No dia 16 de dezembro, o Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) ajuizou uma ação de improbidade administrativa questionando a execução das obras do Hospital Regional de Juiz de Fora. O documento, ao qual O Pharol teve acesso, denuncia 72 pessoas físicas e jurídicas, citando, inclusive, ex-prefeitos e funcionários da administração municipal de Juiz de Fora. Entre os ilícitos apontados pelo MPMG, estão os indícios de conluio entre algumas empresas participantes de processos de licitação realizados em 2010 e 2013 pela Prefeitura de Juiz de Fora.
Os inquéritos do MPMG foram ajuizados por meio da Promotoria de Justiça de Defesa do Patrimônio Público de Juiz de Fora, que constatou mau planejamento do Hospital Regional, fraudes nas duas licitações, pagamentos indevidos na execução e omissão na vigilância. Tais aspectos resultaram em danos de mais de R$ 33 milhões aos cofres públicos. A apuração foi feita em conjunto com a Controladoria-Geral do Estado de Minas Gerais (CGE-MG).
Nos inquéritos, o MPMG argumenta que as “Propostas Fictícias ou de Cobertura” são as maneiras mais adotadas para fraudar licitações públicas. Ela ocorre quando são identificados determinados comportamentos, como: “1) Um dos concorrentes aceita apresentar uma proposta mais elevada do que a proposta do candidato escolhido; (2) Um concorrente apresenta uma proposta que já sabe de antemão que é demasiado elevada para ser aceita; ou (3) Um concorrente apresenta uma proposta com vícios reconhecidamente desclassificatórios”, conforme apontado pelo MPMG.
Ou seja, as propostas são apresentadas para que pareça que há concorrência entre os licitantes. Esses indícios podem ser identificados em padrões de apresentação da documentação, como nos termos empregados e até mesmo nos caracteres gráficos, como utilização de ferramentas de digitação como negrito, itálico e sublinhado. Tal identidade documental é entendida pelo Tribunal de Contas da União como indício de fraude e conluio. Este arranjo poderia ocorrer também quando há a formação de consórcio entre empresas para participação em licitações.
Os inquéritos instaurados pelo MPMG citam doze empresas que participaram dos editais de licitação da Prefeitura de Juiz de Fora 004/2010 e 003/2013. Entre os principais motivos, figura, por exemplo, a habilitação de algumas empresas sem atender exigências do edital, bem como o não questionamento por parte de outras quanto ao problema apontado.
Edital de 2010
A empresa vencedora da licitação realizada em 2010 pela Prefeitura de Juiz de Fora foi a Diedro Construções e Serviços Ltda., citada na ação do MPMG por conta de diversas irregularidades que, além do processo licitatório, abrangem também a execução das obras do Hospital Regional em Juiz de Fora. Como destacado no documento do MPMG, “a empresa DIEDRO, responsável pela execução da maior parte estrutural, não seguiu o projeto e cometeu erros grosseiros, os quais podem comprometer a segurança da edificação”. Na perspectiva estrutural, as apurações indicaram problemas com vigas em um dos blocos do hospital. Uma delas foi deslocada a um dos pilares, onde houve reforço com chapas metálicas, mas sem apresentação de documentos “que comprovem a responsabilidade técnica pelos cálculos desse reforço”. Outra viga não possui apoio em suas extremidades.
Outro apontamento da ação é sobre um contrato firmado entre a Diedro e uma empresa para instalação de elevadores. A Diedro teria pago o valor do serviço, que não chegou a ocorrer. O questionamento do MPMG ocorre em função de que não há informações se os equipamentos foram fabricados, visto que, caso eles tenham sido produzidos e armazenados, podem ocorrer danos.
Em relação ao processo de licitação, o MPMG aponta que a Diedro teria sido habilitada tecnicamente sem atender à determinada exigência do edital. A empresa teria apresentado uma qualificação técnica que demonstrava a execução de serviço em edificação não hospitalar. Este ponto violaria um item do próprio edital, bem como a legislação federal. Além disso, o MPMG aponta que a maior parte dos custos unitários da proposta comercial da empresa apresentou os mesmos valores ou descontos lineares em relação aos preços de referência. Os fatores, entre outros, poderiam indicar direcionamento do certame em favorecimento à Diedro.
As empresas Andrade Valladares Engenharia e Construção Ltda. e Sengel Construções Ltda. também teriam sido habilitadas tecnicamente sem atender às exigências do edital 004/2010. Esta última também foi citada na ação por ter apresentado recurso no âmbito do certame cuja redação possui a mesma identidade argumentativa, textual e gráfica de outro enviado pela Construtora Cinzel S.A..
As empresas KTM Administração e Engenharia Ltda. e Construtora e Incorporadora Squadro Ltda., assim como a Cinzel, foram mencionadas na ação por não terem questionado a legalidade das cláusulas restritivas do edital que implicaram em suas inabilitações técnicas. Já a Tratenge Engenharia Ltda. e a Caenge S/A não teriam questionado as habilitações técnicas das demais empresas que inobservaram exigências previstas no edital.
Conforme apontado pelo MPMG, a participação destas últimas empresas “sem atendimento aos requisitos editalícios e questionamentos administrativos e judiciais quanto sua legalidade contribuíram para conferir aparente competitividade no certame”.
Edital de 2013
Sobre o edital 003/2013, o MPMG também aponta indícios de restrição de competitividade. O consórcio formado pelas empresas CWP Engenharia Ltda e Comim Construtora Eireli foi o vencedor da licitação, sendo a única licitante a ter atendido os requisitos previstos pelo certame. Além disso, conforme o inquérito, a CWP teria demonstrado capacidade técnica de participar da licitação de forma individual, sem necessariamente precisar se unir a outra empresa.
Os preços apresentados pelo consórcio também são questionados no inquérito. Conforme o MPMG, dos 1.327 custos unitários que compuseram a proposta comercial das empresas, apenas um não apresentou desconto linear em relação aos que compuseram o preço de referência.
A empresa Kallas Engenharia Ltda. foi citada por ter sido habilitada sem atender requisitos do mesmo edital. Esses seriam a previsão de leitos para pacientes isolados e sistema de prevenção de descarga atmosférica. Além disso, representantes da empresa não compareceram à sessão de abertura das propostas comerciais. Outra questão apontada pelo MPMG é que os custos unitários da proposta comercial da Kallas Engenharia apresentaram acréscimo de proporção linear em relação aos de referência.
As empresas KTM Administração e Engenharia Ltda. e o Consórcio Andrade Valladares – Santa Bárbara novamente não teriam questionado a legalidade das cláusulas restritivas do edital que implicaram em suas inabilitações técnicas, tampouco a classificação da Kallas Engenharia Ltda..
O Pharol tentou contato com todas as empresas mencionadas, através dos e-mails cadastrados na Receita Federal e pelos canais de atendimentos próprios – quando disponíveis -, entretanto, não teve retorno de nenhuma delas até a publicação desta reportagem.
Empresa investigada tem contrato em vigor com a Cesama, que é alvo de auditoria do TCU
A Comim Construtora Eireli, integrante do consórcio vencedor do certame realizado em 2013, é citada em outra investigação, realizada pelo Tribunal de Contas da União (TCU). No caso, o órgão federal questiona o contrato das obras de ampliação do sistema de esgotamento sanitário de Juiz de Fora, firmado com a empresa em 2012. Conforme o TCU, há indícios de restrição à competitividade para, mais uma vez, favorecer a empresa.
O contrato em questão (01.2012.066), com valor de R$ 111.648.948,06, tem como objetivo “a implantação dos coletores troncos, interceptores, estações elevatórias e de tratamento de esgoto do município de Juiz de Fora, conforme especificações constantes do processo administrativo n° 10305/2011 e processo administrativo eletrônico nº 609/2021”. Seu prazo contratual foi prorrogado pela prefeita Margarida Salomão (PT) no último dia 22 de dezembro de 2021, ampliando sua vigência até 31 de março de 2022.
Em nota encaminhada aO Pharol, a Prefeitura de Juiz de Fora (PJF) informou que, por ter sido conduzido por outra gestão, o procedimento licitatório e a formalização do contrato estariam sob responsabilidade da mesma. “O Tribunal de Contas da União (TCU) então elaborou um relatório de fiscalização, baseado em informações coletadas nos meses de maio, julho e agosto de 2018. Posteriormente, o órgão realizou uma tomada de contas sobre o caso e os questionamentos levantados foram respondidos pela Procuradoria Geral do Município (PGM), em junho de 2019, também durante outra administração”, completa o texto.
Ex-prefeitos estão entre denunciados
Entre as 72 pessoas citadas na ação movida pelo MPMG, estão os ex-prefeitos Custódio Mattos e Bruno Siqueira, e o ex-deputado federal e ex-secretário de Estado de Saúde, Marcus Pestana. A obra do Hospital Regional foi licitada e iniciada em 2010, durante a gestão de Custódio. Esse é mencionado na ação por ter descumprido obrigações no contrato em relação às desapropriações de imóveis para a construção da unidade de saúde. Além disso, ele também seria responsável pela duplicidade de serviços prestados pela Empav e por limitar a concorrência na licitação, entre outros indícios. Já Bruno Siqueira é citado por ter se omitido quanto à vigilância do local, sendo responsável, assim, pelos furtos e atos de vandalismo ocorridos na obra quando a mesma foi paralisada.
O ex-deputado Marcus Pestana esteve no cargo de secretário de Estado de Saúde entre 2003 e 2010, quando foi realizada a primeira licitação para a construção do Hospital Regional. No entendimento do MPMG, o então secretário não teria feito planejamento político da obra, o que levou a ocorrência de danos durante a execução do contrato.
Abaixo, você confere na íntegra as notas emitidas pelos políticos mencionados.
Custódio Mattos
“A denúncia do MPMG trata de assunto complexo de engenharia e jurídico ocorridos há mais de dez anos. Nunca fui ouvido ou informado sobre o processo. A petição do MP e os documentos em que baseia ainda não estão acessíveis. Do que sei baseado nas informações que a Promotora passou para a imprensa posso dizer que as alegações sobre prejuízo ao erário público na aquisição dos terrenos não tem qualquer fundamento. Observações sobre a licitação e execução da obra exigirão análise especializada de advogados e engenheiros só possível mediante acesso ao processo. Agi nesse caso como ao longo de 50 anos de serviço público com observância da lei e do interesse público.”
Bruno Siqueira
“Sobre as notícias vinculadas referentes ao Hospital Regional, esclareço que o Governo do Estado de Minas entrou em grave crise financeira em 2015, parcelando salários de servidores, suspendendo repasses constitucionais para os municípios e, consequentemente, os recursos para obras públicas como a do Hospital Regional.
Ao contrário da afirmação que não tinha segurança devida após a saída da empresa responsável no canteiro de obras, esclareço que foi determinada a vigilância a ser realizada pela Guarda Municipal, instituição responsável pela segurança dos prédios públicos municipais. Afirmo que todos os atos por mim praticados foram realizados dentro da legalidade e de acordo com os princípios constitucionais que norteiam a administração pública.”
O Pharol questionou a Prefeitura de Juiz de Fora sobre a efetividade da vigilância realizada pela Guarda Municipal uma vez que, conforme o Ministério Público, aconteceram diversos furtos no local. O Executivo e a Guarda Municipal não se pronunciaram sobre a questão.
Marcus Pestana
“Sobre o convênio para construção do hospital de urgência de Juiz de Fora e o ex-secretário Marcus Pestana:
1) Juiz de Fora é um dos 18 polos macrorregionais de saúde de MG;
2) O Hospital Pronto-Socorro Municipal HPS funciona precariamente em condições desumanas na antiga COTREL na Av. Rio Branco. A partir deste diagnóstico foi tomada a decisão da SES/MG de construir um novo hospital , moderno e humanizado, para a transferência do HPS, desonerando inclusive a Prefeitura de um aluguel de mais de 150 mil reais/mês que poderiam ser revertidos em atendimento à população no novo hospital. Seria uma simples replicação do HPS, em escala e órbita de assistência, mas com qualidade e instalações e equipamentos adequados
3) Em função disto o então secretário estadual de saúde Marcus Pestana assinou o convênio para a construção do hospital em DEZEMBRO DE 2009 no valor de 42 milhões de reais necessários para a implantação do projeto inicial do Hospital Pronto Socorro Municipal.
4) Posteriormente o projeto foi alterado radicalmente e ampliado em sua estrutura para dar lugar ao grande Hospital Regional de Urgência e Emergência da Zona da Mata.
5) Acontece que Marcus Pestana se desincompatibilizou do cargo em MARÇO DE 2010 para se candidatar a deputado federal. Portanto Marcus Pestana só teve contato com o assunto objeto da ACP por 3 meses, não participando de nenhuma etapa, ainda que preliminar, da implantação do projeto. Muito menos da definição de sua significativa ampliação. Aliás, como obra conveniada, todas as medidas administrativas caberiam à Prefeitura de JF. Só restaria ao Governo de Minas a liberação dos recursos, a fiscalização da execução e a tomada de contas. Mas nem disso o ex-secretário participou. Apenas da assinatura do convênio, que ao contrário do apontado pela ACP não padeceu de nenhuma falta de planejamento. Houve o diagnóstico do esgotamento da capacidade de atendimento do HPS e os recursos disponibilizados eram compatíveis com o projeto original do novo hospital posteriormente modificado. Os projetos conveniados seguem parâmetros do DEOP/MG(Departamento de Obras Públicas/MG), não são aleatórios.
6. O ex-secretário Marcus Pestana portanto não pode responder por nenhum ato ou fato posterior à março de 2010. Já que como deputado não tinha nenhuma participação na gestão estadual e municipal.