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“Em nome da mãe”: Maria de Nazaré

Em cena, Suzana dá voz a três mulheres: a donzela Maria, a atriz - uma mulher de 43 anos - e a anciã, que carrega em si a ancestralidade feminina (Fotos: Divulgação)

O mês de março de 2020 ficará guardado na memória de muita gente. No dia 17 de março, a pandemia se manifestou no Brasil. Estabelecimentos comerciais fechados, ruas esvaziadas, famílias dentro de casa, eventos cancelados e os teatros com suas portas trancadas. Projetos cancelados, sem data para retomada. Artistas sem trabalho por meses a fio, aguardando o momento das atividades culturais retornarem. O que não aconteceu efetivamente até hoje, agosto de 2021. Quase um ano e meio depois do início da pandemia no Brasil, a forma de sobreviver da arte teve que ser transformada.

Suzana Nascimento morava no Rio há 20 anos e decidiu retornar para Juiz de Fora quando seu pai foi internado. Com medo dos acessos serem fechados, ela e o companheiro, Federico, não perderam tempo e pegaram estrada. No entanto, o pai da atriz, contadora de histórias e dramaturga acabou falecendo quatro dias após a sua chegada. Ela, a mãe e Federico se instalaram numa granja, em Valadares, e foram ficando ficando ficando… De lá, entenderam “que não havia menor sentido em ficar no Rio”.

A história de Suzana é muito parecida com a de muitos artistas que literalmente voltaram às suas origens ou simplesmente abandonaram os grandes centros urbanos para tentarem sobreviver em cidades menores. “Minha relação sempre foi muito boa com a minha mãe, mas a gente estava há 20 anos sem ter esse relacionamento diário. Foi muito importante esse retorno. Foram muitas conversas, ela me contava muitas histórias. Daí surgiu o filme ‘Árvore Mãe’, que é um curta-metragem dela me contando um pouco das memórias de opressão, da criação dela. E o ‘Em nome da mãe’, projeto que já existe há seis anos, mas que foi nesse período que começou a florescer.”

A história de Maria de Nazaré

“Em nome da mãe” é o mais novo espetáculo criado por Suzana, uma artista acostumada a elaborar seus próprios projetos. Ela é autora de “Calango Deu”, monólogo de 2012, dirigido por Isaac Bernat, que só interrompeu suas apresentações justamente por causa da pandemia. Foi na granja com a mãe e com seu companheiro que Suzana deu o pontapé final na elaboração de seu mais novo trabalho, que estreia nesse dia 06 de agosto, no canal do SESC Rio, no YouTube.

Dirigido por Miwa Yanagizawa, “Em nome da mãe” é baseado na obra homônima do autor italiano Erri de Luca, com dramaturgia da própria Suzana. A peça busca desmistificar a figura de Maria de Nazaré, a mãe de Jesus, abordando a jornada íntima de uma mulher jovem, pobre, não casada e grávida, vivendo os preconceitos de uma sociedade conservadora, patriarcal e machista. Uma história escrita há mais de 2000 anos, mas que ainda reverbera nos corpos femininos que vivem em pleno século XXI.

Suzana Nascimento está envolvida com outros projetos que abordam a temática feminista. O primeiro deles se chama Botica de Histórias, um canal no Instagram que nasceu durante o período de reconexão da artista com sua mãe e com a natureza. “Comecei a gravar vídeos no meio da natureza contando histórias e refletindo sobre a nossa ancestralidade”. Junto a esse projeto, surgiu também o curta “Árvore Mãe”, que foi concebido numa época em que o país ainda contava com cerca de 40 mil mortos vítimas da Covid-19.

Na granja onde estava instalada, a convivência diária e intensa deu origem ao curta-metragem. Enquanto pintava os cabelos da mãe, Suzana ouvia seus casos e começou a fazer o resgate da trajetória da figura materna. “Como é quando a gente olha pra mãe da gente e vê uma mulher e não só uma mãe? São entidades, arquétipos diferentes”, questiona-se. A partir dessa transformação de olhar, no “retoque de raízes de cabelo”, que a atriz decidiu fazer “Árvore Mãe” e, consequentemente, a peça “Em nome da mãe”. “A própria Maria, protagonista do espetáculo, é um exemplo disso. A gente muda o ponto de vista sobre ela, pra tentar refletir sobre uma outra mulher”, destaca.

Ensaios de forma remota

Quem apresentou o autor Erri de Luca a Suzana foi seu companheiro, o músico Federico Puppi, e quem lhe contou sobre o livro especificamente foi a cantora e compositora Maria Gadu. Em 2015, durante uma viagem de avião, ela leu o livro inteiro e diz que ficou extremamente emocionada com a obra. Suzana, que ainda não é mãe, diz que “entendeu quando olhou para a personagem não como essa Nossa Senhora que a gente conhece, famosíssima, mas pela primeira vez eu perguntei: quem foi essa menina, o que ela sentiu, o que ela pensou, ela sonhou? Ninguém fala disso.”

O encontro entre a diretora Miwa Yanagizawa e Suzana Nascimento veio após ensaios pelo Zoom

Federico Puppi foi quem traduziu o texto para a atual adaptação para o teatro. Ele também é responsável pela trilha sonora original do espetáculo e, junto com Suzana, esteve presente nos ensaios, que foram realizados na maior parte do tempo em Juiz de Fora, longe da diretora Miwa Yanagizawa, que estava no Rio de Janeiro. “Fui arrebatada pela obra. Foi uma desconstrução da imagem romântica que eu tinha de Maria, que nos chega como perfeita, como aquela que vemos nos presépios de Natal. Humanizar a figura da Maria e mostrar a opressão sofrida por essa mulher amplia o movimento libertário feminista”, reitera a diretora em depoimento retirado do release da peça apresentado à imprensa.

O encontro presencial entre as artistas só aconteceu algum tempo depois, durante os ensaios e filmagens realizadas no Teatro Ipanema, no Rio. “Quando eu cheguei no Rio para fazer os ensaios presenciais, foi um choque, depois de quase três meses pelo Zoom, fazer esse encontro do teatro que a gente estava construindo e imaginando com o olhar da câmera. Como aproveitar esse encontro, aproveitar o que os dois têm de bonito, sem perder a essência do teatral? Considero realmente que ficou um trabalho muito teatral, com a beleza que também o cinema pode oferecer. O nome disso ninguém sabe ainda, se é teatro online, se é peça filme. Já é uma linguagem que, mesmo depois que a gente voltar pro 100% presencial, a gente não perde mais.”

Sobre a temporada

Com realização do SESC RJ, o espetáculo estreia em formato online em 6 de agosto no canal da instituição no YouTube (youtube.com/portalsescrio), com apresentações gratuitas de sexta a domingo, às 19h. Em Nome da Mãe integra o Arte em Cena – Temporadas, braço de temporadas teatrais do projeto em que o SESC RJ transmite espetáculos artísticos em suas plataformas digitais. A peça segue em cartaz até 29 de agosto. Em cena, Suzana dá voz a três mulheres – a donzela Maria (ou Miriam, como é chamada em hebraico), a atriz (uma mulher de 43 anos) e a anciã (que carrega em si a ancestralidade feminina) – que relatam a jornada da protagonista, intercaladas com histórias da vida da própria atriz e temas da atualidade.