Polytheama

Liberdade ainda que tardia: a primeira foto de topless há 50 anos em Ipanema

A ousadia de Hiara foi eternizada nas fotos de Frederico Mendes

1972 entrou para a história como o ano da volta de Gil e Caetano do exílio, além de representar o auge da ditadura, o estouro da bossa nova no mundo e o ponto alto da carreira de João Gilberto, Pelé e Gal Costa, que ainda colhia os frutos de “Vapor barato”, gravado no ano anterior. 1972 também foi o ano da maior algazarra na praia de Ipanema.

Era uma manhã esplendorosa de janeiro, com toda a turma da inteligência ali reunida – os caras do Pasquim, os boêmios, os intelectuais -, quando uma moça linda e de cabelos escovados resolveu arrancar a parte de cima do biquíni. Dá para imaginar o que vem pela frente.

Ninguém deu muita bola, a não ser um jovem fotógrafo, sentado nas dunas (as “dunas do barato”), próximo ao antigo Píer, à paisana. As pessoas ficavam na praia como se fosse numa arquibancada mesmo. A vantagem do Píer era que, com dez metros de areia, ninguém na rua via o que acontecia lá trás.

Ao ver a cena, Frederico Mendes, aos 24 anos, resolveu ir até sua casa, no Posto 4, buscar duas câmeras. Era impossível não clicar tamanho desbunde. Depois de uma série de fotos, nada posado, ele resolveu trocar a lente e se aproximar da moça, o que, de repente, todo mundo, que até então não estava nem aí, começou a gritar e arremessar areia na direção dele. Uma reação tipicamente carioca.

Mas nada disto impediu que as imagens, as primeiras de um topless no Brasil, ganhassem o mundo. O que os alemães chamariam de zeitgeist (ou “espírito da época”).

Jornalista e repórter fotográfico desde os anos 1970, Frederico Mendes cobriu quatro Copas do Mundo, três Olimpíadas, foi correspondente em Nova York, Paris e Tóquio, e fotografou capas de discos para nomes que vão de Roberto Carlos a Frank Sinatra. O topless foi parar na extinta revista “Manchete”, cuja edição (29/01/1972) trazia o Cristo Redentor na capa.

Ainda estagiário à época, Mendes também assinou a matéria “Aconteceu em Ipanema” – o primeiro texto sobre o assunto no país -, um prato cheio para dois militares darem uma batida na redação dois dias depois. Para poupar o fotógrafo, o grupo resolveu mandá-lo para Nova York.

O curioso é que a personagem desta história, identificada como Hiara (com H), já hospedou uma turma do teatro em sua casa na Vieira Souto, entre eles o ator Sérgio Mamberti, que teria declarado a Mendes: “Todo mundo andava nu naquela casa”.

Era o tempo de todas as tribos nas areias de Ipanema, do underground aos surfistas, a “jeunesse dorée”, segundo Ibrahim Sued.

Aos 73 anos, Frederico Mendes segue com a câmera em punho. Há alguns meses, gravou no Arpoador um episódio da série “Blink”, do Travel Box Brazil, dirigida e idealizada por Ricardo Nauenberg, sobre o olhar de importantes fotógrafos do Rio.

Ipanema, como escreveu o avantgarde fotojornalista, “é o lugar que a vida viu onde tinha que morar. Quem discordar, levante o dedo”.