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Para fomentar a cultura de todos os cantos da cidade

São cinco editais e R$ 2.040 milhões para fomentar a cultura em todos os cantos de Juiz de Fora. Lançado pela Fundação Cultural Alfredo Ferreira Lage (Funalfa) no início de agosto, o Programa Cultural Murilo Mendes tem recursos do Fundo Municipal de Incentivo à Cultura (Fumic), com um montante recorde nos 26 anos de vigência da Lei Murilo Mendes.

Também de forma inédita, neste ano, os recursos foram segmentados em mais de um edital como forma de facilitar a participação de grupos sociais historicamente com dificuldade de acesso a esse modelo patrocínio cultural. “A ideia é que a gente pudesse ter outra redistribuição desse recurso para incentivar as ações, os fazeres artísticos que já existem em Juiz de Fora”, explica a diretora-geral da Funalfa, Giane Elisa Sales de Almeida.

Os cinco editais do programa ficaram divididos nas categorias: “Cultura da/na Quebrada”, com dotação de R$ 200 mil; “Fernanda Müller de Cultura Trans”, com R$ 200 mil; “Murilão”, com R$ 1 milhão; “Quilombagens”, com R$ 340 mil; e “Pau-Brasil”, com R$ 300 mil.

“Cultura da/na Quebrada” é destinado a projetos que promovam o protagonismo de agendes culturais da periferia e teve suas inscrições encerradas no dia 6 de agosto. Os R$ 200 mil serão distribuídos para 20 projetos selecionados.

Entre os inscritos, está a maquiadora Janaína de Oliveira. Com mais de uma década trabalhando com maquiagem social e há oito anos dedicando-se a projetos audiovisuais, Jana Flor, como é conhecida, é co-criadora, junto ao produtor de moda, styling e dançarino Francisco Silva, do projeto Difference.

Ela conta que nunca havia se inscrito na Lei Murilo Mendes, mas que já participou de trabalhos contemplados na função de maquiadora. “Estamos concorrendo com um projeto fotográfico, voltado para pessoas das comunidades negra, periférica e LGBTQIA+. Um edital como o ‘Cultura da/na Quebrada’ é importante para a arte de pessoas independente de raça e gênero”.

Jana Flor e Francisco Silva : “Trabalhar com a autoestima de pessoas simples e comuns ” (Foto: Arquivo pessoal)

Moradora do bairro Santa Luzia, Jana Flor cobra maior divulgação de editais públicos nas comunidades e explica como será seu projeto. “Queremos trabalhar com a autoestima de pessoas simples e comuns, mostrando que não temos padrões para exaltar a beleza.”

A gerente interina do Departamento de Recursos Compartilhados da Funalfa, Fernanda Amaral, conta que a equipe do da fundação teve uma agradável surpresa com o fim das inscrições do “Cultura da/na Quebrada”. Dos 109 inscritos, apenas três haviam participado anteriormente de seleções da Lei Murilo Mendes. “Este é um número bastante satisfatório, tendo em vista que é um público que tradicionalmente não estava habituado a entrar em editais. Olhando o mapa dos inscritos, vemos como foi abrangente e alcançou todos os territórios”.

“Tem muito talento escondido”

Com visibilidade nacional, MC Xuxú se inscreveu em uma oportunidade na Lei Murilo Mendes. A cantora conta que foi contemplada com o trabalho “Tô no Comando”, exibido no YouTube. Hoje, o canal de MC Xuxú na plataforma on-line conta com 45 mil inscritos e, nele, o público pode conferir, para além das músicas da cantora, dicas de beleza para trans e travestis.

MC Xuxú considera o apoio do poder público como uma luz na dura vida nas ruas. “É muito importante ter o apoio do governo para a gente que é travesti. Noventa por cento de nós estão nas esquinas, lugar para onde nos empurram, programado para as travestis. Então, quando aparecem oportunidades assim, isso me enche de esperança. Só quem trabalha na noite, quem precisa da rua pra sobreviver e se alimentar, sabe o quão árdua é a profissão de garota de programa”.

O edital “Fernanda Müller de Cultura Trans” é uma homenagem à multiartista travesti e ativista das pautas LGBTQIA+ falecida aos 41 anos, em 5 de julho de 2013. Fernanda Müller dirigiu espetáculos musicais e teatrais, além de casas noturnas juiz-foranas voltadas para o público LGBTQIA+. Foi rainha de bateria de tradicionais escolas de samba da cidade, como a Turunas do Riachuelo e Unidos do Ladeira e foi presença marcante em eventos ligados ao carnaval.

As inscrições para o segundo edital lançado pela Funalfa vão até o dia 19 de setembro. Podem se inscrever maiores de 16 anos, residentes em Juiz de Fora há pelo menos um ano. Quinze propostas serão contempladas, divididas em três categorias: oito propostas individuais, com teto de R$ 10 mil; quatro propostas envolvendo duas ou três pessoas, com o valor de R$ 15 mil; e três para coletividades com mais de três integrantes, com a importância de R$ 20 mil.

Criações audiovisuais, teatrais, de dança, literatura, música, moda, performances, artesanato, artes visuais ou qualquer outra que valorize a cultura e/ou a comunidade trans fazem parte do escopo de projetos aceitos no edital Fernanda Müller. Podem se inscrever pessoas da comunidade transgênera, travesti, não-binária, queers, agêneros e artistas cis que performam drag queen ou king, explica Fernanda Amaral.

A abrangência da proposta incomodou alguns setores. MC Xuxú considera que alguns aspectos podem ser revistos na segunda edição. “Pessoas que trabalham com arte drag, pessoas cis, podem ser contempladas. Apesar de ter concordado com esta iniciativa quando fui consultada, na criação do edital, hoje, junto com o movimento de travestis de Juiz de Fora, estou conversando pra conseguir vetar isso numa segunda edição do Fernanda Müller.”

Murilão já está na área

As inscrições para o Murilão, com orçamento de R$ 1 milhão, começam nessa sexta-feira (17). A maior fatia dos recursos do programa é destinada à ampla concorrência no que era conhecido anteriormente como Lei Murilo Mendes. Caso tenham interesse, proponentes dos outros quatro editais ainda podem se inscrever também nesse.

Os interessados têm até o dia 2 de outubro, com atendimento agendado pelo WhatsApp 98447-0403, na modalidade presencial. Já as inscrições on-line serão encerradas às 23h59 do dia 3 de outubro e podem ser formalizadas pela plataforma Prefeitura Ágil, via aplicativo “1Doc”, ou através do site.

“Se uma pessoa que mora em território periférico, por exemplo, tem um projeto mais robusto, que exige um recurso maior, ela pode acessar o Murilão, porque em todos os editais as pessoas vão perceber a presença das ações afirmativas, dos critérios de pontuação diferenciada para projetos voltados para as minorias”, explica Fernanda Amaral.

O Murilão conta com três faixas de recursos, com o valor líquido na categoria 3 de R$ 35.380,64, e de R$ 22.619.36 na categoria 2 e de R$ 11.744,36 na categoria 1. Cada uma das nove regiões do território de Juiz de Fora, deverá ser contemplada com no mínimo 5% do total dos projetos contemplados.

O pedagogo e professor Fernando Valério, conselheiro titular da cadeira de artes cênicas do Concult, disse que o órgão atuou na elaboração dos editais do Programa Cultural Murilo Mendes por meio de um grupo de trabalho. “Editais como esses são necessários não só para a descentralização, mas para a ampliação da oferta de produtos culturais produzidos na cidade.”

Fernando Valério: “Ampliar a oferta de produtos culturais” (Foto: Divulgação)

Fernando Valério lembra que, enquanto proponente, nunca foi selecionado em outras edições da Lei Murilo Mendes. Assim como Jana Flor, apenas fez parte de projetos contemplados em anos anteriores, como integrante da ficha técnica de espetáculos teatrais.

Giane Elisa revela que os editais “Cultura da/na Quebrada”, “Fernanda Müller de Cultura Trans” e também o “Quilombagens” e “Pau-Brasil”, que serão lançados após o Murilão, servem como diagnósticos para a Funalfa fazer um levantamento do que tem sido produzido nas regiões periféricas da cidade e por artistas que fazem parte de grupos minoritários.

Em 2022, “Quilombagens” e “Pau-Brasil”

Os últimos dois editais a serem lançados ainda este ano, mas com possível execução para o ano de 2022, são o “Quilombagens”, com verba de R$ 340 mil, que já existia com a alcunha de “Consciência Negra”, e o “Pau-Brasil”, de R$ 300 mil.

O primeiro será voltado especificamente para a movimentação do quilombo enquanto território inventivo, a partir das experiências da diáspora negra em Juiz de Fora, no Brasil e no mundo. Já o “Pau-Brasil”, que também será de ampla concorrência, será voltado para projetos que homenageiem os 100 anos da Semana de Arte Moderna de 1922.

Perguntada sobre como vê a cultura juiz-forana produzida por grupos minoritários, Giane finaliza: “Quando a gente fala do público T, por exemplo, pensamos num público altamente prejudicado por conta das questões sanitárias. São as drag queens que deixaram de fazer seus shows, são os grupos de voguing que deixaram de se apresentar. Na periferia, ainda percebemos como as pessoas das periferias não se reconheciam como artistas e fazedores de cultura. Os editais ajudam nesse sentido. E isso mostra a Funalfa chegando a lugares onde ela não chegava”.

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