Pobreza menstrual: “fenômeno complexo, transdisciplinar e multidimensional, vivenciado por meninas e mulheres devido à falta de acesso a recursos, infraestrutura e conhecimento para que tenham plena capacidade de cuidar da sua menstruação”, de acordo com definição da Unicef. Um direito que, conforme levantamentos recentes, é negado a milhões de mulheres no mundo, muitas vezes por um item que deveria ser considerado básico, mas que o alto valor dificulta sua aquisição: absorvente.
Apesar de o Programa de Proteção e Promoção da Saúde Menstrual (lei 14.214/21) ter sido aprovado nessa quinta-feira (7), o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) vetou um dos principais pontos do projeto, que visava a distribuição gratuita de absorventes higiênicos para estudantes e mulheres em situação de vulnerabilidade, bem como presidiárias. O veto ocorre em meio a diversos levantamentos e mobilizações que apontam o quanto a falta deste item básico pode levar meninas a faltarem às aulas ou usarem produtos alternativos que podem prejudicar sua saúde.
O estudo “Pobreza Menstrual no Brasil: desigualdade e violações de direitos”, do Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA) e do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), mostra que 4 milhões de meninas no país não têm acesso a pelo menos um dos itens fundamentais de cuidados menstruais nas escolas, como água, saneamento e higiene. Destas, quase 200 mil estão totalmente privadas de condições mínimas para cuidar da sua menstruação no ambiente escolar.
Outra pesquisa realizada pela Always, marca de absorventes femininos da P&G, em parceria com a Toluna, mostrou que uma a cada quatro brasileiras já deixou de ir à escola por não poder comprar absorventes. Além disso, 50% das entrevistadas afirmaram que já precisaram substituir o absorvente por papel higiênico, roupa velha ou toalha de papel, sendo que essas ações não são seguras por trazerem riscos de infecções no trato urinário, rins e inclusive lesões nos órgãos reprodutores femininos, conforme aponta o levantamento.
O Programa de Proteção e Promoção da Saúde Menstrual foi proposto pela deputada Marília Arraes (PT), sendo aprovado em agosto pela Câmara dos Deputados e em setembro pelo Senado Federal. A proposta também determinava que as cestas básicas entregues pelo Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Sisan) deveriam contar com o absorvente higiênico feminino como item essencial, parte esta que também foi vetada pelo Governo Federal.
Como justificativa do veto, o governo alegou que “o projeto de lei introduziria uma questão de saúde pública em uma lei que dispõe sobre segurança alimentar e nutricional”. Já a oferta gratuita de absorventes higiênicos femininos e outros cuidados básicos de saúde menstrual foi barrada porque, segundo o veto, “a proposição legislativa contraria o interesse público, uma vez que não há compatibilidade com a autonomia das redes e estabelecimentos de ensino”. A bancada feminina na Câmara dos Deputados, entretanto, já se articula para derrubar o veto do Planalto.
Proposta de lei municipal avança na Câmara de Juiz de Fora
Em Juiz de Fora, um projeto de lei em tramitação na Câmara prevê a criação do Programa Municipal de Erradicação da Pobreza Menstrual, que visa o oferecimento gratuito de absorventes higiênicos em escolas e unidades básicas de saúde. De autoria das vereadoras Laiz Perrut (PT), Cida Oliveira (PT), Tallia Sobral (PSOL) e Kátia Franco (PSC), a proposta prevê, ainda, ações educacionais e informativas de saúde e higiene pessoal.
Um dos objetivos do projeto é “reduzir a evasão e as faltas em escolares em período menstrual das pessoas que menstruam, diminuindo os prejuízos ao rendimento escolar”. Além dos absorventes, o projeto prevê a possibilidade de produtos reutilizáveis, como coletores ou outros equipamentos que atendam aos critérios de saúde, higiene e sustentabilidade.
De acordo com uma das vereadoras proponentes, Laiz Perrut, os vetos do governo federal sobre o programa nacional de saúde menstrual não devem trazer impactos ao projeto local, pelo contrário, as diversas manifestações negativas sobre o ocorrido podem contribuir para mostrar a relevância do projeto de lei para o município. “Uma das primeiras coisas que as adolescentes enfrentam é o tabu de falar para os pais que precisam comprar absorvente, o outro é a questão financeira, que sabemos que isso impacta muito na renda das pessoas”, diz a parlamentar. “Para nós, a maior importância é essa distribuição. Que as adolescentes, as mulheres, as pessoas que menstruam possam pegar gratuitamente esses absorventes nas UBSs, escolas, que são lugares que elas têm acesso.”
Conforme Laiz, o projeto busca promover a saúde da mulher e estender para além do Outubro Rosa, por exemplo, considerando que a mesma deve ser pensada de maneira integral. “Esse projeto quer dar direitos iguais para as pessoas poderem ter a sua higiene preservada. Isso é muito importante para a saúde da mulher, porque quando colocamos um absorvente que não é de boa qualidade, ou quando não tem absorvente e colocam-se outras coisas, como papel higiênico ou algodão, coisas que não são tão adequadas, ficamos, às vezes, com a saúde prejudicada.”
Em Minas, distribuição deve começar ainda neste ano
Minas Gerais conta com a lei 23.904, que garante acesso das mulheres em situação de vulnerabilidade social a absorventes higiênicos. O projeto foi aprovado pela Assembléia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) e promulgado pelo Governo no início de setembro. De autoria da deputada estadual Leninha (PT-MG), a legislação prevê que os absorventes sejam distribuídos nas escolas públicas, unidades básicas de saúde e de acolhimento, bem como nas unidades prisionais de Minas. Isto ocorreria por meio de parcerias com a iniciativa privada ou com organizações não governamentais.
O projeto de lei estadual foi desenvolvido com base nas pesquisas recentes que apontam as dificuldades de saúde e educação por conta da falta de acesso à itens básicos da saúde da mulher, de acordo com a proponente, deputada Lenina. Assim, como deve ocorrer em Juiz de Fora, a legislação do Estado prevê campanhas educacionais que busquem desmistificar o tabu criado em torno da menstruação. “Penso que as campanhas são muito importantes para que a sociedade como um todo passe a ver a menstruação como algo natural e não mais como um tabu, como é visto ainda hoje. Essas campanhas vão nos colocar em outro patamar para discutir a dignidade menstrual como em outros países, como a Escócia, que hoje já distribui universalmente absorventes para as mulheres que menstruam”, aponta a parlamentar.
Ainda conforme Leninha, os vetos do governo federal ao Programa de Proteção e Promoção da Saúde Menstrual não consideram a realidade das pessoas que menstruam e se encontram em situação de vulnerabilidade social, assim como no caso das mulheres em sistema prisional. “O fato de o presidente Bolsonaro ter vetado tantos pontos desse projeto tão importante só demonstra, na minha opinião, mais uma vez, que ele e seu projeto de país não são para os mais pobres e vulneráveis.”
Em nota, a secretária de Estado de Desenvolvimento Social de Minas Gerais, Elizabeth Jucá, informou que, antes mesmo da promulgação da lei, o Departamento Penitenciário da pasta já contava com o projeto de fabricação de absorventes. A iniciativa está em fase de implantação e irá contar com a parceria e apoio da Sedese para definir o público que irá receber a produção, de acordo com a titular da secretaria. A distribuição dos produtos deve ocorrer ainda neste ano.
Matéria atualizada às 20h40.