Elas são obras de arte a céu aberto, localizadas no centro da cidade. Na correria do dia a dia, em meio ao intenso tráfego de pedestres e automóveis no local, quase passam desapercebidas. É preciso olhar para os lados. E para cima. Ali estão os famosos painéis intitulados “Cavalos”, ornando as janelas do Edifício Clube Juiz de Fora. Descendo o olhar, outra obra que parece perdida no centro comercial, o painel “Quatro Estações”. As criações assinadas por Cândido Portinari e Paulo Werneck imprimiram as marcas do modernismo no coração de Juiz de Fora.
Contra o caos da cidade, uma estética conservadora e um mercado imobiliário que devasta a arquitetura histórica de Juiz de Fora, erguem-se os dois painéis, sintonia perfeita entre arquitetura e arte. As obras “Quatro Estações” e “Cavalos” ocupam a fachada do edifício modernista datado dos anos 1950, erguido no ponto mais tradicional da cidade, o Calçadão da Rua Halfeld.
O Clube Juiz de Fora é moderno por excelência. Seu desenho foi projetado pelo arquiteto Francisco Bolonha, ícone do movimento modernista. Esta e outras edificações são um marco do ideário do Movimento Moderno e marcam as experiências de Bolonha em Minas Gerais – além de Juiz de Fora, o artista atuou em cidades como Araxá e Cataguases.
Na fachada para a avenida Rio Branco encontra-se o painel “Quatro Estações”, revitalizado há alguns anos e hoje protegido por um vidro e por iluminação especial, permitindo uma boa visualização da obra. Vale uma parada para olhar os detalhes de perto, ou admirá-lo por inteiro do outro lado da avenida Av. Rio Branco.
Já na fachada do Edifício que dá vista para a Rua Halfeld se irrompe a linha composta pelos painéis em pastilha com o desenho de cavalos, uma criação de Candido Portinari e Paulo Werneck. A imponência do edifício tomado pela figura dos animais faz dele uma referência visual única na cidade. Um exemplar raro de um período onde arte, arquitetura e paisagismo buscavam uma síntese perfeita, muito trabalhada por Bolonha em seus projetos.
Essa riqueza de detalhes e a imponência dessa arquitetura de tons artísticos é narrada em artigo produzido pelas pesquisadoras Raquel von Randow Portes e Marlice Nazareth Soares de Azevedo, produzido na Universidade Federal Fluminense. Em “Esquinas Modernas, dois Ícones Modernistas no Centro de Juiz de Fora: Francisco Bolonha e Oscar Niemeyer”, elas destacam o papel do patrimônio moderno na cidade contemporânea.
Emiliano Di Cavalcanti, um dos principais articuladores da Semana de Arte Moderna de 1922, grafou seu nome na história do movimento ao conceber a programação visual, o cartaz e a capa do catálogo do evento. Dono de uma linguagem gráfica moderna, observou atentamente o cotidiano e os costumes, foi influenciado pelo estilo art déco e apostou no desenho estilizado por meio da geometrização elegante das cenas.
A influência da decoração geometrizada e da ilustração gráfica do artista também está presente em outra obra sua, desta vez distante do centro da cidade. Pouca gente conhece o mosaico projetado por Di Cavalcanti que reveste o Marco Comemorativo do Centenário de Juiz de Fora. A obra, localizada na Praça da República, no bairro Poço Rico, foi idealizada pelo engenheiro Arthur Arcuri.
Mural em arte abstrata feito com a rara pastilha Vidrotil, une tonalidades únicas de azul, amarelo, verde e marrom, e mostra a influência do cubismo experimentado por Di Cavalcanti. Por conta dos estragos, quase não se vê mais a cena criada pelo artista: três homens puxando uma voluta (motivo decorativo enrolado em espiral).
Apesar de a obra ser tombada pelo município de Juiz de Fora quanto pelo Instituto de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), ela permanece danificada desde julho de 2020, quando um incêndio levou à perda de parte das pastilhas do monumento, o que atrapalha muito a apreciação da arte de Di Cavalcanti.
Datado de 1951, o monumento contou com a participação do arquiteto de Oscar Niemeyer, que teria indicado o próprio Di Cavalcanti para projetar o mosaico. Lúcio Costa também participou do projeto – teria sido dele a ideia de incluir uma pequena curvatura no final da parede. Oscar Niemeyer já vinha atuando em Minas Gerais, desde o início dos anos 1940, e deixou as marcas da arquitetura moderna em cidades como Cataguases e Belo Horizonte.
O monumento, que deveria representar o progresso na cidade, conforme a concepção da obra, hoje reflete certo abandono da arquitetura e da arte, que se arrasta pela história de Juiz de Fora. Como a praça que o abriga, a obra mescla-se ao silêncio do cemitério ao fundo.
Do outro lado da cidade, ocupando um espaço de maior visibilidade, “Quatro estações” e “Cavalos” seguem intactos, convivendo com a rotina do juiz-forano que percorre as ruas do centro a pé. A arquitetura que tem história, que tem arte, pede o nosso olhar. Por isso, não se deveria ignorar a importância desses painéis e murais: a arte, a cidade, em todos os lugares, seja no centro ou na periferia, pedem cuidado e apreciação.