Contexto

Luciano Huck e a volta dos que não foram

(Intervenção de Camila Matheus sobre foto Divulgação/TV Globo)

O apresentador Luciano Huck não será candidato à presidência da República nas eleições de 2022. Ele vai continuar comandando atrações na Rede Globo, não mais aos sábados, mas nas tardes de domingo, no lugar do colega de emissora Fausto Silva, que deixa a emissora após 32 anos para voltar à Band. O anúncio foi feito durante entrevista concedida ao jornalista Pedro Bial em seu programa, Conversa com Bial, na madrugada da quarta-feira (16).

Luciano Huck, como ele próprio afirmou, deixa a cena sucessória de 2022 sem nunca ter entrado. É a volta dos que não foram. As movimentações do apresentador agora e do empresário João Amoêdo na semana passada, quando também declinou do convite feito pelo partido Novo para disputar a Presidência, desidratam o grupo do “Manifesto pela Consciência Democrática”, lançado no final de março por meia dúzia de presidenciáveis que, na ocasião, diziam ver a democracia ameaçada.

A ideia do sexteto, que além de Huck e Amoêdo, contava ainda com o governador de São Paulo, João Doria (PSDB), o governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite (PSDB), o ex-governador do Ceará, Ciro Gomes (PDT), e o ex-ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta (DEM), era buscar uma unidade de centro. Queriam, se possível, ir depurando com o tempo até chegar a uma candidatura que representasse o que denominaram como terceira via.

O ideário dessa terceira via implica, necessariamente, que o presidente Jair Bolsonaro e o ex-presidente Lula estejam em polos opostos nos extremos do espectro ideológico. “Partir desse pressuposto, de que temos dois extremos, em grande medida equivalentes, com uma extrema direita de um lado e uma extrema esquerda do outro, do ponto de vista analítico é completamente equivocado”, dispara o cientista político da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) Fernando Perlatto.

Para ele, o que se tem hoje de forma muito clara no país é uma extrema direita representada pelo bolsonarismo. No mais, prossegue Perlatto, é impossível falar de um centro genuíno na política brasileira. “Existe a centro-direita, com partidos como o PSDB e o DEM. Aliás, o DEM cada vez mais se aproximando da extrema-direita, agora com a expulsão do (deputado) Rodrigo Maia. E temos uma centro-esquerda com o PT, o PSB e um pouco com o PDT”.

Ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva fez seu primeiro pronunciamento após anulação das sentenças (Foto: Ricardo Stuckert/FotosPublicas)

O que aconteceu foi o deslocamento da régua ideológica. O conceito é do cientista político Diogo Tourino, da Universidade Federal de Viçosa (UFV), para quem Bolsonaro bagunçou o coreto ideológico brasileiro. “Hoje a gente tem um campo representado pelo Bolsonaro, que é antidemocrático por excelência, que não aceita rotatividade no poder, não entende as regras do jogo democrático como sendo regras que regulam nosso mínimo comum. Do outro lado, dentro da mesma trincheira, está todo mundo que quer a política de volta e é contrário a essa lógica do extermínio, da destruição.”

Para ele, a ideia de Lula como um antípoda na extrema-esquerda em oposição a Bolsonaro na extrema-direita é uma falsa equivalência. A ideia do centro de ter um candidato, do ponto de vista da disputa eleitoral, para se colocar com uma terceira via entre supostos polos opostos, com Lula e Bolsonaro, é artificial. “Parece muito mais uma agenda de determinados setores que querem se manter no poder do que propriamente uma leitura adequada da realidade.”

Para o cientista político da UFV, em última análise, “a tentativa de colocar o Lula numa chave oposta a Bolsonaro é a tentativa de se inserir no horizonte da disputa uma alternativa que não o Lula”. Por isso, segundo ele, pode se tratar de uma estratégia de curto prazo, pois não se sustenta. “Não vejo um governo mais de centro-esquerda, mas de negociação, de conciliação, do que o do Lula. O centrão adora o Lula. E agora o Lula é de extrema-esquerda. Onde isso? Nunca foi.”

O que vem estreitando a terceira via

De fato, em termos de viabilidade, as tratativas em torno da terceira via até agora a colocam com margens cada vez mais estreitas para 2022 e distante do eleitorado. As pesquisas de opinião pública divulgadas após o retorno de Lula ao páreo eleitoral apontam para contínua desidratação das candidaturas até então colocadas nesse campo. Não por acaso as baixas começaram a ser registradas.

Embora Luciano Huck e Amoêdo tenham alegado questões pessoais para saírem prematuramente do páreo, bons motivos não faltam. Para Perlatto, o problema para a turma da centro-direita que se pretende como alternativa de poder hoje é que, entre 2014 e 2018, parte significativa de seu eleitorado migrou para Bolsonaro. “Houve um deslocamento de setores anti-petistas ou críticos ao Lula, que antes votavam com a centro-direita e foram capturados pelo bolsonarismo de extrema-direita”.

O presidente Jair Bolsonaro e o governador João Doria (PSDB) fazem flexão de braço durante evento no Centro de Treinamento Paraolímpico Brasileiro, em São Paulo, em junho de 2019. (Foto: Governo de São Paulo)

A reação dos políticos de centro a essa migração do eleitorado para a extrema-direita em 2018 tornou-se uma segunda complicação nos planos para 2022. Dos seis presidenciáveis que assinaram o “Manifesto pela Consciência Democrática”, ou seja, que veem a democracia em risco com Bolsonaro, apenas Ciro Gomes indicou ter votado em Fernando Haddad, ainda assim depois de uma temporada na França. Entre os demais, caso dos governadores tucanos, houve quem se valesse do bolsonarismo para se eleger. As explicações para mudança de postura ainda não vieram ou não convenceram.

A falta de alinhamento com Bolsonaro e sua agenda antidemocrática também se tornou um agravante para muitos partidos do centro. Independentemente dos matizes ideológicos, todos foram acossados, bagunçando a régua ideológica, segundo Tourino. “Com isso, o centro perde sua característica de agenda, exatamente porque todo mundo foi empurrado para dentro da mesma trincheira, deixando apenas o nariz de fora para sobreviver.”

Mas nada interferiu tanto para a decisão de Hulk e contribuiu para estreitar a tal terceira via quanto a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que devolveu os direitos políticos para Lula. “A figura do Lula é muito central para a gente poder explicar essa dificuldade que esses partidos enfrentam. O Lula consegue construir um discurso mais de centro, mais de consenso, apesar de toda a resistência que tem em torno do seu nome. Não temos figuras na centro-direita que consigam fazer isso. Essa é um pouco da dificuldade dos partidos hoje”, explica Perlatto.

Qual a parcela de culpa dos próprios partidos?

Internamente, os dirigentes partidários também não têm se ajudado. O DEM, que acaba de expulsar Rodrigo Maia, em maio usou seu perfil oficial no Twitter para declarar que as posições para lá de governistas do senador Marcos Rogério (DEM) na Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid no Senado não correspondem às do partido. Já o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM), admitiu aprovar a anacrônica proposta do voto impresso, tão cara ao bolsonarismo, se houver viabilidade técnica.

No PSDB, o principal presidenciável foi derrotado, na última terça-feira, quando se definiu o modelo de prévias. O formato aprovado, que tem entre os redatores o ex-deputado Marcus Pestana, prevê peso diferenciado dos votos, com proporção de 25% para filiados sem mandatos e 75% para mandatários. Para o governador paulista, o peso maior aos filiados era o melhor caminho, afinal São Paulo concentra a maior fatia deles: 22% de 1,36 milhão, segundo o Tribunal Superior Eleitoral (TSE).​

O principal adversário interno Doria nos seus anseios de chegar ao Planalto é o deputado federal Aécio Neves (PSDB). Em recentes manifestações públicas, o ex-governador de Minas tem deixado claro que o partido pode abrir mão da candidatura para apoiar um nome viável do centro, a despeito dos nomes tucanos já colocados.

Depois de ser candidato a presidente três vezes e ter passado por PSDB, PPS e PSB, Ciro Gomes mantém o propósito de sua quarta candidatura, agora pelo PDT. Alternativa da centro-esquerda, ele tem recorrido ao estilo agressivo para atacar sua principal ameaça: Lula. E tem lá seus motivos: desde o retorno do ex-presidente ao páreo da sucessão de 2022, Ciro caiu no Datafolha de 12% para 6%.

Alexandre Kalil e Ciro Gomes fazem campanha juntos em Belo Horizonte em 2018. Para 2022, Kalil recomenda Lexotan ao aliado para controlar a retórica agressiva. (Foto: Leo Canabarro/FotosPublicas)

A estratégia, no entanto, parece não agradar a ninguém. Potencial aliado, o prefeito de Belo Horizonte, Alexandre Kalil (PSD), recomendou que Ciro tomasse “Lexotan toda manhã” para controlar a sua retórica. O deputado pernambucano Túlio Gadêlha (PDT) defendeu que o correligionário desistisse de atacar Lula e voltasse sua fúria para Bolsonaro. Para ele, acreditar em um segundo turno entre o pedetista e o petista é “viver uma ilusão”.

A crise do centro não é exclusividade brasileira

Se serve de consolo ou alerta, fato é que a crise dos partidos do centro não é exclusividade do Brasil. Fernando Perlatto explica que, até bem pouco tempo, “havia certa perspectiva de que a política caminhava para esse processo centrípeto”. Por essa lógica, alguém para ganhar uma eleição tinha que moderar o discurso, ser mais comedido. “Isso em uma perspectiva internacional acabou modificando muito, sobretudo pós-crise econômica de 2008 e 2009. Na cena política internacional também há uma espécie de uma explosão dos centros.”

É o caso, por exemplo, da França, com a eleição de Emmanuel Macron, que se descrevia nas eleições como “nem da direita nem da esquerda”. Mesmo nos Estados Unidos, a vitória de Donald Trump implicou uma derrota para o lado tradicional do Partido Republicano. “Como se vê, o movimento acontece no Brasil não pode ser descolado desse movimento de explosão do centro, da centro-direita e da centro-esquerda que acontece em outros países”, conclui Perlatto.