Polytheama

Por que 99% dos visitantes da Bienal do Livro compraram pelo menos uma publicação?

Bienal recebeu 250 mil pessoas durante os dez dias (Foto: Divulgação Bienal/Filmart)

A excitação em voltar a um evento de grande porte estava estampada por trás das máscaras nestes dez dias da 20ª Bienal Internacional do Livro, no Rio. A julgar pela resposta do público e dos expositores, foi considerada pelos organizadores um teste para outras atrações. Recebeu 250 mil visitantes presenciais (mais da metade, entre 18 e 25 anos), sendo 70 mil estudantes, um número bem tímido se comparado aos 600 mil de 2019, mas ainda assim festejado devido ao contexto sanitário. As vendas superaram todas as edições passadas, ao contrário do esperado. De todos que passaram ali, 99% compraram pelo menos um livro. A média foi de oito obras por visitante.

A quantidade de estandes de editoras e livrarias caiu 57%, e a de autores, 40%, mas ainda assim nunca se vendeu tanto livro na feira. A alta pode ser explicada por múltiplos fatores, segundo os livreiros. O primeiro são as promoções agressivas. “É muito surpreendente. Nos impressionou o apetite dos visitantes. A sensação geral era de muita segurança e conforto”, resume Marcos da Veiga Pereira, presidente do Sindicato Nacional dos Editores de Livros (Snel).

Outro fator importante é o investimento da prefeitura carioca. Todos os 40,7 mil alunos da rede municipal de ensino receberam vales de R$ 20 para usar no evento. Os 47,6 mil servidores da educação também foram contemplados, com R$ 200, assim como as 1.561 escolas, com valores que vão a até R$ 1,6 mil, para atualizar suas bibliotecas. Bingo!

É um investimento que aumentou muito. Considerando apenas os estudantes, foi de R$ 55 mil para R$ 814 mil, já que a gestão de Marcelo Crivella, que tentou impor censura à feira, distribuiu vales de R$ 11 a apenas cinco mil alunos no ano retrasado.

Recordar é viver e não deixar repetir. Em 2019, a Bienal recebeu a indesejada visita de fiscais enviados por Crivella para identificar e lacrar livros considerados “impróprios”. O ex-prefeito disse que havia mandado recolher a graphic novel “Vingadores, a cruzada das crianças”, que inclui a imagem de dois rapazes se beijando e que o bispo classificou como “conteúdo sexual para menores”. Rapidamente, veio a reação. O público se organizou para protestar, escritores e editores divulgaram um manifesto contra a censura e o Supremo Tribunal Federal (STF) proibiu o recolhimento das obras.

Paixão de Ler e aumento da busca por autores negros

A cultura afro-brasileira foi o mote do festival Paixão de Ler que, em sua 29ª edição, teve sua estreia no estande da Secretaria Municipal de Cultura na Bienal. Nomes que vão de Jessé Andarilho, Babu Santana e Zezé Motta a Rodrigo França, Sonia Rosa e Nando Cunha, além de muitos outros, passaram por ali, recebidos, em sua maioria, pela pesquisadora Sinara Rúbia, assessora especial de práticas antirracistas.

“Uma arena para receber artistas, pais, educadores, pesquisadores, estudiosos, contadores de histórias, mediadores de leitura e autores. Nomes da literatura negra que tratam de identidades, representatividades e ancestralidade”, destaca Sinara.

A maioria dos painéis tratou de temas que têm mobilizado o debate público, como religião e ancestralidade, ataques à democracia, racismo e desigualdades. No entorno, as editoras comemoraram o aumento da busca por autores negros.

Para a estreante Mostarda, a procura dobrou. A editora levou para a feira sua Coleção Black Power, com livros voltados para crianças e adolescentes, reunindo a biografia de personalidades como Zumbi e Dandara, Alice Walker, Malcolm X, Conceição Evaristo e Angela Davis.

Na Melhoramentos, triplicou. O título mais vendido é “Com Qual Penteado Eu Vou”, da Kiusam de Oliveira, uma autora negra que tem vários livros infantis sobre a temática racial. “Além de trazer ilustrações belíssimas de penteados em crianças negras, traz nomes africanos e seus significados, fala sobre ancestralidade, sororidade e união familiar, é muito lindo”, resume Kiusam. Ali também estão algumas das obras de Márcio de Jagun, que é especialista em Yorubá.

Igor Pires, autor da série “Textos cruéis demais para serem lidos rapidamente”, está entre os mais vendidos da editora Globo. “Acredito que seja um dos mais procurados por ser um livro que trata sobre as relações humanas de uma maneira honesta, real, quase confessional. Então as pessoas acabam se relacionando e se vendo nas histórias que narro no livro”, diz Pires, em sua terceira bienal. Na lista dos cinco mais vendidos ali, está “O livro da história negra também”, que faz parte da coleção “As grandes ideias de todos os tempos”.

“O Pequeno Príncipe Preto”, do Rodrigo França”, foi um dos mais pedidos na Ediouro, inclusive por professores. No estande da Vozes, a procura por obras escritas por negros foi a mais expressiva. “O Movimento Negro Educador”, da autora Nilma Lino Gomes, foi a terceira obra mais vendida. Em seguida, o autor Muniz Sodré também teve uma grande procura e expressividade relevante no número de vendas, “não só neste evento, como, no nosso catálogo ao longo do ano”. Especialmente, a obra “A sociedade incivil”, lançada este ano.

A Bienal do Livro é um dos maiores ativos culturais do Brasil, e merece todas as atenções porque, além de tudo, gera inclusão, empregos, renda e desenvolvimento.