Polytheama

Torquato Neto e a experiência de três românticos

Los Românticos Experience: André Monteiro (piano digital), Edmon Neto (bateria) e Bruno Tuler (baixo) (Foto: Divulgação)

No dia 9 de novembro, o poeta e letrista Torquato Neto comemoraria 77 anos. Ícone do movimento poético-musical tropicalista do final dos anos 60 e da contracultura do início da década de 70, participou ativamente do surgimento do chamado Cinema Marginal brasileiro e influenciou, no campo da poesia, a Geração Mimeógrafo. Foi um dos artistas envolvidas, por exemplo, no clássico “Tropicalia ou Panis et Circencis”, álbum lançado em julho de 1968, que contou com a participação de Caetano Veloso, Gilberto Gil, Gal Costa, Nara Leão, Os Mutantes e Tom Zé, do também poeta Capinam e do maestro Rogério Duprat.

 Torquato Neto se suicidou na madrugada do dia 10 de novembro de 1972, 28 anos e um dia depois de seu nascimento na cidade de Teresina, Piauí. O fato fez com que o multiartista entrasse para a história das artes brasileiras como o obscuro “anjo torto” e suicida do tropicalismo. Mas é preciso pensar o poeta como um dos grandes entusiastas da contracultura e de quaisquer manifestações de resistência à opressão, à obediência e ao controle. Nas palavras do próprio Torquato, na obra “Ocupar Espaço”, de 1971, é preciso “espantar a caretice: tomar o lugar: manter o arco: os pés no chão: um dia depois do outro”.

É para homenagear Torquato Neto que, no último dia 9 de novembro, os Los Romanticos Experience lançaram no YouTube um videoclipe potético dirigido por Patrícia Almeida e com argumento de André Monteiro. A primeira canção gravada pelo grupo, formado pelos artistas André Monteiro, Bruno Tuler e Edmon Neto, é “Todo dia é dia D”. No videoclipe, imagens dos membros da banda mesclam-se com trechos dos filmes “Terror da Vermelha”, dirigido por Torquato em 1972, e “Nosfetaro no Brasil”, protagonizado pelo artista e dirigido por Ivan Cardoso em 1971.

Segundo Bruno Tuler, a escolha por “Todo dia é dia D” se deu diante de uma série de possibilidades, de trabalhos de diversos compositores. “Desse caldeirão, surgiu, a partir do piano do André, uma primeira viagem para a música de Torquato Neto e Carlos Pinto, que foi sendo delineada de forma compulsiva ao longo dos ensaios seguintes, e o resultado é essa versão que está sendo apresentada agora”, explica. Já Edmon Neto comenta que o Tropicalismo, de maneira geral, foi um movimento que sempre esteve presente nos interesses comuns aos três artistas. “A canção ‘Todo dia é dia D’ nos pegou de imediato e, a partir de então, nos debruçamos na construção de um arranjo que tivesse a nossa cara, sem, com isso, desrespeitar a versão original gravada na voz do Gilberto Gil”.

A relação de André Monteiro com Torquato Neto foi determinante para a escolha. Apaixonado pela obra do poeta desde a adolescência, André acabou por estudar o artista e sua produção em uma dissertação de mestrado, publicada em livro, e tese de doutorado.  Também professor do Instituto de Artes e Design (IAD) da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), Monteiro diz que a influência de Torquato sobre Los Romanticos Experience ainda passa pelo caráter experimental das composições próprias do grupo ou das reinvenções de arranjos de composição já existentes.

“O resultado vem sendo uma fusão de rock progressivo, punk rock, tropicalismos, pegadas de jazz, coloridos psicodélicos e outros baratos afins”, lembra André, ainda rememorando que “Todo dia é dia D” foi escolhida de forma despretensiosa durante um ensaio da banda. “Me lembro que, meio bêbado, toquei e cantei a canção meio fora da melodia e da harmonia originais. Edmon e Bruno se encantaram por ela e começamos a trabalhá-la com certa seriedade. Sem desrespeitar a estrutura básica da canção, letra e melodia, começamos a desenhar sobre ela novas camadas de harmonias, melodias, ritmos, arranjos vocais e vários tipos de timbres”.

Los Romanticos Experience

O início da parceria da banda vem da reunião de Bruno Tuler e André Monteiro em outro projeto: a banda Ou Sim, formada em 2009, na qual ambos atuavam como compositores e intérpretes de composições musicais e textos poéticos autorais. Em 2019, lançaram o disco “Ou Sim: música, poesia e outras esquinas”, disponível nas plataformas digitais. Edmon Neto era vocalista da banda S.A Rock’n Roll e do CD homônimo que a banda lançou em 2010 e foi aluno de André na UFJF. Edmon conta que já era fã dos dois e tinha enorme interesse em trabalhar com ambos e que, durante a pandemia, no segundo semestre de 2020, os três passaram a se encontrar em sua casa, onde montou um pequeno estúdio. “Inicialmente, a intenção era aprender juntos a tocar instrumentos com os quais ainda não tínhamos tanta afinidade. Mas a experiência virou um projeto de pesquisa, no qual a gente conseguiu explorar sonoridades que têm a ver com nossas experiências e formações musicais particulares”, relembra.

Assim, mesmo sem dominar por completo o instrumento, André assumiu piano e teclados, Bruno, baixo, e Edmon, bateria. A novidade do atual projeto é justamente o fato de seus três membros experimentarem instrumentos musicais novos para cada um deles. Nesse sentido, o nome traduz perfeitamente o objetivo da banda. Los Romanticos seriam aqueles que fazem música como verdadeiros “amadores”, aqueles que fazem porque amam, que se entregam a uma busca apaixonado por algum conhecimento. Já o termo Experience, além de ser uma referência direta à famosa banda britânica de Jimi Hendrix (The Jimi Hendrix Experience), traduz a vocação experimental da banda e a própria vontade de seus membros de abrirem-se ao desconhecido.

Para além do lançamento do single e do videoclipe de “Todo dia é dia D”, Los Romanticos Experience se prepara um EP, com mais outras três músicas, a ser lançado em fevereiro de 2022. Bruno Tuler diz que as próximas canções estão em processo de mutação e gravação, sendo duas delas autorais. No entanto, André Monteiro faz questão de frisar que o que vem depois é algo imprevisível. “Vamos continuar brincando e nos entregando à, como diria Oswald de Andrade, ‘alegria dos que não sabem e descobrem’”, finaliza.

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