Diversidade

Arco-íris para quem? Minas Gerais lidera mortes LGBTQIA+ no 1º semestre

Em junho, que culmina com o Dia Internacional do Orgulho LGBTQIA+, culminam também arco-íris em publicações em redes sociais, vitrines e publicidades. Mas a realidade da população que se reconhece na sigla no Brasil e, sobretudo, em terras mineiras, tem muito pouco de cor. De acordo com levantamento do Grupo Gay da Bahia, importante instituição de diagnóstico e acolhimento (entre outras ações) da população LGBTQIA+ do país, Minas Gerais foi o estado que mais registrou mortes violentas desta população no primeiro semestre. 

Em todo o Brasil,  houve registro de 135 mortes e o Nordeste é a região mais perigosa para LGBTQIA+, especialmente na Bahia e em Pernambuco. Facadas e tesouradas foram as principais causas das mortes, seguidas por arma de fogo, asfixia e enforcamento. Os dados trazem informações ainda mais cruéis: em 20% dos casos, as vítimas agonizaram na rua e 32% morrem em casa. Os grupos mais afetados pela violência foram homens gays (46,66%) e travestis, transexuais e mulheres trans (42,96%).

Em 2021, o mesmo levantamento apontou 300 mortes violentas, sendo que dessas, 168 ocorreram no primeiro semestre. Isso significa que há uma diminuição dos casos do ano passado para cá, o que não necessariamente é motivo de esperança. O Anuário Brasileiro de Segurança Pública revela que as agressões cresceram 35,2% de 2020 para 2021, subindo de 1.271 para 1.719 casos. O número de estupros também aumentou: de 95 para 179.

É importante lembrar que oito estados – Minas Gerais, São Paulo, Rio de Janeiro, Bahia, Acre, Maranhão, Rio Grande do Sul e Roraima – não registram os dados de lesão corporal, homicídio ou estupro com este recorte no anuário. Além disso, infelizmente os dados revelam apenas a superfície da realidade, que seguramente é mais brutal na profundeza das violências não documentadas.

Letras e militância em constante transformação

Em meio aos riscos inerentes ao simples fato de existir, a conquista de direitos da população LGBTQIA+, ainda que a duras penas e às custas de muitas vidas vem essencialmente dos movimentos sociais, conforme aponta o advogado Júlio Mota. 

“A verdade é que as instituições brasileiras em geral não operam nesse sentido, quem faz isso são os movimentos sociais. É sempre muito difícil ter qualquer tipo de mudança sem ser por meio de pressões sociais. Tudo o que a gente conseguiu avançar até hoje em termos de direitos por meio do ativismo judicial”, destaca ele, que é homem trans e atua como advogado voluntário do Centro de Referência LGBTQIA+ da UFJF e da  Astra-JF (Associação de Travestis, Transgeneres e Transexuais de Juiz de Fora).

A antropóloga do Núcleo de Estudos de Gênero Pagu na Unicamp, Regina Facchini, destaca o caráter dinâmico e mutável dessa militância, seja pelo processo de conquista (ou, infelizmente, perda) ou perda de direitos, seja pela transformação das próprias identidades e vivências atreladas a gêneros e sexualidades. 

“Quando falamos de pessoas LGBTQIA+,  não estamos falando de identidades e sexualidades que sempre foram entendidas da mesma maneira, mas de um grupo que vai se transformando de acordo com as práticas, vivências e compreensões. O processo de cidadanização destas pessoas, e do reconhecimento dos seus direitos, que hoje está muito restringido por sinal,  tem uma série de atores que advogam não só pelo reconhecimento de direitos, mas também de seus contextos. Como eles mudam através dos tempos, as classificações, modos de expressão e demandas desses movimentos mudam, daí a importância de que eles sejam sempre flexíveis. Um exemplo nítido de tudo isso é a transformação da própria sigla para mencionar e representar estes grupos”, observa a pesquisadora, autora do livro “Na trilha do arco-íris: do movimento homossexual ao LGBT” (Fundação Perseu Abramo, 2009).

Professor da UFJF e coordenador do Fegs (Grupo de Pesquisa Família, Emoções, Gênero e Sexualidades), Raphael Bispo afirma que a transformação e reconfiguração constante da sigla LGBTQIA+, apesar de vir de uma ânsia natural pela categorização e nomeação, traz limitações no que diz respeito à representatividade e às demandas das populações que busca representar. 

“Na sociedade e cultura que vivemos hoje, elencamos gêneros e sexualidades como marcadores importantes, por isso toda hora surgem novas classificações, tentando dar conta dessa pluralidade. Essa tentativa de nomear, dar rótulos, segue essa ânsia moderna de nomear a experiência da sexualidade e do gênero. Por isso, movimentos contemporâneos sexuais e de identidade de gênero buscam apontar para as incompletudes que existem por trás das experiências classificatórias, já que elas jamais darão conta da multiplicidade de experiências humanas neste sentido. Isso vem no sentido não de eliminar as classificações, que têm um peso importante para reivindicações em esferas institucionais, por exemplo. Mas para perceber suas limitações e podermos vislumbrar um futuro no qual não se precise mais haver preocupação em acrescentar letrinhas na sigla, porque a sociedade estará muito bem resolvida com a maneira como pessoas que experimentam sua sexualidade e percebem sua identidade de gênero. Sem ameaças contra sua existência em qualquer instância, inclusive a literal.”

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