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Vacinação na educação: questão trabalhista ou de saúde coletiva?

Seguindo o Plano Nacional de Imunização, aplicação das vacinas começará por quem atua nas creches e pré-escolas (Foto: Altemar Alcantara/FotosPúblicas)

Uma das maiores expectativas para a próxima semana em Juiz de Fora é a divulgação do calendário de vacinação contra a Covid-19 para os trabalhadores da educação que estão na ativa, tanto da rede pública quanto do setor privado de ensino. De acordo com a Prefeitura, a primeira etapa da imunização desses profissionais será destinada aos professores e auxiliares que atuam na educação infantil.

O que não tem faltado são questionamentos nas redes sociais sobre o ritmo de vacinação, mas as datas dependem da disponibilização de vacinas e sua chegada ao município. Outro ponto sobre o qual sobram dúvidas da população nos comentários dos meios de comunicação diz respeito aos critérios de vacinação desse ou daquele grupo. Por isso vale lembrar que, assim como as etapas anteriores, a dos educadores segue o que foi definido pelo Ministério da Saúde (MS) no Plano Nacional de Imunização (PNI).

O anúncio a respeito da vacinação dessa categoria foi feito pelo MS no último dia 28 de maio e esse público já fazia parte dos grupos prioritários mesmo antes disso. De acordo com a coordenação do PNI, a destinação das doses será feita em paralelo aos grupos de pessoas com deficiência permanente sem cadastro no Benefício de Prestação Continuada (BPC), população em situação de rua e funcionários e população do sistema de privação de liberdade (prisões e unidades de internação de adolescentes).

Embora outros municípios, como São Paulo e Rio de Janeiro, já tivessem começado seus próprios calendários quanto aos trabalhadores da educação, ou, como Belo Horizonte, tenham estabelecido outra sequência, Juiz de Fora está dentro da orientação nacional. Aqui, a ordem de imunização dentro da própria categoria também segue, a princípio, a definida pelo PNI. No Plano Nacional, isso significa que a aplicação das vacinas começa por quem atua nas creches e pré-escolas, passando para os que lecionam no ensino fundamental, ensino médio, ensino profissionalizante e Educação de Jovens e Adultos (EJA), para, por fim, serem contemplados os docentes e técnicos administrativos do ensino superior.

Pauta de negociação

A vacinação de quem trabalha em escolas e outras instituições de ensino, sejam públicas ou privadas, é uma discussão que tem pautado as negociações trabalhistas não apenas em Juiz de Fora, mas em todo o país. No município, especificamente, o Sindicato dos Estabelecimentos Particulares de Ensino da Região Sudeste de Minas Gerais (Sinepe) chegou a interromper em março, de forma unilateral, a mesa de negociação com o Sindicato de Professores de Juiz de Fora (Sinpro), numa tentativa de condicionar a discussão da Convenção Coletiva de Trabalho (CCT) ao retorno das aulas presenciais nas escolas particulares da cidade.

As conversas foram retomadas no mês passado, mas ainda sem definição acerca da CCT, que expirou no dia 30 de abril. Ou seja, embora tenha havido um aceno verbal para que as cláusulas da norma coletiva anterior continuem sendo respeitadas nesse período de indefinição, sem garantia de ultratividade — expressão que, no direito trabalhista, implica que uma norma coletiva continua a ser aplicada posteriormente ao fim de sua vigência, até que outra a modifique —, é isso que é: um período de indefinição.

Essa é uma pressão que tem se verificado em outros municípios e estados. Na verdade, Juiz de Fora pode, inclusive, ser considerada uma exceção, uma vez que, em outras cidades, a retomada das aulas presenciais chegou a ser imposta pelo Poder Público ou mesmo pelo Judiciário — e, em algumas das decisões, valendo apenas para o ensino privado. Isso, como alertam especialistas em saúde e educação — como os ouvidos na reportagem “Retorno às aulas presenciais: em que condições e para qual escola?”, publicada no dia 31 de maio por O Pharol —, traz consequências.

Desligamentos por morte

Conforme o boletim Emprego Em Pauta número 18, divulgado no mês passado pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), entre todas as atividades econômicas, uma das que apresentaram maior crescimento no número de desligamentos por morte no emprego celetista foi a educação, com aumento de 106,7% no primeiro trimestre deste ano em relação ao mesmo período de 2020. Para efeito de comparação, o crescimento de desligamentos por morte foi de 204% entre médicos e 116% entre enfermeiros, profissões que estão na linha de frente do enfrentamento à Covid-19.

Por um lado, pode-se argumentar que a diferença se deve ao fato de que, de janeiro a março do ano passado, a pandemia ainda estava em seu início no Brasil, ao passo que os três primeiros meses de 2021 coincidiram com um período bastante crítico de ampliação do contágio, a despeito do início da vacinação. Outro argumento possível é de que as mortes que levaram a esses desligamentos podem não estar todas relacionadas à Covid-19. Ambos são fatos.

Por outro lado, porém, o aumento em diversas outras categorias (que incluem trabalhadores de transporte, correio, setor financeiro, construção etc.) também é expressivo, o que demonstra haver uma causa de mortalidade comum — no caso, o coronavírus — que, se não afeta necessariamente todos, expõe todos, em maior ou menor grau.

Além disso, voltando à comparação entre trabalhadores em educação e médicos e enfermeiros, em números absolutos, foram registrados 76 desligamentos de médicos por morte e 54 de enfermeiros no primeiro trimestre deste ano. Enquanto isso, registraram-se 961 desligamentos por morte na educação nos mesmos meses. Estará isso relacionado ao retorno às aulas presenciais em várias cidades do Brasil? E, uma vez que o levantamento do Dieese se refere ao desligamentos por morte no emprego celetista, estará isso relacionado ao fato de que, onde houve retorno às aulas presenciais, ele se deu principalmente no setor privado, no qual a pressão dos interesses econômicos tem sido forte?

Os desligamentos por morte na educação aumentaram 106,7% no primeiro trimestre deste ano (Foto: Elineudo Meira/FotosPúblicas)

Em outras atividades profissionais, o número absoluto chegou a ser maior: 4.427 desligamentos por morte no comércio, reparação de veículos automotores e motocicletas; 4.023 nas indústrias de transformação; 3.170 em atividades administrativas e serviços complementares; 2.479 em transporte, armazenagem e correio; 1.667 na construção; 1.006 na área de saúde humana e serviços sociais; 976 na agricultura, pecuária, produção florestal, pesca e aquicultura. Categorias em que, na maioria dos casos, não houve a possibilidade do trabalho remoto adaptado, como houve na educação. E que estiveram, neste mais de um ano, permanentemente expostas aos riscos de contágio pelo coronavírus em função do trabalho presencial.

A questão é que, se a vacinação é uma estratégia coletiva de enfrentamento a doenças — ainda mais urgente do caso da pandemia da Covid-19 —, cada grupo vacinado importa. Ainda mais que a eventual volta presencial às instituições de ensino, cada vez mais cobrada, não mobiliza apenas uma categoria — ou duas, de professores e auxiliares de administração escolar —, mas toda a comunidade que se funda e se organiza em torno de uma escola. Docentes e técnicos administrativos, sim, mas também estudantes, familiares, usuários do transporte público, comerciantes e consumidores, usuários e profissionais do sistema de saúde, que dependem de uma redução de seu impacto.

Se o retorno às aulas presenciais tem potencial de afetar tantos, há que se esperar que, na outra ponta, a vacinação de ao menos uma parcela da comunidade escolar também tenha. É um passo importante. Embora, é claro, como discutido na reportagem anterior (https://jornalopharol.com.br/2021/06/retorno-as-aulas-presenciais-em-que-condicoes-e-para-qual-escola/), a vacinação sozinha — sem máscaras adequadas, sem produtos de higiene, sem o distanciamento recomendado, sem ventilação nas salas de aula — não tenha poder algum.