Diversidade

‘Não consigo viver e nem me deparar com o meu passado mais’

Suzy de Oliveira iniciou o processo de redesignação sexual em 2010 e ainda aguarda (Foto: Arquivo pessoal)

Aos 51 anos, a secretária carioca Suzy de Oliveira está ansiosa no grau máximo. A transexual de Campo Grande, zona Oeste do Rio, busca, na Justiça, o direito a realizar sua cirurgia de transgenitalização — alteração dos órgãos genitais — aguardada há mais de uma década.

O procedimento de redesignação sexual é composto por duas cirurgias: transgenitalização e implante de prótese mamária. Ela deu entrada no processo em 2010, mas somente em 2018 obteve um pedido médico do psiquiatra Miguel Chalub, do Hospital Universitário Pedro Ernesto, única unidade hospitalar habilitada para executar o procedimento no estado do Rio de Janeiro.

No dia do Orgulho LGBTQIA+, O Pharol conversou com a Suzy, que representa a ânsia de tantas outras pessoas trans inseguras, já que a transgenitalização não faz parte da lista da ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar) e, com o entendimento atual, poderá ser prontamente negada.

O Ministério da Saúde informa que a idade máxima para se submeter às cirurgias é 75 anos. Suzy, em tratamento hormonal desde os 20 e poucos anos e fazendo acompanhamento psicológico há mais tempo, teme que, quando conseguir aval para realizar o procedimento, poderá ser tarde demais.

“O que adianta conseguir operar com tanta idade? Não vai dar para eu curtir nada”, diz. “Não consigo viver e nem me deparar com o meu passado mais. Por mais que tenha trocado minha documentação e esteja em processo de terapia hormonal e psicológica, não dá para ficar satisfeita. Tenho medo de que essa angústia demore ainda mais tempo.”

Dados da Comissão de Diversidade Sexual e de Gênero da OAB-SP (Ordem dos Advogados do Brasil) apontam que algumas pessoas trans têm a chamada disforia de gênero, uma insatisfação ou desconforto persistente com características sexuais que remetem ao gênero atribuído ao nascer.

No Brasil de quem pode, clínicas chegam a cobrar R$ 45 mil pelo procedimento. No SUS (Sistema Único de Saúde) a espera é o principal empecilho. Uma pessoa trans pode ficar até 18 anos na fila.

No estado de São Paulo, foram 284 procedimentos cirúrgicos de afirmação de gênero no SUS desde 2019, incluindo as cirurgias de redesignação sexual, histerectomia (retirada do útero), plástica mamária reconstrutiva e mastectomia masculinizante.

A Secretaria de Estado da Saúde do Rio de Janeiro informa  que a Central Estadual de Regulação realiza a agendamento para consulta com endocrinologista para que seja feita a hormonização, fase inicial do processo transexualizador, no Instituto Estadual de Diabetes e Endocrinologia. De janeiro a 30 de junho deste ano, foram 145 pacientes encaminhados.

A Direção do Hospital Universitário Pedro Ernesto informa que há uma série de regulamentos e diretrizes do Ministério da Saúde a serem cumpridos para que então o paciente esteja apto às cirurgias de confirmação de gênero, ou seja, uma série de cuidados fundamentais para a segurança dos procedimentos, que são permanentes. Há avaliações de diversos especialistas, incluindo profissionais do Serviço Social, da Saúde Mental, da Endocrinologia, da Urologia, entre outras especialidades. O procedimento requer uma multidisciplinaridade de profissionais e olhares, para que o paciente fique o mais amplamente cuidado possível.

Em nota, a Secretaria Estadual de Saúde fluminense informa ainda que toda esta avaliação, conforme portaria do SUS, dura um pouco mais de 20 meses, no qual o paciente também passa por tratamentos hormonais.

O caminho para quem busca o SUS para o processo transexualizador começa nas unidades básicas de saúde onde os pacientes serão acompanhados e, conforme avaliação clínica, encaminhados aos centros de referência.

Ano passado, uma assistente social declarou que Suzy, desde 2014, tenta acessar o ambulatório de processo transexualizador, e que não há previsão de atendimento médico-cirurgião.

Em meio a tanta incerteza, Suzy convive com este desgaste emocional gigantesco, além da vida que segue. Hoje, ela é hipertensa e toma remédio.

Aqui, o link com as várias opções de cirurgias do procedimento de redesignação sexual.

Orgulho e preconceito

No dia do Orgulho LGBTQIA+, uma triste confirmação: lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais, queer, intersexuais, assexuais e outras orientações ou identidades são vítimas de violência. Dados de 2020 e 2021 mostram alta em casos de estupro.

Os registros de estupro de pessoas LGBTQIA+ aumentaram 88,4% entre 2020 e 2021, mostram dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública divulgados nesta terça (28). Em números absolutos, os estupros saltaram de 95 para 179 no período. A sigla se refere a lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais, queer, intersexuais, assexuais e outras orientações ou identidades.

Outros dois crimes tiveram alta nas estatísticas. A lesão corporal dolosa (intencional) cresceu 35%, de 1.271 para 1.719. A notificação de assassinatos de LGBT+ aumentou 7%, passando de 167 para 179.

Outras hipóteses levantadas pela pesquisa são a influência da decisão do STF (Supremo Tribunal Federal) em enquadrar a homofobia na lei dos crimes de racismo, proferida em 2019, e o agravamento da violência de gênero e de orientação sexual.