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“Tiradentes Esquartejado”: por que aos pedaços e por que em Juiz de Fora?

Tiradentes Esquartejado, originalmente chamado Tiradentes Supliciado, é um óleo sobre tela de 1893 do pintor brasileiro Pedro Américo de Figueiredo e Melo (Foto: Reprodução Museu Mariano Procópio)

As duas questões em relação ao quadro de Pedro Américo, “Tiradentes Esquartejado”, também conhecido como “Tiradentes Supliciado”, pertencente ao acervo do Museu Mariano Procópio, são propostas pela historiadora e docente da Universidade Federal de Juiz de Fora, Maraliz de Castro Vieira Christo, em artigo da “Locus – Revista de História”.

Autora da mais importante pesquisa sobre a obra – “Pintura, história e heróis no século XIX: Pedro Américo e Tiradentes Esquartejado” –, ela considera o quadro como caso único na história da arte brasileira e ocidental por privilegiar a visão do esquartejamento. Ao optar por esse enfoque, Pedro Américo ignorou parâmetros consolidados da história da arte e, principalmente, da pintura histórica, entre os quais a noção do belo ideal do corpo.

 “A visão da violência sobre o corpo não é própria da pintura histórica. O artista foi muito corajoso, sobretudo se pensarmos que nesse momento Tiradentes se afirmava como um herói nacional”, explicou a historiadora ao Jornal da Unicamp, após defender sua tese de doutorado.

Na tradição da pintura histórica, invariavelmente o artista escolhia um momento que revelasse a grandiosidade do herói. Esse personagem era representado na ação pela qual seu nome seria imortalizado pela história. Para isso, segundo Maraliz, o artista escolheria o momento mais “precioso” dessa ação. Essa espécie de instantâneo permitiria ao espectador lembrar o antes e o depois daquela história.

 “Ao mostrar o esquartejamento, Pedro Américo suprime o depois, enfatiza mais a agressão do sistema colonial que as virtudes do herói”, resumiu a historiadora.

A segunda questão lançada por Maraliz envolve os motivos pelos quais o quadro veio parar em Juiz de Fora. Pedro Américo realizou a obra em 1893, na cidade italiana de Florença, onde morava. No mesmo período, o artista foi eleito deputado constituinte por seu estado natal, a Paraíba. Ao voltar ao Brasil, expôs o quadro no Rio de Janeiro, mas não foi bem recebido.

Como Juiz de Fora vivia os anos da “Manchester Mineira”, seu potencial econômico atraia os pintores como mais uma possibilidade de mercado. Em seu artigo “O Esquartejamento de uma Obra: a rejeição ao Tiradentes de Pedro Américo”, Maraliz levanta a hipótese de que Alfredo Ferreira Lage, colecionador de arte e vereador, teria convidado Pedro Américo para expôs a obra na cidade.

Conforme noticiado por O Pharol, o artista chegou a Juiz de Fora no dia 27 de julho, para expor seu quadro, durante as comemorações da criação da Alfândega. “Tiradentes Esquartejado” ficou exposto à visitação pública, no salão do Fórum, atual Câmara Municipal, apenas das 10h às 12h, horário considerado pelo artista mais favorável à apreciação de sua obra, visto que o local não oferecia condições de luz e outros requisitos aos bons efeitos da pintura.

De acordo com Maraliz, a permanência de Pedro Américo na cidade se estendeu até 30 de julho, enquanto negociava seu quadro com a Câmara Municipal. Na ocasião, a classe política estava envolvida nas disputas relativas à implantação da nova capital do estado. “A constituição mineira, promulgada em 1891, previa a mudança da capital, sediada em Ouro Preto, considerada então como expressão do ancien régime”, relata Maraliz.

Contribuindo com 70% da arrecadação fiscal do estado, a Zona da Mata indicou duas cidades: Leopoldina e Juiz de Fora. “Embora geográfica e culturalmente muito próxima ao cosmopolitismo do Rio de Janeiro, não se identificando com a mineiridade, em plena construção enquanto mito, Juiz de Fora pleiteava um maior espaço na política do estado”, escreve a historiadora.

Ainda segundo ela, com a proposta de conciliação iniciada no governo de Cesário Alvim, Juiz de Fora e seus muitos republicanos haviam sido afastados da política e buscavam uma nova aproximação por meio do dinamismo econômico com o cuidado de tentar aproximá-lo de alguns elementos da mineiridade, por exemplo, a defesa da liberdade.

“Assim, depois de longa negociação, em 4 de outubro, o município de Juiz de Fora adquire o quadro de Pedro Américo pelo valor de 8 contos de réis, através da verba – juros e amortização – do orçamento em vigor”, aponta Maraliz, conforme Resolução nº 226 da Câmara Municipal. Pedro Américo já havia retornado à Europa, com a saúde novamente abalada.

Segunda a historiadora, o quadro de Pedro Américo permaneceu exposto na Sala das Sessões da Câmara Municipal de Juiz de Fora até ser doado ao Museu Mariano Procópio, em 1922, por ocasião das festividades do centenário da Independência. Lá, integrou a sala Tiradentes até o fechamento do espaço para reformas em 2008.

“Tiradentes Esquartejado” permaneceu por quase 70 anos quase esquecido em Juiz de Fora. Em 1969, foi incluído na enciclopédia “Grandes Personagens da Nossa História”, lançada pela Editora Abril, que tinha como proposta colocar no panteão os heróis militares brasileiros. A imagem do quadro circulou em fascículos vendidos em bancas de jornal de todo o país.

O fato, no entanto, não implicou em sucesso de público. De acordo com Maraliz, outro quadro de Pedro Américo, “O Grito do Ipiranga”, é mais popular. Foi reproduzido logo em seguida à sua confecção, 1888, e continuou sendo divulgado à exaustão em suportes os mais variados, de bandejas a relógios, sobretudo à época do centenário da Independência.

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