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O sonho de princesa supera a luta de classes

Os contos de fadas existiam antes de surgir a Disney, mas isso não importa. Desde que os Sete Anões cuidaram da Branca de Neve ninguém mais se lembra de outras versões das histórias de princesa. E, por mais diferentes que sejam, as narrativas clássicas têm um ponto em comum: as princesas encontram seus príncipes (a Elza não é clássica, mas deve ter visto muito A era do gelo para fazer todo aquele estrago).

A bela adormecida mostra a história de uma jovem presenteada desde o berço com os encantos da beleza, o dom de cantar e a promessa de se casar com o príncipe encantado. Melhor ainda: por ser de classe mais alta, ela tem um nome (Aurora) e o príncipe também (Felipe).

Se a inveja é uma merda, como diziam as frases de caminhão antes da Assembleia de Deus, a Malévola tentou colocar uma roca no caminho, como se dissesse que ela ia se dar mal por ser herdeira e ter tudo à disposição.

O rei (que também tem nome: Estêvão) manda tirar os brinquedos perigosos da vida da Aurora e ainda pede para que as Três Boas Fadas (mesmo as funcionárias da elite são chamadas pelos nomes: Flora, Fauna e Primavera) cuidem da menina até que ela assuma a maioridade. Não fosse a história se passar no século XIV, trocariam suas cores por jalecos brancos para passear com a criança pelo Leblon.

A princesa Aurora cresce amparada pelas três funcionárias, longe dos pais (como tantas crianças abastadas) e, quando chega o momento (mesmo que espetada pela roca e condenada ao sono eterno), é beijada pelo príncipe Felipe, alcançando o final feliz.

Para a trabalhadora, o sonho de princesa também é possível, embora por caminhos mais tortuosos. A Cinderela não se chama assim, é o apelido dado pelas meia-irmãs porque dormia perto da lareira para se esquentar e estava sempre coberta de cinzas (cinder, em inglês). A Disney não conta esse detalhe.

E lá vai a empregada da casa, uma casa comprada pelo dinheiro do pai que morreu, mas que a madrasta não precisa respeitar porque a legislação dos contos de fadas é diferente. Ainda assim, é um conto de fadas. Mesmo depois da esperança ter sido criada e tirada da empregada, ela consegue enfim se preparar para o baile, graças a outros funcionários do chão de fábrica, sobretudo ratos.

Quando a classe média alta pisa na classe baixa, achando que é superior porque se desfez de umas peças de roupa e depois rasga o que não vai usar mais, Cinderela conta com a ajuda do programa social Bolsa Fada Madrinha e pode ir ao baile, como toda a sociedade. Lá, dança com o príncipe e, depois de toda a confusão do sapato perdido e do pé encontrado, chega-se ao final feliz, com o único diferencial de que o príncipe teve que ir até o povo para participar do Minha Cara-Metade, Minha Vida e, por isso, também não tem nome.

Todas as meninas podem cultivar seu sonho de princesa, por algum caminho se chega a ele. A não ser que a menina tenha 12 anos e seja estuprada por um homem de 20 anos, mas a Quinta Turma do STJ diga que não é estupro. Ao negar o Código Penal, a Turma quer zelar pelo sonho de princesa da criança gestada pela menina de 12 anos. Sem fadas nesta história.