Conjuntura

O que coloca a líder de extrema direita Marine Le Pen com chance de vitória na França

Marine Le Pen aparece colada em Emmanuel Macron a um dia das eleições (Foto: Reprodução /Rassemblement National)

Uma facção nacionalista em ascensão, a identidade católica e o sentimento anti-imigrante dão o tom à corrida presidencial na França. Na última pesquisa de intenções de votos, divulgada nesta sexta-feira (8), a candidata de extrema direita Marine Le Pen aparece com 25%, colada no atual presidente e candidato à reeleição Emmanuel Macron, com 26%.

Para os franceses, que irão às urnas no próximo domingo (10), a exponencial performance de Le Pen é reflexo da chegada de Éric Zemmour ao pleito, um comentarista de ultradireita e ex-colunista do “Le Figaro”. Seu discurso de uma “nova extrema direita” ainda mais anti-imigrante e nacionalista empurrou a régua e embaralhou o cenário político francês, tornando Le Pen uma figura razoável.

Em sua terceira tentativa de tornar-se presidente, a herdeira de Jean-Marie Le Pen aproveitou a ida dos eleitores mais radicais para o ultradireitista Zemmour, suavizou o discurso e focou no que chama de “França profunda”. Com enfoque no aumento do custo de vida, no corte de impostos e na aposentadoria aos 62 anos (e não aos 65 como defende Macron), ela está a um passo do segundo turno e tem chances reais de vitória no segundo turno, previsto para o dia 26 de abril. 

Embora tenha desestabilizado o monopólio Le Pen na extrema direita francesa, Zemmour sabe que suas chances atuais são remotas, avalia o set designer carioca Rafael Medeiros, baseado em Paris. “Ao meu ver existe uma mudança de paradigma com a entrada do Zemmour e uma possível consolidação dele para se eleger em 2027. O que eu acho extremamente possível, infelizmente.”

Se influenciada pela ascensão de Zemmour ou apenas pelo passar do tempo, fato é que Marine Le Pen, agora aos 53 anos, parece ter aprendido a pedir votos fora da extrema direita. Com isso, a candidata do partido Reagrupamento Nacional (antiga Frente Nacional) esfriou a temperatura do discurso, aproximou-se do centro, dobrou a aposta na economia e ameaça a reeleição de Emmanuel Macron. 

“Quem eu conheço aqui vota Mélanchon (Jean-Luc Mélenchon, candidato da esquerda e terceiro colocado nas pesquisas) ou Mácron. E podem sentar à mesa para conversar. Mas nesses tempos pós Trump e Bolsonaro, nenhum país está imune”, alerta, preocupado, o fotógrafo Vincent Rosenblatt. Os eleitores mais ao centro temem ainda o risco da entrada tardia de Macron na campanha. “Isto eleva a chance de a extrema direita passar, como foi em 2017”, comenta a sommelier Hélène Wevers.

Nas ruas em Paris, Macron é o presidente que apostou suas fichas no interesse dos franceses por sua atuação como mediador para evitar uma guerra na Ucrânia em decorrência da invasão russa. Não só fracassou ao impedir a guerra, como também não conseguiu frear os impactos do conflito sobre os preços, o tema número um dos franceses. 

A questão da guerra na Ucrânia e as vitórias de Trump e Bolsonaro na América criaram uma sensação de possível vitória de Le Pen, explica o carioca Rafael Medeiros. Contudo, ele pondera que “a França também tem uma cultura de votar para barrar a extrema direita, e isso acontece desde a histórica eleição de (Jacques) Chirac em 2002, quando ele venceu com 82% face ao Jean Marie Le Pen”.

É nesse histórico que ele se apega para ainda acreditar em um novo mandato de Macron, que seria o primeiro caso de reeleição na França nos últimos 20 anos. “Ainda tem muitos fatores a favor dele e nenhum candidato consegue a força da situação que ele tem, querido pela centro direita e pelo empresariado”.

A aposta do carioca radicado em Paris é corroborada pelo colunista Fabien Dabert, do portal Linternaute. Para ele, a alta burguesia francesa não seguirá com Le Pen. “Le Pen sempre esteve em desacordo com a burguesia urbana conservadora francesa, que se vê como herdeira da tradição gaullista – nacionalista, por um antiquado senso de orgulho e dever; republicano, apesar de certa nostalgia da aristocracia — e jamais votaria em um Le Pen.”

O próprio Macron, por sua vez, reagiu e ensaiou uma reação nos últimos dias ao retomar o discurso vencedor de 2017. Ele tem insistido nas ameaças da direita radical para os valores da República francesa. Resta saber se os eleitores seguirão vendo Le Pen como expoente desse radicalismo ou se sua versão “paz e amor” aplacou corações e mentes.

No caso de um segundo turno entre Macron e Le Pen, o resultado da última pesquisa aponta a vitória apertada do atual presidente (51%) sobre Le Pen, com 49%.