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O patriotismo é o último refúgio dos canalhas

Na Copa de 1978, Reinaldo usava a camisa amarela quando fez o gol contra a Suécia e comemorou com os punhos cerrados, símbolo dos Panteras Negras (Foto: Reprodução FIFA)

Não é a questão da camisa amarela, afinal usurpada pelos adoradores do genocida. Na Copa de 1978, Reinaldo usava a camisa amarela quando fez o gol contra a Suécia e comemorou com os punhos cerrados, símbolo dos Panteras Negras – o mesmo gesto de Tommie Smith e John Carlos (que vestiam azul marinho) no pódio das Olimpíadas de 1968; e Colin Kaepernick usava o vermelho e dourado do São Francisco 49ers quando se ajoelhava durante o hino nacional  – gesto repetido em sentido inverso pelo policial branco que matou o negro George Floyd, num ódio desmedido à cor. 

A seleção brasileira usava branco quando perdeu a Copa de 1950, dentro de casa, azul (a cor do manto de Nossa Senhora Aparecida, reza a lenda) quando ganhou a final em 1958, e perpetuou a “amarelinha” em 1970, quando o ufanismo da Ditadura Militar (do presidente general que patrocinava torturas e interferia na Confederação, trocando técnico e convocando jogadores) nos fez crer que era um “manto inexpugnável” que, sozinho, faria tremer todas as demais seleções do mundo e nos traria todas as copas vindouras. Balela previsivelmente desmontada pela Holanda/laranja (1974 e 2010), a Argentina/azul e branco (1978 e 1990), a Itália/azurra (1982), a França/azul (1986, 1998 e 2006), a Alemanha/vermelho e preto (2014) e a Bélgica/vermelha (2018).

Afinal, como gosta de lembrar o técnico Tite, por ingenuidade ou cinismo, “política e futebol não se misturam”

Não é pelo tal manifesto, que na verdade nem isso foi: apenas um texto bobo escrito por jovens milionários testando a capacidade de fazer redação de pré-primário. Lembrou o “Manifesto de Glasgow”, 1973, quando os jogadores da seleção (assustados pela desistência de Pelé em disputar a Copa de 1974) assinaram um texto para romper com a imprensa. E o técnico era Zagallo, o futebolista mais pateticamente patriota de todos os tempos.

Não é pelo desconhecimento das causas. Aquele grupo de 1973, por conveniência, fingia não saber do uso da seleção pela Ditadura e, mais por soberba, não tinha nenhuma informação sobre a Holanda (que encantava o mundo com o tricampeonato europeu de clubes, com Feyenoord e Ajax) e a Polônia (sabidamente o melhor futebol além da Cortina de Ferro). Exatamente um ano depois do “Manifesto” o Brasil foi facilmente derrotado por holandeses e poloneses. O grupo de hoje até sabe, pelo WhatsApp, que a Copa América no Brasil é parte do plano do genocida no perigoso jogo do golpe, mas isso não lhes diz respeito. Afinal, como gosta de lembrar o técnico Tite, por ingenuidade ou cinismo, “política e futebol não se misturam”. 

Mas, não é a camisa amarela, definitivamente. Entre o “patriotismo ser o último refúgio dos canalhas” (frase do Samuel Johnson) e a “pátria de chuteiras” de Nelson Rodrigues, a questão é bem mais simples: assistir a insana Copa América e, pior, torcer pela seleção canarinha (a de Caboclo e de Neymar – o monstro alimentado pela mídia, apesar dos avisos de Renê Simões) é apenas e tão somente exercer o direito de se refugiar.

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