Conjuntura

180 mil crianças e adolescentes sofreram violência sexual nos últimos quatro anos no Brasil

35 mil crianças e adolescentes foram mortos de forma violenta no Brasil (Foto:UNICEF/BRZ/Luiz Marques)

A infância e a adolescência marcadas pela violência dentro e fora de casa.  Esse é o retrato do Brasil revelado pelo Panorama da Violência Letal e Sexual contra Crianças e Adolescentes no Brasil, lançado nesta sexta-feira (22) pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) e pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), com uma análise inédita dos boletins de ocorrência das 27 unidades da Federação.

A violência sexual, crime registrado prioritariamente na infância e no início da adolescência, vitimou 179.277 meninas e meninos entre 2017 e 2020, em uma média de quase 45 mil casos por ano. Crianças de até 10 anos representam 62 mil das vítimas nesses quatro anos, ou seja, um terço do total.

A grande maioria das vítimas de violência sexual é menina, com quase 80% do total. O número mais alto de casos envolve vítimas entre 10 e 14 anos de idade, sendo 13 anos a idade mais frequente. No caso dos meninos, o crime se concentra na infância, especialmente entre três e nove anos de idade.

A maioria dos casos de violência sexual contra meninas e meninos ocorre na residência da vítima e, para os casos em que há informações sobre a autoria dos crimes, 86% dos autores eram conhecidos.  Em 2020, por conta da pandemia de Covid-19, houve uma queda no número de registros de violência sexual contra crianças e adolescentes.

Para os pesquisadores, como nesse período as medidas de isolamento social estavam mais fortes, a redução provavelmente se explica pelo aumento de subnotificação. A análise mês a mês dos dados não demonstram, de fato, uma redução das ocorrências.

Mortes violentas dizimaram 35 mil crianças e adolescentes

No período de cinco anos, entre 2016 e 2020, 35 mil crianças e adolescentes de 0 a 19 anos foram mortos de forma violenta no Brasil, perfazendo uma média de sete mil por ano. A violência é praticada de acordo com a idade da vítima. Crianças morrem, com frequência, em decorrência da violência doméstica, perpetrada por um agressor conhecido.

O mesmo vale para a violência sexual contra elas, cometida dentro de casa, por pessoas próximas. Já os adolescentes morrem, majoritariamente, fora de casa, vítimas da violência armada urbana e do racismo. É nessa faixa etária que está a maioria das vítimas de mortes violentas.

35 mil mortes violentas de pessoas até 19 anos identificadas entre 2016 e 2020, mais de 31 mil tinham entre 15 e 19 anos. A violência letal, nos estados com dados disponíveis para a série histórica, teve um pico entre 2016 e 2017, e vem caindo, voltando aos patamares dos anos anteriores. Ao mesmo tempo, o número de crianças de até quatro anos vítimas de violência letal aumenta, o que traz um sinal de alerta.

“A violência contra a criança acontece, principalmente, em casa. A violência contra adolescentes acontece na rua, com foco em meninos negros. Embora sejam fenômenos complementares e simultâneos, é crucial entendê-los também em suas diferenças, para desenhar políticas públicas efetivas de prevenção e resposta às violências”, afirma Florence Bauer, representante do UNICEF no Brasil.

Já Samira Bueno, diretora executiva do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, chama atenção para a gravidade do problema envolvendo a violência contra crianças e adolescentes e a necessidade de debater a questão no país.  “São vítimas dentro de suas próprias casas enquanto são pequenas e sofrem com a violência nas ruas quando chegam à pré-adolescência. O poder público precisa encarar a questão com seriedade e evitar que mais vidas sejam perdidas a cada ano.”

Violência armada: um crime contra o adolescente negro

As principais vítimas de mortes violentas, em qualquer faixa etária, são os meninos negros. Esse perfil, no entanto, se intensifica ainda mais na adolescência. Para os meninos, a faixa etária dos 10 aos 14 anos marca a transição da violência doméstica para a prevalência da violência urbana. Nessa idade, começam a predominar mortes fora de casa, por arma de fogo e com autor desconhecido.

Quando os adolescentes chegam à faixa etária de 15 a 19 anos, essa transição no perfil da violência letal está consolidada. As mortes violentas têm alvo específico: mais de 90% das vítimas são meninos, e 80% são negros. O número de mortes violentas de adolescentes de 15 a 19 anos caiu de 6.505 em 2016 para 4.481 em 2020, nos 18 estados em que há dados completos de série histórica.

Mortes por intervenção policial

Esses meninos, pretos e pardos, morrem fora de casa, por armas de fogo e, em uma proporção significativa, são vítimas de intervenção policial. Embora a principal causa de mortes violentas na faixa etária de 10 a 19 anos seja os homicídios dolosos, ano após ano as mortes decorrentes de intervenção policial vêm crescendo.

Em 2020, nos 24 estados em que os dados foram disponibilizados (exceções são Bahia, Distrito Federal e Goiás), um total de 787 mortes de crianças e adolescentes de 10 a 19 anos foi identificado como mortes decorrentes de intervenção policial (MDIP). Esse número representa 15% do total das mortes violentas intencionais nessa faixa etária, e indica uma média de mais de duas mortes por dia no país.

A necessidade de prevenir e responder à violência

Diante desse cenário, há medidas fundamentais que precisam ser priorizadas no país, com foco em prevenir atos de violência letal e sexual contra crianças e adolescentes, e em dar respostas a esses crimes. Essas respostas pressupõem um olhar específico para as diferentes etapas de vida e para as diferentes formas de violência mais prevalentes em cada momento da infância e na adolescência.

Entre as principais recomendações, o FBSP e UNICEF apontam a necessidade de não justificar nem banalizar a violência; capacitar os profissionais que trabalham com crianças e adolescentes; investir em protocolos, treinamentos e práticas voltadas à proteção de meninas e meninos; garantir a permanência de crianças e adolescentes na escola; ampliar o conhecimento de meninas e meninos sobre seus direitos e os riscos da violência; garantir prioridade nas investigações sobre violências contra crianças e adolescentes; e investir no monitoramento e na geração de evidências.

Os dados desse Panorama foram obtidos pelo FBSP, por meio da Lei de Acesso à Informação. Foram solicitados a cada estado brasileiro os dados de boletins de ocorrência dos últimos cinco anos, referentes a mortes violentas intencionais (homicídio doloso; feminicídio; latrocínio; lesão corporal seguida de morte; e mortes decorrentes de intervenção policial) e violência sexual (estupros e estupros de vulneráveis) contra crianças e adolescentes.