Colunas

O presidente é de Juiz de Fora

Painel na sala de vídeo do Memorial da República Presidente Itamar Franco em Juiz de Fora (Foto: UFJF)

Bolsonaro anda falando por aí que nasceu em Juiz de Fora, diz que a Manchester Mineira é sua terra natal. A Wikipedia diz que ele nasceu em Glicério, no Estado de São Paulo, o que deixa em dúvida a credibilidade do site de pesquisas ou as noções de Geografia do presidente. Qualquer que seja o problema, vamos descartá-lo e pensar em outra forma de ser de algum lugar.

Terra natal foi exagero do Chefe do Executivo, mas muitos se dizem pertencer a uma cidade por morar nela há muito tempo, por terem um envolvimento afetivo, pela origem familiar ou por outro motivo que pode ser um dos que Bolsonaro alega. Ressurreição, por exemplo.

Se ele comenta que é de Juiz de Fora porque morreu de facada e voltou à vida, há laudos e depoimentos médicos negando. Houve uma facada e houve cirurgia, mas daí a morrer a questão é outra. Em se tratando de presidente com tanto primor pela educação, fica difícil acreditar que se trata de uma metáfora.

Outra explicação possível talvez seja uma paixão incontrolável por cigarrete, iguaria típica local, ou pelo torresmo do Bar do Bigode, outro roncador de estômago nacionalmente conhecido. Do Museu Mariano Procópio ele não deve ter ouvido falar, não pegou fogo.

Se joga dama, deve ter sua mesa reservada na praça Halfeld, como chama o Parque. Ou pode ter estudado na UFJF, que trouxe e traz muitos estudantes que acabam adotando a cidade como sua. Só que ele não estudou numa universidade vênas assim. E nem deve saber o que é vênas, o jagodes.

Como ele é torcedor do Palmeiras e de todos os times que possuem camisa, deve torcer pelo Tupi também, time de sua dita cidade natal. Dois outros times dos quais ele gosta têm boa representatividade na cidade. Na Atenas Mineira foi fundado o primeiro Sindicato dos Jornalistas do Brasil e também nasceu o primeiro Sindicato dos Professores, embora haja uma querela sobre isso, envolvendo o registro, mas nada que comprometa os quase 90 anos de luta.

Bolsonaro também pode se declarar um juiz-forano por ser fã de Rubem Fonseca, que nasceu na cidade e nunca negou suas raízes, mesmo tendo se mudado ainda pequeno pro Rio de Janeiro. A Cidade Maravilhosa elegeu o vereador, o deputado e o presidente (não sozinha, claro) e ele a nega, assim como à wikipédica Glicério.

Se Bolsonaro tanto insiste em ser da cidade onde Dilma foi interrogada ou de onde saiu o golpe de 1964, duas inspirações pra sua carreira política, ainda assim será figura secundária, um vice na condição de presidente de Juiz de Fora.

Itamar Franco nasceu no mar, talvez seu nome venha disso, misturado com o da mãe. Foi registrado em Salvador, porque no navio não tinha cartório, mas foi criado em Juiz de Fora. Estudou no Granbery (que hoje vergonhosamente não paga corretamente seus professores), formou-se em Engenharia pela UFJF (que nem se chamava assim ainda), foi prefeito e deixou marcas na cidade.

Só saiu de sua terra não natal, mas de coração, pra governar fora dela. Morou em Belo Horizonte, em Brasília e até em Roma, sem deixar de vir pro seu apartamento na Avenida Rio Branco, próximo do outrora Córrego da Independência que ele mesmo transformou em avenida e que hoje leva seu nome.

E quando o dever chamava, vinha pra seu domicílio eleitoral, votando sempre ao final da tarde, sob o risco de encontrar a urna fechada, o que não ocorreu. Pensando bem, talvez o Bolsonaro queira começar a ser mineiro de Juiz de Fora tratando a cidade como seu domicílio eleitoral. Domicílio de gado é curral.