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O tarifaço de Trump e a tensão entre protecionismo e liberalismo

“Tariffying”, que tem sido traduzida como “tarifaço” e que seria a “palavra mais bonita do mundo”, segundo Donald Trump, constitui-se na base para uma nova ordem econômica? Luzes históricas podem iluminar esse nebuloso tema.

Em 1934, durante o mandato do Presidente Franklin Delano Roosevelt, época que daria início à Era da Liberalização e que perduraria até 2016, o então Secretário de Estado, Cordell Hull, afirmou que “quando bens não cruzam fronteiras, os soldados o farão”.

Editou-se a chamada “Lei de Acordos Comerciais Recíprocos”, que rompeu com a tradição de alta tarifação sobre bens estrangeiros e se adequou à crença do governo de que o comércio internacional era importante para um crescimento econômico sustentável.

Os norte-americanos enfrentavam os efeitos econômicos e sociais da Grande Depressão e se insurgiam contra a “Lei Tarifária Smoot-Hawley”, de 1930, quando se impôs uma taxação no comércio de produtos estrangeiros ao redor de 59%, lei que, segundo historiadores e economistas, acirrou os horrores da Grande Depressão, gerando desemprego e retração na economia com a queda das exportações do país em 67%.

Ainda, é preciso lembrar que a Independência dos EUA se calcou na queixa contra as restrições de comércio impostas pela Coroa britânica sobre os colonos, emblematicamente exposta na Boston Tea Party.

Feita a independência, os fatos econômicos falaram mais alto do que uma declaração de princípios. Alexander Hamilton, o primeiro Secretário de Tesouro dos EUA, propôs tarifas no comércio internacional para proteger a nascente indústria norte-americana. Livre comércio, sim, pero, no mucho, foi o que veio do filho do Caribe.

Da ideia de proteção inicial da economia, ao longo do século XIX, as tarifas alfandegárias passaram à principal fonte de receitas do governo central, após ter sido declarado inconstitucional o imposto de renda, somente novamente cobrado em 1909, com a aprovação da 16ª Emenda à Constituição norte-americana.

Esforços de guerra, em 1812 (Guerra contra a Europa) e entre 1861-1865 (Guerra de Secessão), exigiram recursos aos montes, e sem a possibilidade de se cobrar imposto de renda, elevaram-se as tarifas alfandegária.

Ainda de volta ao passado, mas já nas últimas décadas do século XX e início do século XXI, assistiu-se ao fim do sonho de Bretton Woods e do GATT, marcos da exportação do sonho do livro comércio dos EUA para todo o mundo.

Atualmente, no lugar, um estado de natureza, uma guerra de todos contra todos, no comércio internacional.  Dumping, desrespeito a patentes, bloqueios sanitários, entre outras medidas, tornaram-se argumentos reais ou fictícios para um país restringir o comércio com outros. Muitas vezes, uma restrição vinda só do lobby protecionista local.

Nada disso, porém, compara-se ao uso feito por Trump da “Lei de Expansão de Comércio”, de 1962, que permite ao Presidente dos EUA impor tarifas alfandegárias por razões de segurança nacional, algo admitido com restrições no âmbito da OMC.

Em 02 de abril de 2025, ele declarou que “o comércio e as práticas econômicas estrangeiras criaram uma emergência nacional” e fez uma ordem executiva para impor “tarifas responsivas para fortalecer a posição econômica internacional dos Estados Unidos e proteger os trabalhadores americanos”, declaração e ato com cheiro de passado.

Além disso, em casos como o do Brasil, invocou razões não-econômicas para justificar seu tarifaço. Retórica ou devaneio megalomaníaco?

Como afirma Alisson Christians, professora de Direito Tributário da McGill University, em cujo artigo “Tarrifying! A Brief U.S. History” me baseei para escrever esta coluna, Trump está apostando alto demais, pois “a história da política tarifária dos EUA sugere que nem o protecionismo puro nem o livre comércio irrestrito forneceram uma base sustentável para a prosperidade e segurança dos EUA”.

Associar livre comércio à prosperidade doméstica e à paz está fora de moda no país das liberdades.  A que preço e até quando?