Polytheama

Alguma coisa acontece na cultura quando cruza a Halfeld e a Avenida Rio Branco

Comppac liberou, e o Tupi vai deixar sua tradicional casa (Foto: Leonardo Costa/Arquivo 2016)

O prédio do Paço Municipal, ou Repartições Municipaes, tombado pelo município em 19 de janeiro de 1983, situado na esquina da rua Halfeld com a avenida Rio Branco, abriga hoje a Fundação Cultural Alfredo Ferreira Lage (Funalfa). É ali que, em tempos não pandêmicos, se reúne o Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Cultural (Comppac).

Por princípio, o Comppac “visa proteger o patrimônio cultural da cidade em que integrem bens móveis e integrados, imóveis e bens de natureza imaterial, públicos e privados, existentes em seu território para a proteção do poder público pelo seu valor cultural, histórico, etnográfico, paleográfico, bibliográfico, artístico, arquitetônico, paisagístico e ambiental”.

São 13 conselheiros e conselheiras, sendo a superintendente da Funalfa, Giane Elisa Sales de Almeida, a presidente do colegiado. Há um representante da Câmara Municipal, outros cinco nomes indicados pelo Executivo, e seis membros indicados por entidades ou organizações identificadas com a questão do patrimônio cultural e planejamento urbano.

Foram essas pessoas que, nos últimos 50 dias, recusaram o tombamento do Estádio Salles Oliveira, do Tupi, e da sede do Tupynambás. Os dois espaços estão agora liberados para serem demolidos e darem lugar a empreendimentos imobiliários. Em Santa Terezinha, a área passará para a Construtora Rezende-Roriz. Já no Poço Rico, a informação é de que o Assaí Atacadista abrirá uma unidade no local.

Questionado por O Pharol, o Assaí Atacadista respondeu que “está constantemente prospectando localizações de interesse e que possam receber uma nova loja da empresa – somente em 2021 foram 28 lojas inauguradas. No entanto, não há confirmação sobre nova unidade em Juiz de Fora”. Atualmente a empresa possui unidades no estado em Contagem, Uberlândia e Sete Lagoas.

Não tombamento mudou composição e o modus operandi do Comppac

Para não perder mais um empreendimento imobiliário e a unidade de uma nova rede supermercadista, a prefeita Margarida Salomão (PT) não poupou esforços e mudanças no Comppac. Entre março e dezembro de 2021, o colegiado sofreu quatro alterações. Neste ano, outro fato inusitado: uma reunião do conselho em janeiro, período de recesso. Mais precisamente, na última segunda-feira (24), quando “liberaram” o Tupi.

Nos dois casos, as ações foram exitosas. Os pedidos de tombamento foram rejeitados de forma unânime. Informações de membros do conselho dão conta de que, de fato, não foram apresentados dados comprobatórios que justificassem a preservação dos espaços como patrimônio histórico e cultural. Os processos, na avaliação dos conselheiros ouvidos por O Pharol, envolviam celeumas internas dos clubes e tentativa de benefício tributário.

Ainda assim, segundo relataram integrantes do conselho que concordaram em conversar com O Pharol sob anonimato, o modus operandi adotado pelo Executivo expôs a fragilidade do colegiado. “Revelou-se uma interferência muito grande da Prefeitura, embora, no caso específico, fosse uma questão praticamente pacificada internamente no Comppac. Mas fica o receio do mesmo modelo de ação ser usado em outros processos de maior complexidade”, revelou um conselheiro.

O Pharol questionou o Executivo quanto aos motivos de excluir do colegiado o Conselho Municipal de Cultura e o Instituto Histórico e Geográfico, mas não obteve resposta. Para substituir as duas entidades, a Prefeitura nomeou a União de Bairros e Distritos de Juiz de Fora e a Associação Comercial e Empresarial de Juiz de Fora. A primeira indicou como conselheira a suplente de vereador do PT, Suely Gervásio, e a segunda, o seu presidente, Aloísio José de Vasconcelos Barbosa.

Aloísio Vasconcelos foi responsável em Juiz de Fora pela campanha “Levante essa bandeira”, pela qual prédios públicos e privados ostentariam a bandeira nacional. Em carta ao presidente Jair Bolsonaro (PL), ele solicitou a adesão do governo federal à iniciativa, pedindo a obrigatoriedade do uso da bandeira em todas as repartições públicas federais. Seu argumento, na ocasião, era de que “o patriotismo traz incontáveis benefícios para o país, como, por exemplo, maior preservação dos bens públicos e valorização da cultura nacional”.

O Pharol também quis saber do Executivo se a formação atual do Comppac seria definitiva, mas, novamente, não obteve resposta. Da mesma forma, ficou sem consideração o questionamento em relação ao projeto de lei em tramitação na Câmara Municipal, de autoria dos vereadores Vagner de Oliveira (PSB), João Wagner (PSC), Cido Reis (PSB) e André Luiz (Republicanos), que avoca para o Legislativo a prerrogativa de tombamento.