem 32 anos e publicou cinco grandes relatórios desde então, traz nessa edição o que existe de mais atual e consensual na ciência climática, com trabalhos de 234 autores de 66 países. Embora os cientistas não sejam categóricos, as publicações não deixam dúvidas de que o sistema climático global está próximo do ponto de não-retorno.

A menos que a redução na emissão de gases-estufa seja imediata, rápida e em larga escala, limitar o aumento da temperatura em 1,5°C ficará fora de alcance. Mas em alguns trabalhos o tom é de pessimismo em relação a algumas mudanças que já estão acontecendo no sistema climático, não havendo mais como retroceder. Nesses casos, o que está em jogo são os prazos para acontecerem, se nessa década ou nas próximas, a depender do ritmo do aquecimento produzido por ações do homem.

No caso do nível do oceano, há consenso de que continuará subindo, mas a elevação total dependerá do cenário de emissões, podendo ser de 28 cm a 55 cm no cenário mais otimista ou de 63 cm a 1,02 cm, no pior cenário, com tudo continuando como está, ou seja, sem redução nas emissões.

Já o Ártico caminha para o total degelo marinho no pico do verão, em setembro, pelo menos uma vez antes de 2050. As geleiras seguirão perdendo densidade, mesmo no caso de a temperatura global estabilizar. Algo semelhante é esperado em relação ao gelo da Antártida e da Groenlândia.

O secretário-geral faz um apelo às nações ricas e empresas para se unirem com ações e investimentos para evitar o pior. “O mundo deve isso à família humana, em especial às comunidades e nações mais vulneráveis e pobres, que são as mais atingidas pela emergência climática”.

 As “soluções são claras”, sendo possível ter “economias verdes e inclusivas, prosperidade e ar limpo”, argumenta António Guterres. Todas as nações, especialmente o G-20, precisam fazer parte da coalisão de emissões zero e reforçar os compromissos antes da Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima, a CoP 26, em Glasgow.

Produção de alimentos no Brasil está ameaçada

Responsável pela alimentação de cerca de 800 milhões de pessoas, ou aproximadamente 10% da população global, segundo estudo da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), a agricultura do Brasil deve ser duramente afetada pelo aquecimento global. O alerta é de Paulo Artaxo, professor titular do Instituto de Física da USP e membro brasileiro do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas.

Em palestra sobre a “Emergência climática, políticas ambientais e desafios à educação ambiental”, proferida na 73ª Reunião Anual da SBPC, realizada virtualmente na Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), no mês passado, ele considera como inevitável o impacto na produção de alimentos com o planeta três graus mais quente.

Paulo Artaxo: umidade do solo será reduzida ((Foto: Divulgação IEA/USP)

“Se continuarmos nesse caminho (emissões de gases poluentes), o aumento da temperatura vai alterar as precipitações no Brasil e na Amazônia e fazer com que a mudança na umidade do solo sobre toda região do Brasil central e da Amazônia seja reduzida muito significativamente”, explica o professor.

O resultado seria catastrófico para o agronegócio. “A produção de alimentos no Brasil central pode estar comprometida pelo aquecimento global.” Da mesma forma, ele chama atenção para as mudanças na região do semiárido do Nordeste do país, que vai se tornar uma região desértica.

 O relatório do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas condiciona o aumento da temperatura no limite de 1,5 graus à redução em 7% do volume de emissões de forma contínua até 2050.  Artaxo aponta como soluções “mudanças no estilo comportamental e de vida”, com ações como o uso mais eficiente de energia, fazer agricultura de baixo carbono e aumentar as absorções de carbono. 

“Uma espécie no nosso planeta está mudando a composição da atmosfera  com impacto em todas as outras milhões de espécies no planeta. Veja a responsabilidade que temos em relação às mudanças climáticas e as demais espécies que coabitam o planeta com a gente”, conclui o professor.