Contexto

O que muda com as federações partidárias aprovadas pelo Congresso?

Projeto de Lei 2522/15, que permite que dois ou mais partidos se reúnam em uma federação, segue para sanção ou veto do presidente Bolsonaro (Foto: Cleia Viana/Câmara dos Deputados)

A Câmara dos Deputados aprovou na última quinta-feira (12) o projeto de lei 2.522/15, que permite aos partidos políticos se unirem em uma federação a fim de atuarem como uma só legenda nas eleições e na legislatura. Como a proposta é originária do Senado, segue agora para sanção presidencial.

As federações partidárias poderão ser formadas a partir da reunião de dois ou mais partidos e devem ter registros próprios junto ao Tribunal Superior Eleitoral. Com a proibição das coligações e a manutenção das cláusulas de barreira, a mudança pode ser a tábua de salvação para pequenas e algumas médias legendas.

Mas o que muda de fato e qual a diferença entre federação partidária e coligação?

Muda muita coisa. Diferentemente das coligações, quando a unidade entre os partidos era momentânea, com foco apenas no processo eleitoral, nas federações partidárias “o casamento” é mais duradouro. Começa nas convenções e permanece durante todo o mandato.

Mas se uma legenda quiser sair da federação após as eleições? A legislação prevê punição com a perda do horário eleitoral gratuito e a proibição de integrar outra federação nas duas eleições seguintes, além de ficar sem fundo partidário e eleitoral até completar o prazo mínimo remanescente.

Uma inovação do texto é a possibilidade de perda do mandato do presidente, senador, governador ou prefeito, ou seja, de qualquer detentor de cargo eletivo majoritário, que se desfiliar, sem justa causa, de partido que integra federação. Também é proibida a formação de federação após o prazo de realização das convenções partidárias.

Serão aplicadas à federação de partidos todas as normas sobre as atividades dos partidos políticos nas eleições, como escolha e registro de candidatos; arrecadação e aplicação de recursos em campanhas eleitorais; propaganda eleitoral; e prestação de contas e convocação de suplentes.

Da mesma forma, serão aplicadas à federação as normas quanto ao funcionamento parlamentar e à fidelidade partidária. Entretanto, serão asseguradas a identidade e a autonomia dos partidos integrantes. Ao ser criada, a federação apresentará estatuto próprio, regulando as regras internas, como a escolha e o registro de candidatos.

As federações são nacionais. Como ficam os municípios?

Para registro de uma federação, os partidos devem encaminhar ao TSE cópia da resolução tomada pela maioria absoluta dos membros dos órgãos de deliberação nacional e cópias do programa e do estatuto comuns do bloco constituído. Será necessária ainda a ata de eleição do órgão de direção nacional da federação recém-criada.

Como terá âmbito nacional, a federação com um candidato a presidente obrigatoriamente engessará as articulações nos estados, retomando assim a ideia de verticalização nas uniões entre partidos. No caso das eleições municipais, a serem realizadas dois anos após a formação das federações nacionais, a nova legislação é omissa, mas deve seguir o curso.

Para o advogado Rodrigo Esteves, especialista em direito público, as federações, pela proposta aprovada, “são, sim, nacionais, com duração de quatro anos”. Dessa forma, “passam a significar, para todos os fins mencionados no texto, como um único partido político, embora preservando, em tese, a autonomia de cada qual”.

Uma vez registrada no TSE, a federação passa a ser um só ente jurídico para finalidades eleitorais e de exercício dos mandatos, inclusive com regras de fidelidade. Isso difere e muito, segundo o advogado, da coligação de partidos (hoje admitida apenas para as eleições majoritárias).

“Logo, a consequência para os municípios é a de que, sendo criada uma federação partidária de nível nacional, as candidaturas locais terão de ser apresentadas dentro dessa mesma lógica. Ou seja, a unidade municipal daquela federação de partidos fará a escolha e o registro dos respectivos candidatos, que pertencem aos respectivos partidos.”

Rodrigo Esteves chama atenção ainda para o fato de que, como somente os órgãos de deliberação nacional de cada partido poderão fazer o registro da federação, restará aos municípios, enquanto não houver federação nacional, as coligações. “E veja que há projeto (aprovado em primeiro turno) para retomar as coligações proporcionais, o que parece ser errado, já que foi em 2017 que foram extintas para as eleições proporcionais.”

Medida é autopreservação da classe política

Se o advogado Rodrigo Esteves considera a ideia de retomada das coligações como algo errado, o cientista político Diogo Tourino, da Universidade Federal de Viçosa (UFV), vê mais do mesmo nas federações partidárias. Para ele, a novidade aprovada pelo Congresso é fruto do instinto de autopreservação da classe política.

“A criação das federações partidárias nada mais é do que a classe política ativando seu instinto mais primitivo, que é o instinto de autopreservação, de sobrevivência. A ideia que passa é a de que estão encontrando mecanismos para, digamos, manter o retrocesso, mas sem acabar com a cláusula de barreira, que poderia lhes render a pecha de retrógados”, avalia.

Para Tourino, as medidas implementadas nos últimos anos, como a cláusula de barreira e o fim das coligações, atuaram no sentido de tornar o cenário político eleitoral mais operacionalizável na cabeça do eleitor. “Há o problema cognitivo para o eleitor que precisa operar escolhas em um processo de votação que lida com uma infinidade de legendas e candidatos.”

Outra questão, segundo ele, de ordem mais estrutural, envolve os recursos públicos empenhados na manutenção dos partidos e no processo eleitoral. “Os gastos de um partido são um negócio assustador. Tem legenda que o fundo partidário serve basicamente para sustentar a burocracia partidária. O dirigente recebe o fundo partidário, aluga um jatinho e um carro para servir a burocracia. O fundo é usado basicamente para isso.”

Manter essas regalias e restabelecer o “balcão de negócios dos caciques partidários nos municípios”, dando sobrevida aos pequenos partidos, foram os objetivos das federações partidárias, segundo o cientista político. “Quando se vê a articulação do

(presidente da Câmara) Arthur Lira (PP) fica muito evidente que é um modo de autopreservação. O nome é bonito, federação partidária, mas na prática é tornar a cláusula de barreira ineficiente.”

Mesmo a aliança entre os partidos sendo mais duradoura, com aposta em afinidades ideológicas, não justifica a proposta, conforme Tourino. “Os partidos vão poder se unir por afinidade ideológica. É isso que vai acontecer? Afinidade ideológica? Todo mundo sabe que a afinidade é algo que vai se tornando rarefeito quando vem do nacional para o municipal. O que mais acontecia nos municípios (quando as coligações estavam liberadas) era ver partidos nacionalmente brigando pela presidência e no município se coligando para disputa pela prefeitura e câmaras de vereadores”.

Modelo pode servir como transição

O cientista político Fernando Perlatto, da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), concorda quanto à sobrevida aos pequenos e médios partidos embutida na ideia da federação partidária. Mas, antes, ele explica que o fim das coligações não pode ser sinônimo de extinção das pequenas siglas. “Na verdade, os partidos não deixam de existir. Podem continuar existindo, mas não terão acesso aos recursos públicos, como fundo partidário, e ao tempo de televisão.”

Sobre as federações especificamente, ele considera que o partido sem condições de alcançar a cláusula de barreira, que caminharia para uma fusão, vai conseguir sobreviver. “Você pega, por exemplo, o PCdoB. Que era um partido que teoricamente, no atual cenário, teria dificuldade para alcançar cláusula de barreira e deixaria de receber esses recursos públicos. Naturalmente ele teria que se juntar a outro partido.”

Perlatto explica que os defensores da ideia de federação partidária trabalham na perspectiva de diferenciação do modelo em relação às coligações. Nesse sentido, a proposta aprovada pelo Congresso, pelo menos em sua concepção, carrega um viés mais ideológico do que uma coligação pensada exclusivamente para um processo eleitoral.

“A federação partidária nesse caso não seria aquele tipo de aliança pontual, visando somente um processo eleitoral, mas teria uma perspectiva um pouco mais orgânica e ideológica. Acho até interessante pelo menos na perspectiva de um modelo de transição”, avalia o cientista político. Se as federações forem, de fato, pautadas pelas perspectivas mais ideológicas dos partidos, unindo aqueles com mais afinidades, Perlatto considera até mesmo a permanência do modelo. “Não deixa de ser um instrumento político interessante.”