Contexto

Juiz de Fora nas teorias da conspiração da facada em Bolsonaro

Adélio agiu sozinho? Comunistas de Juiz de Fora o ajudaram? Por que a camisa de Bolsonaro não sujou? (Fotos: Felipe Couri)

Há uma teoria, talvez da conspiração, que coloca Juiz de Fora na rota de uma série de acontecimentos que mudaram os rumos políticos do país. Algumas vezes, a cidade ou seus personagens tiveram protagonismo. Em outras, foi justamente a ausência do protagonismo juiz-forano o determinante para os rumos dos eventos.

No dia da proclamação da República, dom Pedro II estava com a família em Petrópolis. Hesitante, foi orientado pelo governador da Bahia, Hermes Ernesto da Fonseca, irmão do marechal Deodoro e pai do futuro presidente Hermes da Fonseca, que se alojasse em Juiz de Fora, onde tropas seriam organizadas para resistir ao golpe republicano.

Em 1930, seria presidente, na lógica do revezamento café com leite, Antônio Carlos Andrada, que construiu sua vida pública em Juiz de Fora. Mas o paulista Washington Luís impôs outro nome de São Paulo: Júlio Prestes. Na fazenda Fortaleza de Sant’Anna, da família Tostes, o velho Andrada articulou a chamada Revolução de 1930.

Foi de Juiz de Fora, na madrugada de 31 de março de 1964, que o general Olympio Mourão Filho deu início ao movimento de tropas com a missão de destituir João Goulart. Com discurso conspiratório sobre a ameaça comunista, ele iniciou o golpe ao mandar às ruas seis mil homens em direção ao estado da Guanabara.

Itamar Franco era o vice dos sonhos de Leonel Brizola e Mário Covas. Um dia, conta Murílio Hingel, reuniu seu grupo e anunciou que caminharia com Fernando Collor, governador de Alagoas. Ao saber da definição, um político do nordeste foi até Collor: “O Itamar tem a estrela maior do que a de Belém. Se for seu vice, você não termina o mandato”.

Juiz de Fora voltaria ao roteiro político nacional em 2018, com o atentado a faca contra Jair Bolsonaro, candidato a presidente da República, praticado por Adélio Bispo. Pela forma como aconteceu, no coração da cidade em plena luz do dia, e pelas suas implicações na campanha, com a eleição de Bolsonaro, o episódio é o mais emblemático na sina juiz-forana de atravessar os destinos da nação.

Se dom Pedro II tivesse acatado o apelo de Hermes da Fonseca e descido para Juiz de Fora, a monarquia teria resistido? Com Antônio Carlos presidente em 1930, como estaria hoje Juiz de Fora? E se o general Mourão não tivesse movimentado as tropas? Itamar Franco teria elegido Brizola ou Covas com seu apoio? E Bolsonaro? Seria eleito sem a facada?

Assim começam as teorias da conspiração. Para os psicólogos que se ocupam em estudar esse tipo de fenômeno, o problema está no ser humano e sua necessidade de explicar por que as coisas acontecem, de dar causas para os efeitos. Mas, cá entre nós, por que Juiz de Fora está sempre no meio do caminho da política brasileira? Ou seria o contrário?

Mas e a facada hein?!

Historiadores e cientistas sociais têm se debruçado, com excelentes resultados, sobre dom Pedro II, Antônio Carlos, Olympio Mourão e mesmo Itamar Franco, embora, nesse caso, bem menos do que se devia. Ainda assim, há muita história ainda a ser contada e muito a ser conhecido ou reconhecido.

Quanto a Bolsonaro, sobram perguntas do seu passado, do seu presente e do seu futuro. No caso específico da facada, muita coisa já foi revelada pelas investigações. Restam algumas questões envolvendo a defesa de Adélio. Por que foi tão prestativa em se tratando de ilustre pobre desconhecido? Quem paga a conta? Por que não transferem Adélio?

Sobre o impacto da facada na eleição de Bolsonaro, se foi ou não determinante e em que medida, o cientista político Jairo Nicolau, autor do livro “O Brasil dobrou à direita”, é categórico em afirmar que não existem dados disponíveis para indicar com exatidão o quanto o atentado contribuiu para o crescimento de Bolsonaro.

Para ele, o candidato do PSL vinha num movimento de ascensão antes do evento em Juiz de Fora, mas “a facada foi decisiva para torná-lo conhecido em âmbito nacional”, disse em entrevista ao El País. Além disso, o episódio gerou comoção nacional que implicou vantagens, como a de evitar debates televisivos e encenar vitimizações.

Essas vitimizações e as vantagens auferidas são prato cheio para apoiadores e adversários, respectivamente, verem muito além dos fatos. Mas, para ficar no que já sabe sobre o episódio da facada que completa três anos, O Pharol reuniu as principais teorias da conspiração envolvendo personagens de Juiz de Fora.

As apurações feitas até hoje ajudaram a desmistificar coisas do arco da velha. Adélio não trabalhou no Bahamas e nem tem nenhum parente trabalhando na Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF). Ele muito provavelmente frequentava o restaurante popular e não fez amigos na pensão onde se hospedou e nem mesmo na cidade.

Por que Adélio tentou matar Bolsonaro em Juiz de Fora? Adélio desembarcou em Juiz de Fora vindo de Florianópolis no dia 19 de agosto. Por aqui, trabalhou como garçom por quatro dias em um restaurante na região central. Quando soube da vinda de Bolsonaro à cidade, começou a planejar o crime. Alegou ter ouvido a voz de Deus e que foi a mando dele que tentou matar o candidato, para “proteger o Brasil”. Na prisão, laudo médico concluiu que Adélio é portador de doença mental ativa, apresentando transtorno delirante persistente (paranoia).

A camisa de Bolsonaro não sujou de sangue. Uma médica e um médico plantonistas da Santa Casa de Juiz de Fora, responsáveis pelo primeiro atendimento no ambulatório de emergência, em relato à Polícia Federal, explicam que não havia sangramento no local, que o abdômen estava muito duro e o paciente relatava dor e desconhecia o que havia acontecido. Achava ter sido agredido por um soco muito forte. Entretanto, o corte na região da barriga indicava algo mais grave. A médica explicou aos investigadores que, por se tratar de lesão vascular venosa em raiz mesentério, o sangramento vai para a região do peritônio, ficando retido no abdômen, portanto, não aparente externamente.

Adélio teve ajuda de alguém ou algum grupo de Juiz de Fora? Não. A Polícia Federal concluiu que Adélio agiu sozinho, por iniciativa própria, sem mandantes e ajuda de terceiros no ataque a faca ao presidente Bolsonaro. Ele foi responsável tanto pelo planejamento do crime quanto por sua execução. Não foi comprovada a participação de partidos políticos, facções criminosas, grupos terroristas ou mesmo paramilitares em qualquer das fases do crime.

E a história do primo do Adélio que trabalha na terceirizada da UFJF e no dia da facada estava como porteiro no CineTheatro Central? Não há parentes de Adélio em Juiz de Fora. A pessoa apontada como primo de Adélio, de fato, trabalhava em uma empresa terceirizada da UFJF na ocasião, mas sem qualquer relação com o autor da facada. No dia do episódio, ele estava fazendo um “bico” para uma loja no centro. Nesse caso, os teóricos da conspiração aproveitaram o fato de ele ser natural do Norte de Minas, mesma região de Montes Claros, cidade natal de Adélio.

Circulou um vídeo que aparece alguém gritando: Calma, Adélio. Só podia ser alguém que conhecia ele. O vídeo circulou mesmo e foi periciado por peritos criminais da Polícia Federal. As falas são na sua maioria ininteligíveis, com muito barulho no fundo. Mas foi possível concluir que se tratava de uma pessoa pedindo “Calma, véio (velho)”.

Mas e aquelas mortes na pensão onde o Adélio estava aqui em Juiz de Fora? Não era queima de arquivo? Aparecida Maria Costa e Rogério Inácio Villas tiveram suas mortes investigadas. A primeira enfrentava há alguns anos um agressivo câncer. Já o segundo, conforme relato de familiares, possuía graves patologias de ordem cardíaca e respiratória. Antes de vir a óbito, ele já havia sofrido infarto e contraído pneumonia. Seu laudo cadavérico não constatou morte com emprego de veneno, fogo, explosivo, asfixia, tortura ou outro meio insidioso ou cruel.

E a história da mulher de óculos escuros que passou a faca para o Adélio? Adélio não teve ajuda de ninguém. As imagens com a suposta participação de uma mulher de óculos escuros e um segundo comparsa foram analisadas pela Polícia Federal. As duas pessoas foram localizadas e interrogadas. Ambos não aparecem mais juntos em nenhum outro momento e sequer se conheciam. Outras imagens comprovam que Adélio estava durante todo o tempo de posse da faca, que ele comprou ainda quando estava em Santa Catarina. As pessoas apontadas nos vídeos como supostos comparsas de Adélio foram vítimas de linchamento virtual e ameaças.

Teve um “comunista infiltrado” que deu um soco em Bolsonaro no momento que ele era colocado no carro? O homem em questão não é um comunista e muito menos estava infiltrado. Trata-se de um agente da Polícia Federal que compunha a célula de segurança do candidato. Era sua função extrair a vítima do local da facada e levá-la para um ambiente seguro. Todo seu histórico foi analisado e foram afastadas quaisquer suspeitas. Ele também foi vítima de linchamento virtual e ameaças.

Por que os advogados de Adélio são os mesmos dos envolvidos na troca de tiros no estacionamento do Monte Sinai? No dia 19 de outubro de 2018, policiais civis de São Paulo e Juiz de Fora trocaram tiros no estacionamento do Hospital Monte Sinai. Os dois grupos faziam escolta de empresários numa negociação envolvendo cerca de R$ 15 milhões, sendo a maior parte do dinheiro composta por notas falsas. De acordo com a Polícia Federal, não há qualquer elemento que possa vincular ou relacionar a facada em Bolsonaro com esse episódio, a não ser a coincidência do local dos fatos (Juiz de Fora) e a atuação dos mesmos advogados.

A Roberta Lopes, da Direita Minas, entrevistou o advogado de Adélio, que disse ter sido pago pelo mandante da facada. A Roberta Lopes apresentou uma gravação à Polícia Federal com entrevista com o advogado Zanone Manuel de Oliveira Júnior, em que ele afirma que o interessado em guardar segredo sobre quem mandou matar Bolsonaro seria a pessoa que o pagou. Ele também disse que suas despesas de viagem estavam sendo pagas por emissoras de TV. Os investigadores comprovaram a veracidade da entrevista e interrogaram o advogado. Ele explicou então que sua resposta foi em tom de brincadeira, “diante da forma jocosa com que aquela pessoa (Roberta Lopes) se dirigiu a ele, trajando vestimenta da seleção brasileira e faixa presidencial, com o aparelho celular em riste”.

O ex-conselheiro tutelar Abraão Fernandes disse que havia um grupo de esquerda em Juiz de Fora apoiando Adélio. Abraão Fernandes, em depoimento à Polícia Federal, apontou suspeitos que, segundo ele, faziam parte de um grupo contrário a Bolsonaro que se encontrava em um local próximo à Rua Halfeld, sendo que Adélio teria estado com seus integrantes. Os policiais localizaram todos os membros do suposto grupo, apreenderam seus celulares e fizeram interrogatórios. Não foi encontrado nenhum vínculo com Adélio. Ao contrário, tal hipótese ficou patentemente descartada. As imagens de circuitos de segurança no entorno do local onde supostamente se encontrava o grupo também não mostraram nenhuma movimentação, muito menos a presença de Adélio.

É verdade que o Adélio chegou a trabalhar no Supermercado Bahamas? Não. A Polícia Federal, ao periciar os telefones de Adélio, verificou contato com o Supermercado Bahamas. Tratava-se de um agendamento para entrevista de emprego. Ele chegou a ser entrevistado pela equipe da empresa, mas foi reprovado.

Adélio frequentava o restaurante popular de Juiz de Fora? Possivelmente, sim. A Polícia Federal apreendeu os computadores da lan house usada por Adélio. Como havia várias consultas sobre o restaurante popular (horário de funcionamento, preço e cardápios), os investigadores indicaram em relatório se tratar de um provável hábito dele em Juiz de Fora.