“Ganhe dinheiro sem sair de casa, usando apenas as suas redes sociais.” Em pesquisa rápida usando os termos “renda extra” ou “renda extra online” por qualquer buscador digital como o Google e o YouTube ou diretamente no Facebook, os resultados são sempre os mesmos e com o mesmo apelo: “ganhe dinheiro do celular” ou “ganhe dinheiro usando as redes sociais”.
As propostas, de fato, são sedutoras. Segundo relatório da consultoria AppAnnie, os brasileiros passaram em média 5,4 horas por dia no celular em 2021. O levantamento considerou apenas celulares Android. Ainda assim, nesse contexto, o país saltou de 4,1 horas diárias de uso em 2019 para 5,4 horas no ano passado.
Soma-se a isso a pandemia da Covid-19. Neste período, milhões de pessoas perderam o emprego e famílias tiveram parte (ou toda) renda comprometida, a insegurança alimentar aumentou drasticamente, e o Brasil voltou a fazer parte do mapa da fome. Em casa, sem trabalho, ganhar dinheiro apenas usando o celular, além de fácil, se tornou uma alternativa viável, quando não a única solução.
“Eu já fui catadora de latinha e até para catar latinha hoje tá difícil, então eu vejo o trabalho nesses sites como uma oportunidade”. A frase é de uma das entrevistadas do Laboratório de Pesquisa DigiLabour, coordenado pelo professor do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Comunicação da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS), Rafael Grohmann.
O que na internet é tratado como marketing digital, com a venda de cliques, curtidas, geração de seguidores e comentários de pessoas reais para clientes interessados em obter engajamento para seus perfis nas redes sociais, Grohmann considera como um subtipo de plataforma de microtrabalho. São as “fazendas de cliques”, termo originário do sudeste asiático para designar “call centers” de pessoas de vários lugares curtindo e comentando.
O objetivo dessas “fazendas” é comercializar interações por meio do que tratam como “usuários reais”. Com isso, proporcionam curtidas e comentários em perfis de empresas e de potenciais influenciadores para aumentar o engajamento de suas páginas nas mídias sociais. Dessa forma, esses “clientes” conseguem ampliar e reforçar suas influências no meio virtual.
Diferentemente das interações feitas com uso de bots e robôs, que burlam os termos de uso das mídias sociais e correm risco de banimento, as “fazendas” vendem interações “reais”. De uma forma geral, entre os “clientes” desses serviços estão influenciadores, políticos, jogadores de futebol, atores e cantores.
Uma pesquisa do DigiLabour segmentou o perfil desses “clientes” e revelou influenciadores das mais diferentes áreas, em especial profissionais liberais, sendo muitos da área da saúde, instrutores de crossfit, esteticistas, personal trainers e estabelecimentos comerciais de pequeno porte.
Na Indonésia e nas Filipinas, estudos recentes apontam relações entre as atividades dessas plataformas e uma rede de desinformação, revelando um verdadeiro chão de fábrica do ódio. No Brasil, ainda não há nenhuma investigação focada no contexto local, segundo Grohmann.
Aza Raskin, ex-empregado do Firefox e Mozilla Labs, cofundador do Centre for Humane Technology e inventor do Infinite Scroll, no documentário “O Dilema das Redes”, revela que grandes empresas anunciantes nas mídias sociais também fazem uso desse nicho de mercado.
Com alta demanda, as tais “fazendas” precisam mobilizar um batalhão de trabalhadores para gerar o impulsionamento de likes e geração de comentários. Ao se cadastrarem na plataforma de trabalho, segundo Grohmann, os trabalhadores têm segundos para curtir postagens, sem poder retirar essa curtida posteriormente. Essa multidão fica disponível através de seus perfis em mídias sociais, recebendo menos de um centavo de real por tarefa, sendo que o pagamento pelo trabalho só pode ser acessado quando o total atinge um valor mínimo entre R$ 20 e R$ 30.
No Brasil, sites como Ganhar no Insta, Dizu, Siga Social e Farmar Social estão entre os mais conhecidos, dentre as inúmeras empresas existentes, cuja premissa é ofertar serviços de impulsionamento de likes em mídias sociais como Instagram, Facebook, TikTok ou YouTube.
“Devemos chamar a atenção para este trabalho porque é a deep web do trabalho por plataformas”, comenta o professor. Além da pauperização do trabalho, os ganhos não são garantidos ao trabalhador. Se as redes sociais reconhecem as atividades desses perfis como suspeitas, principalmente os perfis fakes, as contas são bloqueadas. Caso isso ocorra, a “fazenda” não paga o trabalhador. “Isso acontece porque não tem como conferir se aquelas atividades de clicar, comentar e curtir realmente aconteceram, então eles não recebem por aquilo”, explica.
Mesmo diante de dilemas éticos, como ressalta Grohmann, pois “essas atividades ficam nas fronteiras da legalidade que envolvem venda e compra de perfis fake, venda e compra de bots, venda e compra de packs de fotos”, o mercado, ao fim, segue bem abastecido. Além disso, essas plataformas de microtrabalho contribuem para a desinformação e a precarização da própria mão de obra.
Arthur Aguiar comprou seguidores para ganhar o BBB?
Se a temática não ganha a devida oportunidade para discutir a complexidade que lhe é peculiar, parte das redes sociais estiveram atentas às discussão sobre as “fazendas de cliques” na semana de encerramento do BBB (Big Brother Brasil). “Arthur Aguiar comprou seguidores para ganhar a última edição do Reality?” Essa questão pipocou nas redes e foi alvo de comentário até do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Para dar caldo ao assunto, na mesma semana Viny, Nat, Viih Tube e Laís – ex-participantes desta e de outras edições do BBB – apareceram divulgando os serviços de empresas que se assemelham às “fazendas de cliques”.
Para a professora no Centro de Estudos Latino-Americanos sobre Cultura e Comunicação e pesquisadora em comunicação digital na Universidade de São Paulo (USP), Issaaf Karhawi, o mercado de influência é significativo, mas valoriza volume, ou seja, métricas muito significativas. “É um mercado que valoriza visibilidade e alcance, o que hoje pode ser comprado nas ‘fazendas de cliques’. Quando um influenciador faz uma parceria comercial, as marcas avaliam se a publicidade funcionou ou não a partir das métricas que os influenciadores apresentam.”
Com isso, o mercado de influência acaba estimulando a existência de empresas de “fazendas cliques”, para que os próprios influenciadores consigam entregar as melhores métricas. “A partir do momento em que o mercado de influência foca apenas em dados e métricas quantitativas, ele desconsidera o qualitativo e, em certa medida, justifica espaços como as fazendas de cliques”, explica Issaaf Karhawi, que também é autora do livro “De blogueira a influenciadora”.
Na era da produtividade, a valorização do quantitativo frente ao qualitativo é parte da engrenagem que se alimenta de engajamentos vazios. Pessoas viram números, mas os próprios números, em cifras, são insuficientes para garantir o mínimo para aqueles que passam horas curtindo, clicando e comentando.
As implicações das “fazendas de clique” para o debate público
Rafael Grohmann e sua equipe do laboratório de pesquisa DigiLabour levantaram algumas questões sobre os trabalhadores das “fazendas de cliques”. Eles tentam chamar atenção para as condições de trabalho, regulação, governança e mercado publicitário presentes no fenômeno.
De acordo com o estudo do DigiLabour, é preciso visibilizar as condições de trabalho dos trabalhadores de “fazendas de clique” e fomentar políticas públicas rumo ao trabalho decente em plataformas digitais, inclusive de forma remota. Muitas dessas pessoas decidem entrar nas plataformas atraídas por um trabalho relativamente fácil e, muitas vezes, veem-se frustradas tanto pela baixa remuneração quanto por bloqueios e falta de tarefas.
A insatisfação com essas plataformas tem crescido a tal ponto que, no ano passado, os trabalhadores declararam greve e articularam-se com youtubers de canais sobre como ganhar renda extra.
Outra questão envolve a proposta regulação e governança do trabalho digital e as especificidades das plataformas. Como regular as “fazendas de clique”? E quais são as implicações éticas desse mercado? O DigiLabour lembra, por exemplo, que o impulsionamento em redes sociais é autorizado nas campanhas eleitorais – com as devidas regras -, mas não há nenhuma previsão sobre a atuação de trabalhadores pagos para realizar esse impulsionamento.
O grupo também pede atenção quanto às mudanças do mercado publicitário e das práticas de influenciadores digitais que envolvem também o papel das “fazendas de clique” – e outras empresas de microtrabalho. Se em outras plataformas os trabalhadores avaliam publicidade, aqui ajudam a sustentar parte do ecossistema de likes sob o qual vivem as redes sociais.
Por fim, Grohmann e sua equipe consideram que as plataformas de “fazendas de clique” são a deep web do trabalho plataformizado. Em vez de seguir com o senso comum de que tudo vem de inteligência artificial, automação e bots, é necessário visibilizar o trabalho desses “bots humanos” em plataformas parasitas.
A deep web do trabalho por plataformas é também, como bem coloca Grohmann “o verdadeiro laboratório da luta de classes, no qual há uma intensificação das formas de exploração dos trabalhadores a partir de mecanismos entre o velho e o novo”.