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Analfabetismo que chama?

(Foto: Damon Lam/Unsplash)

A pandemia analfabetizou muita gente. Analfabetiza ainda, porque ela não acabou. Até pra entender isso é preciso um pouco de percepção perdida pelo saco cheio de uns e pela preservação da saúde mental de outros. O que diferencia uma pandemia de abril de 2020 da de abril de 2022? Continua sendo a mesma, por isso não tem como comparar, é princípio da lógica aristotélica. O que muda é a abordagem dos números.

Temos mais conhecimento sobre contágio. Dar banho de álcool e deixar cinco dias de quarentena tudo que entra em casa é coisa do passado, embora tenhamos aprendido a cuidar melhor da higiene das compras. As máscaras de tecido lindas e estampadas do início não servem pra nada, o que vale mesmo é PFF2, ar circulando e distância das pessoas, ou pelo menos um bom equilíbrio entre os três.

E temos vacina, que ameniza efeitos, permitindo o retorno gradual da vida social. Ainda com cuidados e que persistirão, em lugares com sensatez, por muito tempo. A pandemia, não custa repetir, taí. Isso significa que tem gente morrendo. Se a pessoa tem mais idade, comorbidade, não pode vacinar ou não quis, continua sendo gente (difícil no último caso, mas, sim, gado também é gente) e tá morrendo.

Sobre sequelas pouco se sabe, mas uma delas é nítida: muitos vacinados usam essa desculpa pra retomar atividades como antes, sem preocupação com a máscara. É o comportamento “gripezinha” na variante ambidestra.

A sequela do analfabetismo atinge a sociedade de outro modo. Crianças de 6, 7 e 8 anos deixaram de ser alfabetizadas no processo regular. O que não chega a ser tão grave, à primeira vista, porque muito se pode fazer além dessa idade. A questão é se a escola está preparada pra isso.

Alfabetizar alguém requer um preparo especial, além de sensibilidade, claro. Desta, nosso magistério está cheio, professor é aquele que carrega a sina de ter a profissão de fé, a dedicação além do horário formal de trabalho, o amor pelo que faz. Nada que justifique um salário baixo, embora sejam argumentos pra isso.

Há professores, no entanto, que estão acostumados a lidar com os alunos já alfabetizados. Saberão eles agir em duas frentes? Isso vale pros de Português e também pros demais, pois, sem o conhecimento do papel de cada palavra numa oração e a compreensão de seus significados no contexto (sintaxe e semântica que chama?), nenhum problema de Matemática encontra solução. A criança fica sem Norte e incapaz de entender sua História.

Alguns passos adiante a situação se dá em outra plataforma: a digital. Muito se aprendeu, mais na marra que na pedagogia, sobre o ensino por canais digitais. Do ensino fundamental ao superior, a migração foi rápida pela necessidade e o retorno não trouxe tudo do mesmo jeito. Nem poderia, questões como sustentabilidade, por exemplo, se tornaram fortes argumentos pra troca do papel pelo arquivo.

No entanto, um embate não pode ser suprimido, é essencial na formação crítica do alunado: a página branca. O embate numa prova ou numa redação entre o grafite, a borracha e o papel é um exercício de angústia pela escrita coerente, coesa, correta e de caligrafia compreensível.

O vocabulário e, sobretudo, a grafia correta das palavras fugiu do controle das mãos nos últimos dois anos, passando a ser domados pelo corretor. Ele sugere a melhor palavra, geralmente de um pequeno grupo recorrente, e ajeita os erros de quem digita. Coitado do professor que corrige as primeiras provas desses alunos, com bons argumentos e boa prosa na aula, mas quando chega o papel…

Esse atraso vai ser mais difícil de tirar, em todos os níveis, principalmente onde os trabalhos em formato .pdf seguirem facilitando a vida do professor que quer buscar no Google se o aluno colou. Bom mesmo é colar na sala de aula, sem celular, com técnicas capazes de surpreender o professor (que também deve ter colado um dia, cuidado!).