Polytheama

O Exu da Grande Rio: transe, ebó e postura política

Grande Rio levou Exu para a avenida e venceu o Carnaval (Foto: Vitor Mell/Grande Rio)

“Impecável”. Foi a palavra mais usada pelos usuários do Twitter após a passagem da Grande Rio pela Sapucaí. Sob o ponto de vista artístico e de concepção, algo inédito e corajoso na festa carioca. A escola de Caxias trouxe Exu comendo e cuspindo farofa: um Exu orixá, a divindade, e um Exu original, que come o tempo todo e não sacia, a boca de todo mundo, um gesto de devorar o mundo, como num ato de progresso, evolução, fome de mudança e conhecimento, do novo. Um ato também (e principalmente) político: Exu não é do mal, ele é vida.

Por isso, e essa é apenas algumas das razões, sagrou-se vencedora, depois de revolucionar o carnaval sob o ponto de vista estético e temático. Da comissão de frente, com o ator Demerson Dalvaro personificando Exu devorando o Ebó (do idioma yorùbá, significa oferenda), ao último carro, uma releitura do lixão de Gramacho com Estamira – esta senhora que insistia ter contato direto com o orixá – sobre uma estrutura toda coberta de restos de fantasias velhas, pedaços de esculturas, adereços de outros carnavais, em suma, o lixo, a tricolor da Baixada Fluminense desfilou um enredo inteiro sobre Exu, sem medo da fúria apostólica romana. E em todas as suas fases, como elucidou a jornalista Flávia Oliveira – que desfilou na escola: “primeiro mítica, de origem africana; depois o da travessia e por último a forma como se manifesta nos encantados, nas pombas giras”.

Ainda na comissão de frente, chamaram a atenção os dançarinos que se movimentavam nas cabaças, como se estivessem em transe, o Exu em nossos corpos. Anos e anos de candomblé para poder entender e compreender o que a Grande Rio apresentou em 70 minutos.

Fora que não teve sequer problema, nem para dobrar a esquina e entrar na avenida. A bateria, famosa pelo ritmo mais lento, passou com cadência perfeita. O samba, um capítulo à parte, levantou arquibancadas e camarotes. As alegorias gigantes sobraram em tons quentes, tal qual o vermelho do abre-alas, para mostrar as facetas de Exu. 

“Fala Majeté! Sete chaves de Exu” desmistificou a imagem de Exu e venceu o jejum de 30 anos – a agremiação nunca venceu no Grupo Especial, onde desfila desde 1991. Depois de bater na trave quatro vezes, fez um desfile considerado histórico pela crítica especializada, que não economizou predicados a jovem dupla de carnavalescos Gabriel Haddad e Leonardo Bora, que conseguiu conectar um país desconectado com a sua história ao mundo de Exu, o abridor de caminhos, do movimento e da comunicação. O orixá que faz a conexão.

“A importância desse enredo não é só pra hoje. É combater a intolerância religiosa”, resumiu Demerson Dalvaro – o Exu encarnado – ao jornalista Aydano André Motta.

Em tempos, a  Beija-Flor de Nilópolis, também da Baixada, ficou em segundo lugar, com um desfile exuberante que reivindicou seu lugar de fala no enredo “Empretecer o pensamento é ouvir a voz da Beija-Flor”. No mais, “Laroyê, Laroyê, Laroyê / Lá na encruza, a esperança acendeu… Firmei o ponto, Grande Rio sou eu!”

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