Polytheama

Lúdica Música 30 anos: uma perspectiva diferente da música mineira conhecida aqui e lá fora

Isabella Ladeira (voz e percussão), Gutti Mendes (voz, guitarra e percussão) e Rosana Britto (voz, violão e percussão) (Foto: Divulgação)

Embora seja um dos performers mais filosoficamente orientados e inteligentes da música moderna mineira, o Lúdica Música também é um dos mais lacônicos. Desde a decisão de ser um grupo “sui generis”, toda a responsabilidade de conduzir a carreira recai sobre o trio, formado atualmente por Rosana Britto (voz, violão e percussão), Isabella Ladeira (voz e percussão) e Gutti Mendes (voz, guitarra e percussão). Assim, falta tempo para entrevistas, turnês no Brasil e exterior ou todas as outras atividades rotineiras de um artista da Música Popular Boa, uma ressignificação carinhosa para MPB.

O Lúdica nasceu em 1991, considerado pela crítica especializada como um dos anos mais produtivos na história da música, não só pela quantidade de discos lançados, mas também pelo fato de que estes discos mudaram profundamente o modo como a música vinha sendo feita até então, tendo um impacto muito grande em sua época e nas gerações seguintes.

“A gente sempre equilibrou os lados de intérprete e de autor, chegando quase aum meio a meio. Numa enquete para fechar um set list, por exemplo, muitas autorais ficam bem na fita”, comenta Rosana. “No entanto, o velho ‘Juvenar’ e ‘Carnavália’ seguem na liderança.”

Em 30 anos de estrada, que serão celebrados com uma superlive no próximo dia 24, às 16h (no Brasil), com transmissão pelo canal do grupo no YouTube e pela rádio Itatiaia, o Lúdica arrebanhou centenas de admiradores mundo afora com sete discos, dezenas de clipes, três DVDs e inúmeras parcerias, entre elas Ivan Lins, Milton Nascimento, Carlinhos Vergueiro, André Abujamra, Vander Lee, Mart’nália, Rita Bennedito, Ana Carolina, Emmerson Nogueira e Maurício Tizumba.

“O aniversário mesmo é no dia 7 de junho. A gente queria ir ao Brasil, mas não deu. Criamos então o projeto ‘Lúdica faz 30’, que é composto por esta live. Em 2022, vamos comemorar o ano inteiro. Com a pandemia, a gente aprendeu que nada é urgente”, diz Isabella Ladeira, anunciando de seis a dez canções novas. “A gente continuou sobrevivendo. Depois do CD/DVD ‘Originais Ao Vivo’, de 2019, deu vontade de fazer mais.”

Além da transmissão ao vivo, o trio – todo vacinado com, ao menos, a primeira dose da vacina – irá lançar um single produzido durante a pandemia e planeja entrar em estúdio para produzir um trabalho audiovisual com inéditas e uma revisão do projeto “Mundo ludo & outras diversões” – único trabalho do Lúdica que não tem disco – com estreia nas plataformas digitais.

1991: música eletrônica e rock alternativo fora do armário

Foi também em 1991 que a música eletrônica saiu do underground, onde se difundia e se abria para novas possibilidades, e se consolidou no mainstream. Assim como para outros gêneros, o primeiro ano da década de 90 foi muito importante, em especial, para o rock alternativo.

Neste contexto, surgiu a primeira música do Lúdica, “Toda cor toda luz”, que entrou em todos os álbuns. Nascida com o título “Por ser a natureza”, no primeiro disco – “Lúdica Música”, de 1994, só em 2008 foi rebatizada, no primeiro DVD do grupo, “Diversões Lúdicas ao vivo… e a cores!”.

“Não tenho a organização metódica que muitos compositores têm”, comenta Isabella, autora da maior parte das composições do trio. São dela, inclusive, os versos “quando isso tudo passar / vamos nos abraçar como se não houvesse amanhã”, do novo single, lançado em breve.

“Sou de uma geração de festivais, lapidar mais do que compor. A gente não parou de trabalhar. Cada hora surge uma coisa, estamos nos ocupando mais do que nunca do resto também, criação, edição e postagem de conteúdo na internet”, completa.

Rosana Britto também vem compondo e revirando seu baú de antigas canções ainda inéditas. Assim como Gutti Mendes, que aproveitou para estudar música e, hoje, faz até vinhetas, além de alguns resgates também inéditos. Os três seguem com as aulas de percussão online e, às vezes, no jardim da casa onde moram.

“A banda virou algo bem maior do que a gente, vieram estes lances dos conteúdos. Dos vídeos no Instagram de shows passados com pessoas na plateia ao projeto ‘Correio Lúdico!’ que criamos no YouTube, um sucesso entre crianças e jovens de todas as idades”, conta Gutti.

MPB – Um caminho natural e lúdico

Aos 16 anos, Isabella Ladeira, então vocalista da banda Frúturo Sim, de rock progressivo autoral, já era eclética. Ia do jazz ao rock, passando pelo pop, com “a vantagem do tempero, a malemolência do jeitinho brasileiro”. Isto chamou a atenção de Rosana Britto, que, numa noite no então Marrakesh (atual Muzik), decidiu convidar Isabella para uma canja numa apresentação de voz e violão com o craque Joãozinho da Percussão no antigo Thelonious Jazz Bar.

“Éramos Isabella, Joãozinho e eu desde o primeiro show em Juiz de Fora. Na segunda semana, começamos a viajar: do Mistura Fina, no Rio, ao interior de Minas e outros estados. Tinha certeza de que nosso caminho seria profícuo e duradouro. Nós sempre encaramos o Lúdica de uma forma muito mais artísticado que musical. O artista se joga nessa vida louca sem rede. O músico nem sempre, às vezes se resguarda, tem outra profissão”, observa Rosana. “Privilegiar a qualidade, o amor e não só a fama e o dinheiro é isso: degrau por degrau, sem elevador.”

Gutti, que completa 30 anos de carreira também em 2021, junto com o Lúdica, entrou no 12º ano do grupo.”Vim com este sentimento de ser artista, sempre gostei de uma carreira bem feita. Vislumbrei um futuro ali.”

A vida em Portugal, sem jiló, mas nada mal

Desde dezembro de 2019 radicados no pequeno distrito de Maia, no Porto, ao Norte de Portugal, a saudade do Brasil se dá, muitas vezes, pelo estômago. Apesar disso, brincaGutti Mendes, a fase farofa temperada e pão de queijo já foi superada. “Tem aqui perto, num mercado de brasileiros”. E, como boa mineira, Isabella acrescenta: “Sinto falta de jiló”.

Para o trio, os portugueses são culturalmente muito diferentes dos brasileiros. No Norte, onde há muitos outros estrangeiros (“parece Minas, tem afeto”, compara Rosana), incluindo muitos artistas, vai tudo muito bem, obrigado. Especialmente no que diz respeito à segurança e à formação de plateias.

Apesar de ser uma referência para gerações de mais idade, o trio segue conquistando novos admiradores. Em Portugal, os músicos seguem tocando o programa “Showficina lúdica interativa” em escolas, voltado para o público infantojuvenil.

“Faz parte da luta continuar resistindo. A solução é fortalecer a rede, teia entre os artistas, uns apoiando os outros. Sem dúvida, esta é uma solução política”, acredita Rosana. “No mais, nosso muito obrigado e vida longa ao Pharol!”

Publicidade