A paisagem de Juiz de Fora é repleta de exemplares de estilos arquitetônicos ecléticos, art déco, art nouveau e modernista. São camadas de tempos que produziam tais estilos para representar o que estava em evidência em cada período: estética, fluxo, mercado… É interessante notar como o desenho do espaço muda à medida que as práticas da sociedade também mudam. Mas tais exemplares também vêm sendo cobertos, não só por novas construções, mas por intervenções nas construções remanescentes para atender novos imperativos de produção e consumo.
Boa parte das construções vistas no centro da cidade encontra-se enclausurada atrás de placas e letreiros das lojas que dividem e/ou utilizam de suas instalações. Os ornamentos dos prédios antigos – heranças dos tempos áureos da Pantaleone Arcuri -, feitos com zelo estético e detalhes, disputam (e quase sempre perdem) espaço com as fachadas recobertas de materiais chamativos que visam captar a atenção dos transeuntes e potenciais clientes. Bem, se a Revolução Industrial, ainda no século XIX, nos apresentou o uso do ferro e do vidro para construção, culminando em correntes artísticas de elevado apelo estético, a descoberta de materiais passíveis de uma reprodução barata e fácil contribuiu para uma produção de espaços cada vez mais sem identidade.
O uso e ocupação do solo urbano atualmente tem como premissas a facilidade de fluxos e o incentivo ao consumo. Hoje em dia o que vemos são espaços ocupados por letreiros, propagandas, placas comerciais e elementos sempre indicando a necessidade da compra. Os ACMs (compostos de alumínio) que invadem as calçadas e as áreas de comércio são uma forma prática de reproduzir, sem muito esforço, os mesmos espaços, os mesmos estilos e os mesmos ambientes, superando as barreiras de distância e impondo um novo tempo a essas construções.
A arquitetura traz o termo kitsch como uma sensação de estandardização, do comum e vulgar, o lugar da cultura de massa. É o que vemos tomando lugar no espaço urbano. Segundo a arquiteta Aline Zim, no artigo “Cultura kitsch e modernidade: a ascensão do não autêntico“, o termo seria de difícil definição e “sintetiza o mecanismo psicológico de alienação do homem pelos objetos que o cercam (…) Representa, por outro lado, o acesso à cultura e às artes pelo fenômeno da reprodutibilidade técnica (…)”.
Portanto, o kitsch estaria diretamente ligado à cultura de massa e à disseminação do consumo de bens que antes só eram acessados por certas classes. Olhando por esse lado, ele poderia ser considerado um aliado na democratização de acesso a esses bens. Só tange uma zona cinzenta, quando suprime a identidade original em benefício da identidade de massa, que prima pelo consumo. E é nesse ponto que estamos abrindo mão da originalidade de nossos espaços que estão, cada vez mais, sucumbindo a padrões de reprodutibilidade. Condomínios inteiros criados à luz da estética estadunidense, casarões destruídos para dar lugar a prédios imensos e reluzentes, antigas construções cobertas por retângulos de alumínio que fazem parte da identidade visual de empresas.
Fico me perguntando qual seria o grau de satisfação que teríamos em ir ao centro de uma cidade europeia e encontrar diversas superfícies cobertas por propagandas, ACM ou blindex. Por que ainda permitimos que apenas o espaço estrangeiro mantenha sua história às claras para deleite gratuito e alheio? Utilizo Juiz de Fora como exemplo, mas seria injusto considerar aqui como o maior exemplar. Diversas cidades médias, capitais e metrópoles ao redor do mundo vêm apresentando essa tendência.
Tudo o que sufoca a escala local e a forma como humanos constroem seus assentamentos urbanos de forma harmônica com o meio transpassa o original e entra na escala de reprodutibilidade. Os azulejos, ladrilhos e construções sufocadas em Juiz de Fora remetem à história industrial da cidade e podem, em breve, virar objeto arqueológico. Cobrir com espelhos e estruturas plásticas é esconder dos nossos olhos a história que nos antecede.
* Título fazendo referência ao livro “A estetização do mundo: viver na era do capitalismo artista” de Gilles Lipovetsky e Jean Serroy, 2015.