Meio Ambiente

Cientistas e estudantes protestam contra corte nas verbas da ciência

Apenas na UFJF foram desenvolvidas cerca de 115 pesquisas voltadas à Covid-19 (Foto: Caique Cahon/UFJF)

Os estudantes de pós-graduação e cientistas brasileiros estão agendando uma paralisação nacional nesta terça-feira (26) contra a retirada de cerca de R$ 635 milhões do Ministério da Ciência e Tecnologia e Inovação, bem como pelo reajuste das bolsas de mestrado e doutorado, que não passam por alteração desde 2013. Em Juiz de Fora, a mobilização está sendo convocada pela Associação dos Pós-Graduandos da Universidade Federal de Juiz de Fora (APG-UFJF), que planeja atos no campus da instituição e no centro da cidade.

As ações integram o Dia Nacional de Mobilização em Defesa da Ciência e ocorrem após a realocação dos R$ 635 milhões que, inicialmente, seriam destinados para o Ministério da Ciência e Tecnologia e Inovação (MCTI). No início de outubro, o Congresso Nacional aprovou um projeto do Ministério da Economia que divide os recursos entre outras pastas do Governo Federal.

Conforme a Associação Nacional dos Pós-Graduandos (ANPG), o montante seria oriundo do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT), dessa forma, a ação do Governo federal iria na contramão da Lei Complementar 177/2021, que prevê destinação dos recursos para “apoio a programas, projetos e atividades de Ciência, Tecnologia e Inovação”. O valor seria destinado para o pagamento de bolsas e projetos científicos do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).

“Nesse cenário, estão sob ameaças, além de bolsas, a execução de projetos científicos importantes para o desenvolvimento nacional, como o pagamento de projetos da Chamada Universal, recomposição dos Programa Institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia, Pós-Doutorado Júnior, Ciência na Escola e Reator Multipropósito brasileiro e a Rede Vírus (uma iniciativa com projetos que combatem viroses emergentes, como a Covid-19)”, informou a ANPG em nota que convoca os estudantes para a mobilização.

O anúncio recente da realocação dos recursos do MCTI é mais um capítulo dos problemas que as instituições de ensino federais vêm enfrentando no país, com reduções nos investimentos e outras ações que podem prejudicar a ciência brasileira. A mobilização nacional desta terça-feira também terá como pauta uma decisão judicial que determinou a suspensão do sistema de avaliação da pós-graduação da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), instituição de fomento à pesquisa vinculada ao Ministério da Educação.

“Com isso, há um receio muito grande pela desregulamentação dos cursos e consequente colapso do sistema de pós-graduação. É importante destacar que há críticas no sistema de avaliação e que as entidades estudantis já estão há algum tempo tentando aprimorar esse sistema, mas a interrupção dele é muito prejudicial e muito perigosa”, explica Matheus Botelho, coordenador geral da APG-UFJF.

Os reflexos do desmonte das universidades federais já são visto em nível local. Em abril deste ano, por exemplo, a UFJF anunciou o corte de bolsas acadêmicas e funcionários terceirizados. Conforme relembrado por Botelho, em 2016, a instituição contava com um orçamento de cerca de R$158 milhões. Entretanto, em 2021, o orçamento previsto foi de cerca de R$ 80 milhões. “Agora, nós tivemos esse anúncio específico de R$ 600 milhões na ciência, tecnologia e inovação, mas a Universidade já vem sofrendo uma série de cortes, e o orçamento já vem sendo prejudicado, bem como o de tantas outras universidades no Brasil”, diz o coordenador da APG-UFJF.

Atos em Juiz de Fora

De acordo com Botelho, a paralisação em Juiz de Fora contará com atos dos estudantes no campus da Universidade, bem como na região central da cidade, onde os estudantes buscarão diálogo com a população para abordar a importância do investimento na pesquisa científica para a sociedade como um todo. Conforme o representante discente, apenas na UFJF foram desenvolvidas cerca de 115 pesquisas voltadas à Covid-19, abrangendo quase todas as unidades acadêmicas da instituição, tanto no campus de Juiz de Fora, como no de Governador Valadares.

“A Universidade desenvolve todas essas pesquisas relacionadas à Covid, além de outras também importantes para a sociedade. Como não bastasse, a Universidade desenvolveu outras atividades. Aqui no campus foi montado um dos pontos de aplicação da vacina, houve a produção de face shields no ano passado e a produção de sabão e a distribuição para a população. A Universidade é fundamental no combate à Covid e é por isso que estamos também propondo que esse ato seja de bastante diálogo com a população”, explica o coordenador da APG-UFJF.

Os estudantes que quiserem participar da ação podem contatar as representações discentes de seus respectivos programas ou falar diretamente com a APG-UFJF por meio do Instagram.

Pós-graduandos organizam abaixo-assinado pelo aumento das bolsas

Paralelamente ao movimento contra o corte dos recursos para a ciência, os estudantes de pós-graduação em todo o país têm se mobilizado, por meio de um abaixo-assinado, pelo reajuste das bolsas de estudo, cuja última mudança ocorreu em 2013. Atualmente, as bolsas do CNPq ou da Capes têm o valor de R$ 1,5 mil para alunos do mestrado, e R$ 2,2 para os do doutorado. A questão também é pauta da paralisação dessa terça-feira.

Conforme apontado pela ANPG, desde março de 2013, o Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC) do IBGE, acumula um crescimento de 63,47%. Se este valor fosse aplicado às bolsas para corrigir as perdas inflacionárias, os recursos seriam de R$ 2.452,10 para mestrandos e R$ 3.596,41 para doutorandos.

“Não é razoável que um país das dimensões e potencialidades do Brasil, com uma economia de médio a grande portes, trate com tamanho descaso aqueles que são responsáveis por 90% da pesquisa científica produzida, justamente esses que podem ser a solução para tirar o país da prolongada crise econômica que infelicita a nação. Diante desse quadro, a falta de oportunidades e perspectivas tem agravado sobremaneira o fenômeno da fuga de cérebros. Ou seja, nossos talentos, formados com recursos nacionais, são obrigados a deixar o país e contribuir com a produção científica de outros países”, destaca a representação nacional estudantil. A entidade explica ainda que, para conseguir as bolsas, os estudantes passam por processos seletivos e devem manter dedicação exclusiva, cumprindo prazos e cronogramas para entrega das pesquisas finais.

Conforme apontado também pelo coordenador da APG-UFJF, Matheus Botelho, a falta de reajuste das bolsas há tanto tempo pode prejudicar o incentivo às pesquisas em nível de mestrado e doutorado no país. “O poder de compra caiu 60% ao longo desse período, o que representa realmente uma grave ameaça à própria continuidade, o próprio incentivo ao ingresso e a permanência na pós-graduação.” Para ele, a reivindicação para que haja esse reajuste para viabilizar a manutenção e o desenvolvimento de suas pesquisas estará presente na paralisação. “Será uma das mais importantes demandas que vamos levar na paralisação para conscientizar sobre a importância de termos esses reajustes.”

Governo sinaliza com suplementação

Questionado sobre a realocação dos R$ 635 milhões, o Ministério da Economia informou ao Pharol, em nota, que a mudança foi uma decisão de governo, tomada pela Junta de Execução Orçamentária (JEO), formada pela pasta e pela Casa Civil. Essas ações levam em conta a execução orçamentária, as demandas por mais orçamento e as necessidades dos órgãos da administração pública.

Como explicado pela pasta, no início do mês, um ofício foi encaminhado à presidente da Comissão Mista de Orçamento, senadora Rose de Freitas (MDB), propondo alteração do PLN 16/2021 em cumprimento à decisão da JEO. “A alteração encaminhada pelo ME submeteu à apreciação do Congresso Nacional proposta de suplementação de diversas demandas orçamentárias, com recursos de outras fontes. Não são recursos originados da reserva de contingência do FNDCT. Entre essas demandas, consta o atendimento de R$ 89,8 milhões para o MCTI. Desse total, R$ 63 milhões serão destinados para despesas com produção e fornecimento de radiofármacos no país. Outros R$ 19 milhões vão para o funcionamento das instalações laboratoriais que dão suporte operacional às atividades de produção, prestação de serviços, desenvolvimento e pesquisa”, informou o Ministério da Economia.

Ainda conforme o texto, o montante também engloba despesas dos ministérios da Saúde, Educação, Cidadania, Comunicações, Desenvolvimento Regional, e Agricultura, Pecuária e Abastecimento. No caso da Educação, seriam R$ 107 milhões para a concessão de bolsas de estudo no ensino superior e outros R$ 5 milhões para o apoio ao desenvolvimento da educação básica.

Após oito anos sem aumento, Fapemig reajusta bolsas em 25%

O governador Romeu Zema (Novo) anunciou, nessa segunda-feira (25/10), o reajuste de 25% no valor das mensalidades das bolsas de formação concedidas pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (Fapemig).

O reajuste no valor beneficiará um total de 4.368 bolsistas que recebem bolsas de formação, concedidas em cotas institucionais para iniciação cientifica, mestrado, doutorado e pós-doutorado, incluindo as bolsas do Programa Institucional de Iniciação Científica (Pibic), do Programa de Apoio à Pós-Graduação (Papg) e do Programa de Capacitação de Recursos Humanos (Pcrh).

A medida, aprovada pelo Conselho Curador da Fapemig no último mês de setembro, passa a vigorar a partir de novembro deste ano. “Além de recompor parcialmente o valor, que se encontra defasado, esperamos atrair e manter talentos para a pesquisa no Estado de Minas Gerais”, afirma o presidente da Fundação, Paulo Sérgio Lacerda Beirão.

Matéria atualizada às 10h05 do dia 26 de outubro