O ex-secretário de Estado de Saúde de Minas Gerais, Carlos Eduardo Amaral, pré-candidato a deputado pelo partido Novo, aproveitou o polêmico e midiático tapa de Will Smith no rosto do comediante Chris Rock, durante a cerimônia do Oscar, no último domingo (27), como pano de fundo para uma postagem de cunho político em suas redes sociais.
Com a cena do tapa na parte superior da montagem do post, logo abaixo aparece em destaque a ex-presidente Dilma Roussef (PT), com a imagem manipulada por computação gráfica, desfigurando seu rosto com cortes na testa, um curativo no supercílio e olhos roxos, e o seguintes dizeres: “Falou besteira leva um tapa? Se essa moda pega!”
A postagem foi removida após ser duramente criticada nas redes sociais e no meio político. O deputado estadual Betão (PT) condenou o uso das redes sociais “para propagar a misoginia, o machismo e fomentar a violência”. A presidente nacional do PT, Gleisi Hoffmann, e o diretório estadual do partido prometeram acionar a Justiça.
Em mensagem encaminhada a O Pharol, Carlos Eduardo Amaral alegou ter sido mal interpretado com a postagem. “Foi interpretado como um estímulo à agressão à ex-presidente, o que claramente não era. Bastava ler a legenda. Em um momento tão extremado, essa má interpretação pode acontecer, por isso retirei o post”.
Para o professor do programa de pós-graduação em Ciências Sociais da Universidade Federal de Juiz de Fora, Jorge Chaloub, não houve mal-entendido, mas a execução de uma estratégia “bem batida” da extrema direita: a “tática do insulto”. Grosso modo, seria apelar ao “politicamente incorreto” para obter algum tipo de vantagem.
Nesse sentido, além do post de Carlos Eduardo Amaral, circulou pelas redes do partido Novo, por ocasião da aprovação pelo Congresso, em 2021, do Programa de Proteção e Promoção da Saúde Menstrual, outra postagem criticada como misógina. Nela é feita uma analogia entre o programa recém-aprovado e a Petrobras.
“A tática do insulto, esse apelo ao politicamente incorreto, diria que é uma marca não apenas de uma parte da extrema-direita brasileira, que ganhou muita força por aqui nos últimos anos, mas uma estratégia global da direita que emergiu em várias partes do mundo nas últimas décadas”, explica o professor.
A proposta de chocar a opinião pública, como a postagem de Carlos Eduardo Amaral, tem ao menos três objetivos bem definidos. O primeiro, enumera Chaloub, envolve a ideia de se distinguir do que é conhecido como velha política ou política normal, se valendo para isso do ataque ao debate político moderado.
“É uma tentativa de reforçar a ideia de diferente, falando absurdos, coisas que antes se imaginava que não mais se falaria no sistema político, em um debate político mais moderado, não autoritário. É tentar vender a ideia de que se é antissistema, que se é contrário a tudo que está aí”, resume o professor.
Seguindo o raciocínio de Chaloub, vem o segundo objetivo da tática do insulto, que é a possibilidade de popularização nas redes sociais. “Isso é uma ação importante, pois as redes tendem a valorizar o que é gera ‘engajamento’, mas que engaja positiva e negativamente. Então, muitas vezes, mesmo que a pessoa seja xingada ou ofendida, ela acaba se popularizando seja por quem a ataca ou por quem a apoia”.
Por fim, aqueles adeptos da “tática do insulto”, além do apelo à postura antissistema, querem também passar a impressão de que têm coragem de falar aquilo que os outros não falam, o que acaba gerando uma certa ideia de verdade revelada. Conforme o professor, “aqueles que adotam a tática do insulto expressariam mais fielmente o que a população acha, o que, é claro, se trata de uma bobagem, mas é a imagem que eles vendem”.
É muito comum, segundo Chaloub, ouvir as pessoas dizerem: “Viu, ele não tem medo de falar a verdade”. E essa “verdade” seria o que a população acha e não o que os políticos falam. “Toda essa ideia passa por uma distinção entre uma nova política de extrema direita, que seria pura e que expressaria a verdade do povo, e uma política velha, que seria mentirosa”.
É nesse contexto, que o professor considera que o objetivo da postagem “é ganhar seguidores, mobilizar as redes, vender a ideia de que ele não tem medo de falar, de que ele se coloca”. Essa estratégia, segundo Chaloub, foi central na candidatura do presidente Jair Bolsonaro (PL) em 2018. “Depois muitos aproveitaram essa ‘onda’ que foi criada, mas é uma estratégia que está meio batida.”
MBL surfou na onda do ‘politicamente incorreto’
O MBL (Movimento Brasil Livre) nasceu e foi criado naquilo que o sociólogo Celso Rocha de Barros, em sua coluna no jornal Folha de S.Paulo, definiu como “um ambiente político altamente tolerante com a ‘zoeira’ de direita, um tipo de irreverência ‘politicamente incorreta’ e ‘contrarian’ que, para muita gente, pareceu charmosa durante a crise dos governos petistas”.
De fato, ninguém surfou tanto na onda da “tática do insulto” como os chamados “meninos do MBL”. A brincadeira só não foi mais longe por conta da realidade imposta pela pandemia da Covid-19, quando todos os políticos defendidos pelo movimento acabaram errando na condução da maior crise sanitária da história, entre eles, o presidente Jair Bolsonaro (PL).
Perdidos e com menos graça, caíram no colo do ex-juiz federal e pré-candidato a presidente Sério Moro (Podemos). Isso até o último mês, quando uma das principais lideranças do MBL, o deputado estadual paulista Arthur do Val, conhecido como “Mamãe Falei”, viu divulgados seus áudios com comentários sexistas sobre ucranianas, durante visita ao leste europeu a pretexto de cobrir a guerra na Ucrânia.
De lá para cá, com discursos raivosos e sem mais nenhuma graça, o MBL praticamente foi varrido da cena política nacional. “Mamãe Falei” deixou a disputa pelo governo de São Paulo, perdeu a noiva, milhares de seguidores nas redes e, claro, qualquer afinidade com Sergio Moro. Aliás, ele foi desfiliado do Podemos e se tornou alvo de pedidos de cassação de mandato na Assembleia de São Paulo.
Carlos Eduardo enfrenta ações de improbidade administrativa
Acusado pelo Ministério Público de ter furado a fila de vacinação da Covid-19, quando era secretário de Estado de Saúde de Minas Gerais, Carlos Eduardo Amaral enfrenta hoje na Justiça 11 ações envolvendo o episódio. As duas últimas foram protocoladas no último dia 23 de março. Ele foi denunciado por improbidade administrativa e peculato.
De acordo com os promotores, em janeiro de 2021, os denunciados se apropriaram de vacinas pertencentes a municípios mineiros, referentes aos 5% das doses destinadas à reserva técnica, e as usaram “em proveito próprio e alheio”, a fim de vacinarem 832 servidores da Secretaria de Estado da Saúde.
Em uma nota encaminhada aos veículos de comunicação, Carlos Eduardo Amaral relata que a vacinação em questão contou com a anuência de diversos órgãos do estado e organizações colegiadas com representantes dos municípios. Também afirma que todos os vacinados deveriam ser imunizados, conforme o Programa Nacional de Imunização.
Ele considera a propositura da ação penal “como abuso de autoridade” e denuncia “uma manobra política orquestrada por poucos deputados, para retirar da Secretaria de Saúde de Minas Gerais os condutores do melhor combate à pandemia no país”.