Pai só é pai por cinco dias. Tá na lei. Na Constituição, ou no que resta dela. Tá faltando reforma nesse troço, porque cinco dias é muito. Devia tá escrito lá: pai só tem licença até o bebê ter alta do hospital e mais um dia, suficiente pra registrar a criança no cartório com o nome esdrúxulo que ele quiser e surpreender a mãe.
Porque pai não é necessário pra amamentar, trocar fralda, lavar roupa, fazer dormir, aplacar choro, cozinhar pra mãe, deixar que ela tome banho, respire, descanse entre um amamentar e outro. Pai não serve pra nada.
Tem um pessoal aí que fala que pai tem que trabalhar pra sustentar a família, colocar dinheiro dentro de casa enquanto a parideira embala Mateus. Raciocínio bem lógico, ainda mais quando uns casos correm soltos por aí.
Outro dia (me contaram) morreu o tio de uma conhecida. Vivia na merda numa roça, negando ajuda de quem quer que fosse, perdeu a esposa por falta de tratamento de saúde e deixou um testamento de muitos zeros poucos meses depois. Também declinou de tratamento de câncer. Dinheiro tinha, mas não serviu pra ele.
História dessas de dinheiro que fica pra geração futura não falta, é isso que a legislação quer: macho alfa enchendo os cofres da família enquanto a fêmea ômega chora e dá leite pra cria.
Machismo é foda.
O macho alfa tá lá, tomando cerveja e dizendo que teve um filhão que nasceu com aquilo roxo. Chega em casa e tem nojo, medo, ignorância na hora de trocar uma fralda. Macho alfa, por favor, reinvente-se.
Esse macho alfa ainda quer chegar em casa depois do trabalho e encontrar o papá, digo, o jantar pronto e servido na hora que ele sai do banho. Se a mãe da criança que não conseguiu se virar o dia todo não fizer isso, a culpa ainda é da mãe da mãe da criança, ou da mãe dele, que se foda ela, porque ele já é grande e ela tem experiência pra ajudar a criar a cria dele.
O fato: é muito fácil não ser pai.
Mãe não tem escolha, tem leite vazando do peito, sangue vazando da… por baixo, amor vazando do coração. Se não tiver o amor, pelo menos o resto tem e quando deixa a cria num canto pra cuidar depois ou num abrigo pra adoção, ainda sangra e ainda leita.
O pai pode jogar bola durante o parto.
Se larga mão e vai acompanhar, é pai. Se fica perto e segura a mão ou faz qualquer coisa, é pai. Se vai trabalhar com a consciência tranquila e chega em casa pra ser pai, já não é tão pai assim. Aí o paizão vai comemorar com os amigos quando o filhão faz o primeiro gol na escolinha de futebol ou a filhona faz a primeira apresentação na escola de balé (porque o contrário não pode, né?). Beleza, paizão, seu DNA fez um gol ou um pliê, mas se você não tava lá antes, você é um pai de merda. Torça pra sua cria fazer teatro, onde merda é sinônimo de sucesso.
A maior parte dos legisladores não é pai, desses que é 50% dono da cria. No DNA pode ser, mas na vida, larga pra mãe o que pode e segue pra ser gauche na vida. Mentira, vai ser droite, porque esse escrotismo é de direita. Quanto mais à direita o pensamento do escroto, mais o olhar é voltado pro próprio umbigo e menos pro umbigo da criança, que tá prestes a cair. Quanto mais à direita é voltado o olhar do pai de direita, menos percebe que os olhos da cria recém-nascida precisam de estímulos sonoros antes de entenderem o que as sombras que ele traz significam. Quanto mais à direita é o nariz desse pai, mais sente o cheiro de merda que consome fraldas e menos se interessa pelo cheiro de inocência que um bebê tem. É isso que a direita faz, mata a inocência do mundo.
Uma criança pode ser tudo, ela é tudo: por mais que a vistam com bandeiras, times, cores, moedas, vontades, valores, ela é criança. Ela é e continuará sendo criança, até crescer. O pai pode estar presente e ser parte desse crescimento. A mãe estará, provavelmente. E se a criança crescer pro lado errado e começar a transformar em palavras a merda que faz, é porque alguém, pai ou mãe, esqueceu de pensar no próximo e no futuro. Por isso o pai precisar participar e a legislação que entende isso é menos machista. Pai que culpa o filho pelas escolhas erradas tem grande chance de não ter sido presente, de ter sido covarde, de ter sido ausente. De não ter sido pai.