Desde o primeiro trimestre de 2020, o ano que não terminou, venho tentando criar uma rotina para manter a saúde mental. Tentei garantir um espaço no dia dedicado para melhorias na casa, cultivo de um jardim, pinturas de paredes… Durou alguns meses. Tentei também incluir na rotina diária a atividade física realizada com disciplina. Foram algumas caminhadas e outras tantas subidas de escada e… … nem lembro mais!
Na tentativa de manter uma rotina disciplinada, com horários estabelecidos para atividades fixas, experimentei muitas atividades. E só essa semana me dei conta de que apenas uma delas permanece constante: tenho aprendido uma coisa nova todos os dias. Descobri palestras, cursos e podcasts que me permitem a distração das tarefas domésticas (que detesto, sem distinção).
Se é para lavar louça e dobrar pilhas de roupas, decidi realizar essas atividades ouvindo Ana Cláudia Quintana, uma médica especialista em cuidados paliativos, ensinar sobre a importância do cuidar. Felizmente não conheço ninguém que esteja em cuidados paliativos, mas já conheci. E não estava pronta para cuidar. Embora os vídeos que ouço agora (é difícil ter tempo de parar para assistir, tudo para mim vira “rádio”) tenham sido postados há cinco ou seis anos, eu estava preocupada demais em aprender o conteúdo que me oferecia utilidade prática e imediata. Aprendizado instrumental.
E assim, perdi a chance conhecer mais sobre filosofia e ética, conteúdos que tenho ouvido, enquanto monto e organizo dezenas de planilhas, de forma extremamente didática pela filósofa Ana Lúcia Galvão. Com ela também parei para refletir sobre a possiblidade de, sim, ao contrário do que ouvi grande parte da vida, ser consciente e feliz ao mesmo tempo. Repensar minha postura diante dos infortúnios e injustiças sociais, exercitar o controle sobre a mente e, consequentemente, sobre a minha forma de reação à realidade que vivemos.
Quando a gente aprende o prazer, supera qualquer dificuldade. Aprender é um privilégio do qual não devemos nos privar.
Nesse último ano, fiz questão de topar, quase todos, os convites. Participar de bate-papos com alunos de outras instituições, de outros cursos, assistir a lives sobre identidade negra e mídia, gravei podcasts compartilhando as experiências de uma pesquisadora negra no Brasil. Li reportagens, enquanto fazia meu filho dormir, sobre mães que se arrependem da maternidade, sem fazer julgamento de valor. Aceitei o convite para atuar como colunista no projeto corajoso do “O Pharol”, que nasce com um time do qual me orgulho muito em fazer parte.
A única constante neste tempo de incerteza foi o aprendizado diário. Sempre repeti em sala de aula para os alunos sobre como aprendemos melhor quando temos prazer no processo. Mas, confesso, nem sempre encontrava tempo para aprender coisas novas. O conforto de estar no lugar onde nossa ignorância não esteja tão evidente costuma mesmo nos seduzir. Mas esse é um risco grande demais para corremos. Afinal, não chegamos no local em que estamos por acaso.
Lidar com a nossa ignorância, lidar com o mal-estar da incompreensão de outros, perguntar diversas vezes o que para muitos parece óbvio não é uma das tarefas mais fáceis. Mas, ah… Quando a gente aprende o prazer, supera qualquer dificuldade. Aprender é um privilégio do qual não devemos nos privar.
Aprender sobre racismo estrutural com o professor Silvio Almeida, sobre a diversidade com a comprometida Júlia Pessoa, sobre a conjuntura política local ao ler com atenção os textos do tarimbado Ricardo Miranda, desvendar as armadilhas da arquitetura hostil pelas palavras precisas de Flávia Lopes, permitir que Zilvan Martins me apresentasse a história da Vila da Prata.
Deixei de lado alguns ranços (embora mantenha outros com vigor rs…), experimentei receitas que prometia fazer faz tempo, reconheci o prazer que é ouvir a voz de quem a gente gosta, experimentei o alívio de não ter que encaixar um corpo acima do peso no figurino que passaria batido por olhares que nos pesam todo o tempo, afinal, agora só existimos publicamente da cintura para cima. Vocês não imaginam o que isso significa para quem não é amigo da balança. Usei o tempo que gastava escolhendo a blusa mais larga, a calça mais escura, o sapato mais confortável (mas que não seja demais), para ficar um tempo a mais espreguiçada no sol. Aprendi que dá para trabalhar de cabelo preso, com a unha feita por mim mesma, com os pés descalços sentindo o tapete macio.
Mas ainda falta muito para aprender. Uma imensidão de coisas. Desde que é possível trabalhar sem passar perfume (não consigo acreditar que seja possível) a descobrir porque pessoas tão brilhantes em suas colocações e posicionamentos políticos e sociais não se reúnem, não se respeitam, não se promovem… E na lista do que preciso aprender, coloco ainda a razão pela qual algumas pessoas abrem mão do privilégio de terminar o dia tendo aprendido algo novo. Perdendo a chance de experimentar a sensação daquele click que só acontece quando a gente junta lé com cré. Esse privilégio ainda não tive. Quem sabe amanhã!