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Quem falta cair?

Caiu o paredão de Capitólio. Claro que ninguém imaginou que fosse cair, mas estavam de olho.

Caiu a barragem de Mariana. Claro que ninguém imaginou que fosse cair, mas estavam de olho.

Caiu a barragem de Brumadinho, depois da de Mariana. E claro que ninguém imaginou que fosse cair, mas estavam de olho.

Caiu o morro de Santa Tereza, em Juiz de Fora. Claro que ninguém imaginou que fosse cair, mas estavam de olho.

Caiu um barranco debaixo do prédio novo do Jesuítas porque tiraram o velho Clube Caiçaras de baixo. Claro que ninguém imaginou que fosse cair, questão de fé.

Caiu o Morro da Forca, em Ouro Preto. Até imaginaram que podia cair, mas estavam de olho.

Caiu muito morro em Nova Friburgo em 2010. Claro que ninguém imaginou que fosse cair, mas estavam de olho. E aviso não falta.

Caiu muita água na Bahia neste verão. Ninguém imaginou que fosse cair, menos ainda o presidente, que foi cair na água em Santa Catarina e viu entrar água no camarão.

Caiu água também em Belo Horizonte e em Nova Lima. Quase todo ano cai, enche e transborda, mas ninguém imaginou que aconteceria de novo.

Caiu na boca do povo a composição Águas de março, de Tom Jobim, lançada 50 anos atrás, quando a Chuva das Goiabas já fechava o verão. E todo mundo já sabia disso.

Caiu mais pau, mais pedra e mais caminho foi interditado em outros verões, em vários lugares, e tantos Brasis e todo mundo achando que não ia acontecer, mas estava de olho.

Caiu o número de mortes e contágios por Covid e o povo vacinado foi passear, fazer festa, encontrar família e depois, com sintoma de gripezinha, testar. Tava todo mundo de olho, claro, mas ninguém podia imaginar que os índices de contágio bateriam recordes (amém à vacina, que, espero que imaginem certo, não é cura).

Caiu o poder de compra do consumidor, caiu o valor do salário mínimo em relação ao dólar (que tá longe de cair, como o Euro, o ouro, mas não o tolo), caiu a bolinha da mega-sena com o número do lado do que você apostou, prezado trabalhador.

Caiu uma vizinha na rua, tropeçou na calçada esburacada, quebrou o braço, mas passa bem.

Caiu a tarde feito um viaduto, que já caíam nos anos 1970, quando João Bosco e Aldir Blanc se equilibravam bêbados para lidar com um tempo de forças ocultas e porões. Claro que ninguém imaginou que esse tipo de discurso fosse voltar, mas estavam de olho.

Caiu o Brasil nos rankings do mundo todo e na consideração dos outros países. Claro que ninguém imaginou que fosse cair, afinal, estava acima de tudo, ou de Tudo.

Caiu o povo no conto do vigário, mais uma vez. Porque caiu quando Getúlio usou a Intentona Comunista pra fechar o congresso. Caiu quando a dita ameaça comunista acabaria com o Brasil e o Golpe de 1964 seria a solução. Caiu quando achou que o PT comunista (Jesus é mais comunista que o PT) fosse criar a ditadura do proletariado e topou cair com a Dilma e votar no Bolsonaro.

Caiu a ficha de muita gente que um dia imaginou que nada disso fosse acontecer, que votou no Bolsonaro achando que um mundo melhor aconteceria, sem estar de olho nas notícias de verdade. O Brasil segue caindo, como a chuva, os morros, os índices. Precisa de arrimo, mais que de imaginação. Ficar de olho não é mais suficiente. É preciso cumprir a promessa de vida no teu coração.